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Mulher chora em frente da Casa Rosada, o palácio presidencial, em Buenos Aires: ex-presidente Néstor Kirchner tinha grande apoio popular | Martin Acosta/Reuters
Mulher chora em frente da Casa Rosada, o palácio presidencial, em Buenos Aires: ex-presidente Néstor Kirchner tinha grande apoio popular| Foto: Martin Acosta/Reuters

Entrevista

Gerardo Strada Sáenz, professor de Relações Internacionais e Ciências Políticas na Universidade Nacional de Lanus

Com a morte de Kirchner o partido Justicialista (governista, fundado por Perón) fica mais fraco?

Não, mas existe uma interrogação importante porque Kirchner, além de fundar o "kirchnerismo", também foi um líder que manejou toda a estrutura do que nós chamamos de "armação política", o que gera expectativa sobre quem vai encarar agora a construção política.

Cristina delegou essa responsabilidade ao ex-presidente, e agora pode haver disputas reais de poder entre os seguidores de Kirchner sobre quem vai dar essa nova direção e conduzir o partido.

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Dezenas de milhares de argentinos prestam homenagens nesta quinta-feira ao ex-presidente Néstor Kirchner, cuja morte priva sua esposa e sucessora, Cristina Fernández de Kirchner, de seu mais importante aliado.

Kirchner, vítima de um infarto na quarta-feira, aos 60 anos, tinha grande influência no governo de Cristina. Os mandatos dele e da mulher foram marcados por uma forte presença do Estado na economia, o que seguidores dizem que ajudou a resgatar o país da grave crise de 2001-02.

O ex-presidente era considerado forte candidato a voltar à Casa Rosada na eleição de outubro de 2011. Sua morte amplia a possibilidade de que Cristina - cuja popularidade nas últimas pesquisas era maior que a do marido - tente a reeleição. Mas a aprovação da presidente está em torno de 35 por cento, baixa demais para sugerir que ela possa obter uma vitória na eleição de 2011.

Kirchner era visto com desconfiança pelos mercados, e sua morte provocou uma alta na cotação dos títulos públicos e ações do país. Por outro lado, seu desaparecimento no polarizado cenário político argentino agrava as incertezas neste período pré-eleitoral.

Analistas dizem que Cristina - que a exemplo do marido é conhecida por confrontar líderes empresariais e adotar políticas que desagradam os investidores - poderia agora assumir um tom mais conciliador, a fim de obter um apoio mais amplo.

Mas ela provavelmente manterá junto a si o círculo íntimo de colaboradores que já acompanhava o "casal presidencial" e a morte dele pode gerar uma onda de solidariedade que melhore a popularidade de Cristina, ao despertar nos argentinos a lembrança da forte recuperação econômica vista no mandato de Kirchner (2003-07).

Líderes da oposição também prestaram tributo à habilidade política de Kirchner, mas agora podem se sentir estimulados a recuperar a presidência em 2011.

HOMENAGENS

Noite adentro, simpatizantes se concentravam na praça de Maio, em frente à Casa Rosada, agitando a bandeira nacional e cartazes com mensagens. Personalidades políticas de toda a América Latina são aguardadas nesta quinta-feira no palácio para o velório.

"Precisamos demonstrar solidariedade nos próximos dias para que a oposição não tire vantagem deste momento", disse Roberto Picozze, 25 anos, que foi para a praça de Maio após passar o dia inteiro em casa, à espera do Censo -- que na Argentina foi inteiramente realizado na quarta-feira.

O recenseamento nacional fez com que quarta-feira fosse feriado na Argentina, e por isso os mercados financeiros estavam fechados quando veio a notícia da morte de Kirchner. Mas, nos mercados internacionais, a cotação de títulos e ações do país subiu, refletindo a expectativa de que Cristina adote uma postura mais moderada no relacionamento com investidores, empresários e ruralistas.

A Argentina, importante exportadora de produtos agrícolas, se beneficiou da alta na cotação das matérias-primas desde seu colapso econômico de nove anos atrás. Mas críticos recriminavam as políticas intervencionistas de Kirchner, e diziam que ele não conseguiu pôr o país no rumo do crescimento sustentável nem dominou a inflação.

Adversários do casal presidencial também criticavam seus ataques virulentos contra a mídia, as grandes empresas e os adversários políticos. O presidente, de centro-esquerda, nacionalizou várias empresas e ampliou o papel do Estado na economia. Quando fazendeiros se rebelaram contra um aumento no imposto sobre a exportação de soja, em 2008, Kirchner os acusou de tramar um golpe.

Os mercados financeiros nunca o perdoaram pela dura renegociação, em 2005, de cerca de 100 bilhões de dólares da dívida argentina, após uma moratória. Os donos dos títulos acabaram tendo de aceitar um forte deságio nos seus papéis. Kirchner também criticava duramente o Fundo Monetário Internacional.

Membro do Partido Justicialista (peronista), Kirchner construiu fortes alianças como presidente, o que lhe valeu um sólido apoio. Guiou o peronismo para a esquerda, desmontando o legado do também peronista - mas de direita - Carlos Menem, e cortejou líderes socialistas como o venezuelano Hugo Chávez.

A presença de Chávez é esperada no funeral, assim como dos presidentes do Chile, Sebastián Piñera, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em frente à Casa Rosada, a bandeira argentina já tremula a meio-mastro, e simpatizantes deixaram rosas e bilhetes nas grades, alguns com os dizeres "Gracias, Néstor". Uma pixação na parede de um banco pedia: "Força, Cristina".

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