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"Só no mês passado nós pegamos 27 bebês que foram deixados na rua, recém-nascidos que foram deixados em uma caixa ao lado da estrada, como se fossem o lixo de ontem". É quase impossível atribuir essas palavras que estou ouvindo à visão diante de mim, desses inocentes e lindos bebês em berços enfileirados em uma pequena sala.

Estou visitando a Fundana, um orfanato privado que cuida de crianças que foram abandonadas por suas mães devido à falta de comida e de outras necessidades básicas. Os bebês são abandonados logo após o nascimento, ou simplesmente são deixados em algum lugar na rua depois que a mãe percebe que não tem os meios para cuidar de seu filho. Quando as crianças chegam ao orfanato da Fundana, geralmente já estão à beira da inanição. Muitos sofrem de abstinência de drogas e doenças que foram transmitidas da mãe para o filho na ausência de cuidados pré-natais. 

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A situação tem piorado nas últimas semanas, diz Karen, a conselheira-chefe da instituição. Geralmente, os serviços sociais da Venezuela administravam o contato entre os pais e a Fundana. Eles tinham unidades nas áreas mais carentes de Caracas, onde os bebês podiam ser deixados em segurança, mas desde a última crise política que eclodiu há pouco mais de um mês, o regime de Nicolás Maduro fechou essas unidades, tentando esconder as famílias que sofrem dos olhos do mundo. 

"Costumava haver uma instalação em Petare [onde há uma das maiores favelas da América] onde as mães podiam deixar seus filhos, uma espécie de casa intermediária entre eles e nós", explica Karen, "mas depois que o regime a encerrou há algumas semanas, essas mães não têm para onde ir, e isso significa que esses bebês acabam na rua. Na semana passada, um membro da nossa equipe encontrou um menino seminu de um ano fora do metrô, com nada mais do que um cobertor velho e maltrapilho para sentar e um único biscoito em uma sacola, amarrada ao seu pulso”. 

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É difícil, se não impossível, imaginar. Essas crianças, 130 delas somente no orfanato Fundana, foram abandonadas não apenas por suas mães, mas também por Maduro, pela Venezuela, por tudo que é bom e puro no que consideramos uma sociedade civilizada. Essas mães não têm outro recurso. O governo venezuelano tem, mas várias vezes escolhe a ideologia em vez da humanidade. 

Trabalho humanitário 

Na Fundana, eles estão fazendo o melhor que podem com os recursos que o governo socialista permite, mas carecem de necessidades básicas, como medicamentos, fraldas e fórmulas. Eles os contrabandeiam de Miami ou compram no mercado negro, com enormes custos. Quando eu pergunto à equipe da Fundana se eles fizeram apelos públicos por ajuda, eles dizem que não podem fazer isso na mídia nacional, já que muitos holofotes sobre a crise humanitária levariam Maduro a fechar definitivamente a Fundana, e outros lugares que prestam serviços de ajuda.

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O que a Fundana faz é um trabalho humanitário ao estilo de guerrilha, enquanto a vida desses bebês está em jogo. Não tenho dúvidas de que todas essas crianças estariam mortas se não fosse pelo trabalho feito pelas mulheres da Fundana, segurando-as, alimentando-as, vestindo-as todos os dias. 

Esta é a prova mais palpável que vi da crise venezuelana durante minha estada de duas semanas no país e, sem dúvida, a mais dolorosa: bebês deixados na rua porque suas mães pensam que, se o fizerem, seus filhos terão ao menos uma chance – uma vaga esperança de que alguém, em algum lugar, terá misericórdia deles. Meus olhos são atraídos para Rosa, uma garotinha com longos e lindos cílios e alguns cachos escuros no alto de sua cabecinha. Eu a seguro e ela pesa quase nada, apesar de ter quase um ano de idade. Quando olho para ela, sou recebida por olhos que já viram demais as facetas sombrias da vida. 

Adeus difícil

Rosa tem dez meses. Quando ela tinha apenas algumas horas de idade, sua mãe a deixou do lado de fora da Fundana, para nunca mais voltar. Eu não posso largar Rosa. Eu a seguro em meus braços enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto, e tudo que eu quero é levá-la para casa e dar a ela uma vida longe de tudo isso, para salvá-la das muitas provações que esperam por essa inocente e linda criança. É um pensamento ingênuo, eu sei disso, mas depois de algumas semanas aqui na Venezuela eu preciso desesperadamente salvar uma alma, fazer apenas uma coisa certa, criar um final feliz para essa história comovente de corrupção, abuso de poder e uma indiferença total e absoluta do regime do mal ao sofrimento humano. 

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Mas eu não posso salvar Rosa. Não tenho nada a oferecer a este país que, contra todas as probabilidades, passei a amar. Quando saio das portas de Fundanas, sinto pela primeira vez um genuíno ódio contra esse regime e qualquer um que tenha ajudado a construí-lo e sustentá-lo. Dezenas de milhares de crianças são deixadas para morrer sob a bandeira do socialismo.

Eu choro quando deixo Rosa, e estou bem ciente de quão impotentes e inúteis essas lágrimas são. Ela é uma das muitas milhares, milhões, que estão sofrendo nas mãos do regime de Maduro, e foi por meio dela que esta crise se tornou carne e sangue para mim. Eu posso não ser capaz de salvar Rosa, mas posso pedir a você, qualquer um que leia isso, para ver o que a Venezuela se tornou. Não desvie o olhar. 

Essas crianças estão morrendo, e enquanto políticos e intelectuais ao redor do mundo ainda defendem o regime e lutam contra aqueles que estão contra ele e o que ele representa, eu oro para que um dia os apologistas do regime tenham o bom senso de ter vergonha ao enxergar o que tenho visto: crianças morrendo, mães desesperadas e um país roubado de esperança e tesouros. 

Nós nunca podemos dizer que nós não sabíamos, porque nós sabemos. Nós nunca podemos fingir que isso não aconteceu, porque nós estávamos lá. 

Eu dedico estas palavras para Rosa. Que o mundo que falhou com ela, pague suas dívidas morais.

*Annika Hernroth-Rothstein é jornalista e conselheira política na Suécia.

©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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