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No sentido horário começando do alto à esquerda, mulher com o marido, que desmaiou numa ala de isolamento provisória em Monróvia, para onde se pediu que os doentes fossem, mas pouco tratamento é fornecido; rapaz prepara o pai para viagem até o isolamento; mulher pranteia a morte de primo | Fotos: John Moore/Getty Images
No sentido horário começando do alto à esquerda, mulher com o marido, que desmaiou numa ala de isolamento provisória em Monróvia, para onde se pediu que os doentes fossem, mas pouco tratamento é fornecido; rapaz prepara o pai para viagem até o isolamento; mulher pranteia a morte de primo| Foto: Fotos: John Moore/Getty Images

Quando pessoas começaram a morrer de ebola na Libéria, Clarine Vaughn enfrentou uma decisão complicada: ela deveria mandar para casa, visando seu próprio bem, quatro médicos norte-americanos que trabalham para o Heartt, o grupo de ajuda humanitária que chefiava ali? Ou deveria mantê-los no país sem suprimentos apropriados nem treinamento para combater a doença que já semeava pânico?

Vaughn mandou-os embora. Os médicos e enfermeiros africanos deixados para trás disseram compreender, mas se sentiram abandonados.

A partida de muitos profissionais ligados ao desenvolvimento da Guiné, Libéria e Serra Leoa enfraqueceu ainda mais os sistemas de saúde da região já carentes de pessoal no momento em que enfrentam uma das crises de saúde pública mais complexas de todos os tempos. Com população de quatro milhões de habitantes, a Libéria tem menos de 250 médicos no país inteiro, segundo o Conselho Médico e Odontológico da Libéria. Sete médicos dali contraíram o ebola; dois faleceram.

"Quando os moradores viram o êxodo em massa de estrangeiros, isso contribuiu para aumentar a sensação de que está acontecendo um apocalipse e eles estão sozinhos", afirmou Raphael Frankfurter, diretor executivo da Wellbody Alliance, fornecedora de serviços clínicos em Serra Leoa. Frankfurter também mandou para casa seus quatro voluntários norte-americanos. "Não está de acordo com nossos valores porque é uma desigualdade gritante", ele disse. Contudo, "esse é um lugar muito assustador para se adoecer agora".

Muitos profissionais africanos do setor de saúde combatendo o ebola estão contraindo a enfermidade. Pelo menos 170 funcionários adoeceram, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e mais de 80 morreram.

A situação é volátil. Em 16 de agosto, centenas de pessoas numa área da capital da Libéria, Monróvia, conhecida como favela West Point, invadiram os portões de uma antiga escola convertida em centro de contenção para pessoas suspeitas de terem ebola. Samuel Tarplah, de 48 anos, enfermeiro responsável pelo centro, disse que os manifestantes queriam que ele fosse fechado. Os invasores roubaram colchões, equipamentos de proteção pessoal e até mesmo os baldes de cloro recém-adquiridos. "Levaram tudo".

O medo é um fator complicador em meio ao aumento enorme de ajuda que se faz necessária: comida para pessoas em áreas que foram isoladas, material de laboratório para exames que detectam a doença, luvas, máscaras e jalecos destinados a proteger os profissionais da saúde, sacos para cadáveres, lençóis para substituir os que devem ser queimados. Empresas aéreas cancelaram voos que poderiam ter levado tais suprimentos, apesar da garantia da OMS de que passageiros devidamente examinados representam pouco risco. Cargos nas equipes de ajuda humanitária permanecem vagos.

Centenas de funcionários da ONG Médicos Sem Fronteiras vêm combatendo o surto desde março. A presidente do grupo, Dra. Joanne Liu, disse haver uma necessidade aguda por materiais bem como de mais recursos humanos – não apenas especialistas e burocratas, mas também do tipo de pessoa disposta a "arregaçar as mangas".

"Existe medo, esta é a linha de frente, a epidemia está avançando e a infraestrutura está em colapso", afirmou a Dra. Liu.

Em Serra Leoa, enquanto o número de contatos com pacientes de ebola cresceu muito além dos esforços para acompanhá-los durante o período de incubação de 21 dias, profissionais visitavam residentes em casa. Programas de rádio, pôsteres e até mesmo desfiles não foram o suficiente para convencer as pessoas com os sintomas a comparecer aos centros de isolamento nem seus familiares a se absterem de arriscar as vidas para tomar conta deles. "As pessoas rejeitam as mensagens", pois não conseguem compreendê-las, declarou Frankfurter.

Na Guiné o surto está "mais controlado", assegurou o Dr. Thomas R. Frieden, dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Para ganhar a confiança e combater os rumores de canibalismo, funcionários da Cruz Vermelha convidam as famílias para acompanhar enterros a distância ou até mesmo a vestir jalecos e ver os corpos dos familiares falecidos.

O único centro de tratamento para vítimas do ebola na região de Monróvia, o Hospital ELWA, estava sobrecarregado. Nos últimos dias, um dirigente do setor de saúde estimou haver 70 pacientes, mais do que o dobro da capacidade projetada. Uma unidade com 120 leitos estava sendo preparada. Nesse meio-tempo, o centro em West Point foi criado.

John Moore, fotógrafo da Getty Images, disse que os manifestantes removeram os pacientes. "A principal mensagem era que isso se tratava de um boato e que aquelas pessoas não tinham ebola", ele afirmou.

Tarplah foi das forças armadas durante a guerra civil da Libéria. Segundo ele, o ebola "é pior do que a guerra. Você não conhece o inimigo que está combatendo. Isso é muito pior".

Ainda segundo Tarplah, "numa guerra, a bala só acerta uma pessoa".

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