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Durante mais de um mês, nenhuma ajuda chegou a Wau Shilluk; agora, um comerciante tem pouco a vender para uma clientela com dinheiro limitado | Tyler Hicks//The New York Times
Durante mais de um mês, nenhuma ajuda chegou a Wau Shilluk; agora, um comerciante tem pouco a vender para uma clientela com dinheiro limitado| Foto: Tyler Hicks//The New York Times

Nos lugares onde os combates são mais intensos, ninguém sequer conta os mortos.

Quase metade da população da mais jovem nação do mundo, o Sudão do Sul, corre o risco de passar fome. Novas atrocidades são relatadas quase diariamente. Mais de 1,5 milhão de pessoas já fugiram das suas casas.

“Não existe mais país”, disse John Khamis, 38, que passou boa parte da existência da sua nação em um acampamento para refugiados internos montado numa base da ONU.

Faz menos de dois anos que uma luta entre os líderes nacionais mergulhou o Sudão do Sul no caos, inflamando tensões étnicas que quase imediatamente dilaceraram o novo país.

Apesar de repetidas tentativas de pacificação, nos últimos meses foram registrados alguns dos mais violentos combates dessa guerra civil. “Os sobreviventes relatam que meninos foram castrados e deixados sangrando até a morte”, disse Anthony Lake, diretor da Unicef. “Meninas de até oito anos foram estupradas e assassinadas.”

Até o porta-voz do Exército sul-sudanês, coronel Phillip Guarang, admite que o conflito não faz sentido.

Chol Garkouth, 15, mal consegue se lembrar de como sua família comemorou a independência em relação ao Sudão, há quatro anos. Ele não sabe muito sobre a política que alimenta essa guerra. Mas sabe por que pegou em armas. “Todos os outros garotos da minha idade estavam indo lutar”, disse Chol no hospital onde se recupera de um ferimento a bala numa perna.

Tanta gente buscou refúgio em Wau Shilluk, aldeia ao norte da cidade de Malakal, que a população de lá saltou de 3.000 para 39 mil pessoas. Por causa dos combates, o lugar passou mais de um mês sem receber assistência.

Grupos internacionais de ajuda precisaram cancelar repetidas viagens em meados de junho à região por causa de bombardeios e confrontos. Finalmente, os agentes humanitários, apesar dos riscos, chegaram até lá, mas no caminho de volta homens armados dispararam contra um dos barcos, que estava claramente identificado com a bandeira de uma ONG.

Dezenas de milhares de pessoas se refugiaram em instalações da ONU que não foram construídas para esse fim. Aqui em Malakal, mais de 7.000 chegaram nos últimos dois meses, inflando a população do campo para mais de 30 mil pessoas.

As famílias vivem apinhadas, e grande parte do acampamento virou um esgoto a céu aberto. Funcionários da ONU dizem enfrentar um dilema insolúvel: abrir suas portas aos desesperados ou deixar as pessoas morrerem.

É uma situação muito diferente daquela que as autoridades internacionais anteviam em 2005, quando um acordo de paz encerrou décadas de guerra civil entre o norte e o sul do Sudão. Em 2011, o sul votou por se separar do Sudão, e os líderes dos dois principais grupos étnicos do novo país —os dinkas e os nuers— se uniram para formar um governo.

No entanto, em dezembro de 2013, o presidente Salva Kiir, que é dinka, acusou seu ex-vice, Riek Machar, um nuer, de planejar um golpe.

Os dois tinham um histórico de animosidade, e sua luta pessoal desencadeou uma nova etapa de violência. Os combates se espalharam a partir da capital, sendo mais intensos nas regiões onde existem campos petrolíferos. A maior parte da arrecadação pública vem do petróleo.

“Eles [rebeldes] estiveram muito perto de tomar os campos de petróleo”, disse o coronel Guarang. Para chegar lá, os rebeldes precisariam dominar Malakal. Os combates ocorreram nos arredores do acampamento. Aldeias foram incendiadas, centenas de milhares de pessoas fugiram para o mato e incontáveis civis foram mortos.

As forças governamentais também iniciaram uma ofensiva no Estado da Unidade, e alguns relatos sugerem que eles haviam chegado a Leer, cidade natal de Machar. “Testemunhas relataram assassinatos e estupros contra civis, incluindo crianças”, disse a ONU em nota.

Ela acusa todos os lados de cometer abusos, acrescentando que os combatentes estavam impedindo os profissionais de direitos humanos de documentarem o que ocorreu nos últimos dois meses. Embora seja impossível determinar cifras exatas, os ativistas dizem que dezenas de milhares de pessoas foram mortas desde 2013.

“Há mais de 17 meses, mulheres, homens e crianças sofrem uma catástrofe totalmente causada pelo homem”, disse o alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Raad Zeid al-Hussein, no final de maio. “E agora, nas últimas semanas”, acrescentou ele, “as partes contrapostas conseguiram fazer com que uma situação já terrível piorasse muitíssimo.”

Dak Ongin, 54, lembra-se do dia em que foi declarada a paz no sul do Sudão, em 2005, e quando o país tornou-se independente, seis anos depois. “Eu estava esperando que a paz fosse durar para sempre”, disse, sentado sobre um monte de lixo que apodrece nas instalações da ONU.

Ongin não espera mais a paz. “Se o governo continuar se comportando mal, vamos derrubar essa cerca e nós mesmos tomaremos a cidade de volta.”

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