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Muhammad Iqbal no túmulo de sua segunda mulher, espancada até a morte por sua própria família em maio deste ano; porém, Iqbal também assassinou sua primeira esposa em 2009 | Fotos: Aamir Qureshi/Agence France-Presse — Getty Images
Muhammad Iqbal no túmulo de sua segunda mulher, espancada até a morte por sua própria família em maio deste ano; porém, Iqbal também assassinou sua primeira esposa em 2009| Foto: Fotos: Aamir Qureshi/Agence France-Presse — Getty Images

O homicídio de Farzana Parveen não poderia ser mais trágico ou brutal: grávida e aos 25 anos, foi surrada até a morte por membros de sua família, em uma rua movimentada, por ter se casado com o homem que amava. Mas então surgiu uma reviravolta sombria e inesperada.

Ao que parece, o marido de Parveen, Muhammad Iqbal —fotografado diante do corpo ensanguentado da mulher com uma expressão de profundo pesar— havia assassinado sua primeira mulher para ficar com Parveen e posteriormente obtido a liberdade recorrendo a uma cláusula islâmica da lei paquistanesa. "Eu a estrangulei", disse Iqbal, 45, sobre sua primeira mulher. "Gostava de Farzana desde que ela era menina."

O ataque a Parveen em Lahore, no Paquistão, em maio, gerou indignação mundial, uma intervenção pública do primeiro-ministro paquistanês Narwaz Sharif e um esforço incomum da polícia para capturar os responsáveis. Cinco homens, entre os quais o pai de Parveen, foram detidos, mas a polícia continua em busca de seus dois irmãos, um dos quais acusado de espancá-la até a morte com um tijolo.

Para alguns, a morte de Parveen é um sinal da crescente intolerância religiosa no país. Essa impressão é reforçada por reportagens que definiram a agressão como um apedrejamento, imagem que traz ecos do Afeganistão na era do Taleban.

Mas ativistas dos direitos humanos e analistas afirmam que a morte das duas mulheres de Iqbal deriva de um preconceito social profundo contra as mulheres e do que definem como um sistema legal deficiente. "O Estado criou um ambiente permissivo para os homicídios de honra", disse Saarop Ijaz, advogado. "Que uma mulher seja disciplinada por sua família é visto como assunto privado pela polícia, pelos tribunais e pela lei."

Sob uma cláusula islâmica da lei paquistanesa, um homicida condenado pode evitar punição caso obtenha perdão da família da vítima ou por meio do pagamento do "dinheiro de sangue", ou diyat. Os ricos e poderosos muitas vezes abusam dessa lei para escapar de punições, mas os ativistas dos direitos humanos dizem que ela também pode fomentar um senso de impunidade. "Ela cria o sentimento de que se pode matar uma pessoa à luz do dia e escapar ileso", diz Ali Dayan Hasan, ex-diretor da Human Rights Watch no Paquistão.

No caso de Iqbal, os registros da polícia mostram que, depois de matar sua primeira mulher, Ayesha Bibi, em 2009, ele se hospedou com a família de Parveen em Nankana Sahib, a cem quilômetros a oeste de Lahore.

A polícia capturou Iqbal em 2013, mas seu filho, o parente mais próximo de sua primeira mulher, o perdoou legalmente pelo homicídio, e com isso ele foi libertado. Meses depois, pediu Parveen em casamento.

Mas a união, contestada pelo pai de Parveen em função do pagamento do dote, terminou em 27 de maio, diante da sede da Alta Corte de Lahore. Um homem disparou um tiro contra Parveen, que estava grávida de três meses. A bala a atingiu de raspão no tornozelo, disse Umer Riaz Cheema, investigador da polícia. Ela em seguida foi arrastada para o chão. Seu pai, Muhammad Azeem, a golpeou com um tijolo. Depois seu irmão Zahid e um primo chamado Mazhar Iqbal levaram o ataque adiante. Depois que ela morreu, a família continuou a golpeá-la com um sapato. Caso ela tivesse entrado no tribunal, disse seu advogado, Parveen teria deposto que se casou com Iqbal por livre e espontânea vontade.

A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão reportou 869 homicídios por honra em 2013. A maioria deles acontece nas áreas rurais, onde as práticas tribais continuam a ter força.

Mas a morte de Parveen chocou por ter ocorrido na segunda maior cidade do país, diante de um tribunal e de uma multidão de testemunhas. "Tornamo-nos uma nação de seres brutalizados, que não se deixam comover pela morte", afirmou o jornal paquistanês "The News".

A atenção à morte de Parveen criou pressão por uma ação judicial. Além das normas islâmicas, o código penal do Paquistão também tem cláusulas que podem ser invocadas para garantir que os assassinos de Parveen sejam presos, disse o advogado Ijaz.

Parveen foi sepultada, mas o marido, Iqbal, disse que está sendo ameaçado pela família dela. "Disseram que vão me matar", afirmou, "e que tirarão o corpo dela do túmulo e o queimarão".

Colaboraram Waqar Gillani, de Lahore, Paquistão, e Rick Gladstone, de Nova York

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