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Kristen Beddard tenta convencer os chefs dos benefícios do “repolho frisado sem cabeça” | Damien Lafargue para The New York Times
Kristen Beddard tenta convencer os chefs dos benefícios do “repolho frisado sem cabeça”| Foto: Damien Lafargue para The New York Times

Enquanto legiões de chefs, gourmets e gurus da saúde norte-americanos transformaram a couve-de-folhas em superalimento e item básico nos cardápios, seus colegas gauleses não a entendem. Pior ainda, nem parecem interessados nela.

Na verdade, não concordam nem a respeito do nome. Há pelo menos cinco termos para descrevê-la, e o nome técnico, "chou frisé non-pommé", se traduz literalmente como "repolho frisado sem cabeça".

Aqui, ela é um lembrete das privações da época da Segunda Guerra Mundial que também transformaram o repolho cozido num elemento desagradável na mesa. De repente, porém, há indícios de um movimento para reverter esse quadro, liderado por uma norte-americana de 29 anos. Verdadeira cruzada dos crucíferos, Kristen Beddard, pediu demissão da agência publicitária em que era executiva, em Nova York, para ir com o marido para Paris, em 2011 — e se viu sem o verdinho tão amado que sempre consumiu desde que era criança lá em Pittsburgh.

"Perdi a conta de quantos produtores e restaurantes com quem falei, mostrando a foto da bendita couve. Ninguém nem sabia do que eu estava falando. Até que um dia, jantando com meu marido, disse: ‘E se eu trouxesse a couve-de-folhas para Paris?’."

Ela criou então o Projeto Couve-de-folhas, completo, até com um site que registra os locais onde encontrar a verdura. Apesar do francês quase inexistente, tenta convencer chefs e produtores a dar uma chance ao vegetal. "Minha missão é tornar a couve tão comum quanto a alface", diz. E vai ter que dar um duro danado. "Por que os franceses haveriam de se importar com um tipo de repolho de folhas enrugadas?", questiona Sanaë Lemoine, escritora francesa que mora no Brooklyn. "Eles não precisam de verduras mágicas nem superalimentos, já têm uma dieta para lá de balanceada."

Alguns franceses se contêm diante da visão daquela jovem estrangeira que acha que pode ensiná-los a usar um ingrediente antigo de seu patrimônio culinário, mas um dos maiores distribuidores de alimentos do país riu na cara dela quando sugeriu que pedisse a seus agricultores que cultivassem couve.

Por outro lado, já amealhou algumas vitórias modestas: entre elas, a organização de vários eventos em pequenos restaurantes e cafés. E fornece diariamente para o Loustic, uma lanchonete no Marais, saladas, chips e pesto de couve que ela mesma prepara.

Graças à sua sugestão, o chef do Ô Divin, um bistrô novo num bairro da região leste da cidade, está usando couve como guarnição do tête de veau e ingrediente na salada que também leva molho de maçã fresca e queijo Comté. No mês que vem, vai ajudar a criar coquetéis com suco de couve no Silencio, casa noturna no centro que foi decorada pelo cineasta David Lynch.

Beddard conheceu Hermione Boehrer, de 60 anos, numa feira de produtos orgânicos, depois de notar que as folhas de mostarda, tão raras na França, estavam à venda na sua barraca — e deu à produtora sementes de couve. Boehrer começou a plantar a versão baby e a vendê-la a 25 euros/kg todo domingo na feira orgânica. Uma caixa dela foi entregue a Alain Passard no Arpège, seu restaurante estrelado em Paris, que concordou em ver o que poderia fazer com aquele ingrediente novo e estranho.

O almoço de seis pratos que preparou começou com meias-luas de massa recheadas com nabo, cebola e couve; a seguir, ravióli recheado de couve em bouillon de tomate doce. A refeição terminou com couve recheada, suas folhas enroladas numa mistura de batata, cebola picada e mais couve num bouillon feito de tomate verde, louro e chá mate.

Passard deu sua opinião entusiasmada sobre o que chamou de "le kahl": "Tem personalidade, caráter, força. Abre as portas da imaginação. Estimula todos os sentidos!"

Ao que se virou para Beddard e perguntou, com a seriedade de quem faria uma proposta de casamento: "Você me manda algumas sementes?".

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