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 | Arquivos da família Cézanne
| Foto: Arquivos da família Cézanne

Hortense Fiquet Cézanne foi modelo de 29 pinturas de seu marido e não aparece sorrindo em nenhuma delas. Quase sempre retratada em locais fechados, tinha jeito de matrona, com o cabelo dividido ao meio e o vestido abotoado quase até o queixo. Entretanto, há algo que chama atenção em sua simplicidade. Não se parece em nada com as contemporâneas das obras impressionistas, que passavam os dias em festas nos barcos e piqueniques, os vestidos longos tremulando a brisa, a luz do sol a lhes aquecer a pele. Madame Cézanne, ao contrário, parece que não saía muito de casa e que umas férias lhe fariam bem.

"Madame Cézanne", no Museu Metropolitano de Arte de Nova York, é a primeira exposição dedicada aos retratos que Paul Cézanne fez da mulher. Reúne desenhos, aquarelas e 24 pinturas, revisitando aqueles dias míticos, na França do fim do século XIX, em que Cézanne trabalhava em uma obscuridade relativa, desenvolvendo um estilo que mais tarde o levaria a ser considerado o "Pai do Modernismo". Sua mulher era o seu modelo mais frequente – e espera ser resgatada de décadas de erudição desdenhosa e misógina.

Alguns estudiosos chegaram a mencionar que o próprio Cézanne brincava, dizendo que Hortense, como era chamada por todos, não gostava de nada, exceto "da Suíça e limonada", comentário que poderia ser usado para significar qualquer coisa. John Rewald, especialista no pintor, dizia que Hortense não tinha qualquer influência sobre o marido. E a descreve como uma mulher obcecada por roupas que dava pouca importância à arte. Na biografia que fez do artista, ele repete o boato infundado que reza que Hortense, na época vivendo em Paris, não apareceu no leito de morte do marido, em Aix-en-Provence, porque tinha um compromisso inadiável... com a costureira.

Muito se diz sobre os retratos que Cézanne fez de Hortense, que são menos sensuais do que as maçãs em suas naturezas-mortas; no entanto, querer saber mais a seu respeito é ir contra os limites da biografia – afinal, ela não deixou diários, nem agendas e, pelo que se sabe, apenas duas cartas suas sobreviveram.

Quando Cézanne fazia um retrato, não tentava reproduzir a semelhança, nem capturar a personalidade do modelo; gostava de pintar os mesmos motivos de ângulos levemente diferentes, para explorar – como dizia Jasper Johns, outro mestre das emoções contidas – o "ponto de vista rotativo". Ele, por sinal, emprestou dois desenhos a lápis feitos por Cézanne à exposição.

Os retratos de Hortense foram pintados em um período de vinte anos e ela parece diferente em cada um deles. Embora esteja sempre sentada, pode evocar uma Madonna melancólica, uma diretora de escola brava ou um garoto andrógino sem peitos. Cézanne gostava de desenhar a cabeça da mulher como uma esfera geométrica pesada com um montinho de cabelo no topo. "Pinto a cabeça como uma porta", revelou ele uma vez. Os amigos dele colocaram um apelido grosseiro nela: La Boule, que em francês significa "a bola".

Mas então quem era Marie-Hortense Fiquet, seu nome de solteira? Ela conheceu Cézanne, em Paris, no início de 1869. Aos 19 anos, vinda de uma família humilde, era encadernadora e posava para vários artistas; ele, onze anos mais velho, vivia da mesada mínima que seu pai, que era banqueiro, lhe mandava.

Na época em que se conheceram, ele já pintava há uma década. Seus primeiros trabalhos são sombrios e psicologicamente perturbadores, cheios de cenas de estupros, assassinatos e orgias.

Cézanne manteve seu relacionamento com Hortense escondido da família. Alegava que o pai, que o forçou a estudar Direito, cortaria a mesada se soubesse. E a farsa continuou, mesmo depois de Hortense ter dado à luz Paul Jr., em 1872. Cézanne passava longos períodos na casa dos pais, em Aix-en-Provence, onde nasceu; Hortense e o garoto ficavam na capital, ou iam para Aix também, mas para ficar em outra casa. Finalmente ele se casou com ela, depois de 17 anos juntos.

Hortense passou horas posando para o marido, que trabalhava devagar e, segundo diz a lenda, chegava a demorar vinte minutos entre uma pincelada e outra. Cézanne tinha 56 anos quando Ambroise Vollard finalmente lhe deu uma exposição individual. A impressão que se tem é a de que Hortense era independente e segura de si e que dava a Cézanne espaço suficiente para que desenvolvesse seu trabalho, que se tornou clássico e monumental.

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