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Região de Tyre, no Líbano, destruída por Israel em 2006:  estratégia que não conteve o Hezbollah é reprisada com o Estado Islâmico. | Tyler Hicks/NYT
Região de Tyre, no Líbano, destruída por Israel em 2006: estratégia que não conteve o Hezbollah é reprisada com o Estado Islâmico.| Foto: Tyler Hicks/NYT

Nove anos atrás, depois que o grupo militante libanês Hezbollah capturou dois soldados israelenses em um ataque arriscado do outro lado da fronteira, Israel declarou que destruiria a organização de uma vez por todas. Em vez disso, a guerra que se seguiu ofereceu um caso clássico de como um poder de fogo esmagador pode fracassar na tentativa de derrotar uma força guerrilheira determinada ou movida ideologicamente na ausência de uma estratégia coesa e bem executada – é um exemplo, afirmam analistas do Oriente Médio, para as potências que se alinham para combater o Estado Islâmico (EI).

Em 2006, Israel, contando com a força militar mais poderosa da região e sólido apoio dos Estados Unidos, arrasou quarteirões inteiros de cidades e centros de vilarejos, além de escritórios e bunkers do Hezbollah. Porém, o grupo não caiu, e logo acumulou mais poder político e militar do que nunca.

Hoje, o Estado Islâmico, tendo desenvolvido uma força de combate híbrida que combina táticas militares convencionais, habilidades guerrilheiras e ataques amplamente espalhados a civis, enfrenta uma luta igualmente assimétrica. Alinhados contra o EI, ao menos teoricamente, estão os Estados Unidos e a Rússia, os arqui-inimigos regionais Arábia Saudita e Irã, e até o Hezbollah.

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Políticos e candidatos presidenciais norte-americanos afirmam que o país está em guerra com o EI, sendo que alguns comparam o conflito a uma nova guerra mundial. Porém, mesmo quando algumas das maiores forças militares do mundo se preparam para esmagar o grupo militante, com países como Grã-Bretanha e Alemanha também entrando para a campanha, o Estado Islâmico ameaça e ataca em novos lugares – agora até na China.

“Estamos ‘em guerra’ com o terrorismo há bastante tempo agora”, declarou Andrew J. Bacevich, historiador militar e coronel reformado do Exército dos EUA, “e a guerra não está funcionando”.

A região, e, na verdade, o mundo, está cheio de provas de que em conflitos assimétricos, até mesmo as respostas militares mais poderosas podem terminar atiçando a violência e a oposição que buscam suprimir, principalmente se não houver soluções a conflitos subjacentes.

Se apenas um poder de fogo esmagador pudesse garantir o sucesso, os EUA teriam vencido a Guerra do Vietnã e saído vitorioso do Afeganistão e do Iraque. E 14 anos depois do 11 de setembro, a ameaça da Al-Qaeda pode ter desaparecido, em vez de persistir, para se transformar e reaparecer como o Estado Islâmico.

Analistas do Oriente Médio de todas as tendências – quer defendam mais, menos ou diferentes intervenções militares na região – asseguram que quando se trata do EI, o Ocidente está agindo como se não tivesse aprendido as lições do passado.

Bacevich diz que “as lições desses fracassos” são rapidamente esquecidas à medida que muitos norte-americanos sucumbem ao que ele chama de uma forma de militarismo, “preso à ilusão de que, porque temos forças militares esplêndidas, acioná-las irá pressionar as coisas a darem certo no final”.

Infelizmente, “existem poucas evidências para dar suporte a essa expectativa”.

O Estado Islâmico floresce com base na afirmativa de estar enfrentando o mundo inteiro – principalmente cristãos e xiitas, a quem considera infiéis e apóstatas – para defender um islã puro, e seus inimigos, afirmam analistas, parecem determinados em confirmar a hipótese.

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Com o grupo afirmando defender os sunitas, embora estes componham a maioria de suas vítimas, as campanhas de potências predominantemente cristãs e xiitas “podem fortalecer o EI em vez de fazer o contrário”, afirmou Imad Salamey, professor adjunto de Ciências Políticas da Universidade Americano-Libanesa, em Beirute.

Negar militarmente território ao Estado Islâmico – esvaziando suas afirmativas de construir um califado – é uma pré-condição para o progresso contra a organização, ele disse.

Para Salamey, verdadeiras incursões contra o grupo exigiriam uma solução política abrangente com “uma divisão satisfatória de poder regional sunita”.

Segundo ele, isso reduziria a insegurança entre líderes e populações sunitas, que cresceu com a deposição de Saddam Hussein e a ascensão do Irã dominado pelos xiitas, e o esmagamento de levantes populares em países de maioria sunita.

A sensação que os oponentes do Estado Islâmico parecem estar lhe dando uma vantagem, e de que a “guerra ao EI”, a exemplo da “guerra às drogas” ou a “guerra ao câncer” pode não ser vitoriosa, é compartilhada em vários espectros ideológicos.

Esse sentimento pode ser expresso por pessoas como Salamey, que defendem tentativas mais robustas para remover o presidente da Síria, Bashar Assad, cuja tentativa de usar uma força esmagadora contra combatentes sírios por uma causa, sua deposição, levou a cinco anos de insurgência, criando um terreno apropriado ao Estado Islâmico.

Contudo, a crítica também tem o apoio de analistas que se opõem a uma maior intervenção dos EUA, que localizam o problema em uma disfunção mais profunda do mundo islâmico.

“O EI é meramente um sintoma de um problema muito maior. Destruir o EI resultará na criação de uma organização similar em seu lugar, da mesma forma que o EI surgiu para tomar o lugar da Al-Qaeda no Iraque.”

Andrew J. Bacevich. professor emérito da Universidade de Boston.

Bacevich argumenta que lançar uma guerra total contra o extremismo islâmico – o que seu colega de pugilato intelectual Eliot A. Cohen defende e chama de “IV Guerra Mundial” – exigiria sacrifícios que os norte-americanos não estão dispostos a fazer e que ele considera um “suicídio coletivo”.

Mesmo assim, a vitória não está assegurada, principalmente contra o Estado Islâmico, que tenta defender tanto o território quando a ideologia religiosa, sendo uma espécie híbrida de dois tipos de grupos insurgentes resistentes.

O grupo abraça ideias abstratas, como a Al Qaeda ou grupos esquerdistas de linha-dura como as Brigadas Vermelhas que promoveram atentados a bomba na Europa na década de 1970. Entretanto, busca cooptar moradores oprimidos que se veem lutando por suas casas e território, como o Exército Republicano Irlandês e os grupos nacionalistas vietnamitas ou palestinos.

De forma mais preocupante, defende Bacevich, é que mesmo que os Estados Unidos persigam o que seria um conflito sem-fim e em expansão ao redor do mundo, sem sucesso, não existem alternativas, com a ausência de um “partido contra a guerra” e os candidatos democratas e republicanos “prometendo continuar essa guerra”.

Continuar insistindo que não existe outra escolha é irresponsabilidade e insensatez, ele disse. “Como é possível que a nação mais poderosa do mundo não tenha alternativas?”

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