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Silvia Benatti perdeu o emprego em uma fpabrica local e agora tem dificuldades em acertar as contas com o município: preocupação é que a filha fique sem o lanche da escola | ALESSANDRO GRASSANI/NYT
Silvia Benatti perdeu o emprego em uma fpabrica local e agora tem dificuldades em acertar as contas com o município: preocupação é que a filha fique sem o lanche da escola| Foto: ALESSANDRO GRASSANI/NYT

Depois da eleição no ano passado, o prefeito Filippo Errante descobriu que a cidade, que fica nos arredores de Milão, havia acumulado uma dívida “alarmante” de mais de um milhão de euros em contas pendentes com a merenda escolar. Então, decidiu colocar em prática uma política linha dura.

As crianças cujos pais estavam em dia com os pagamentos poderiam comer refeições preparadas na escola. Se os pais estivessem em dívida, as crianças ficariam sem comer. “A era da sacanagem acabou”, afirmou Errante em um post nas mídias sociais.

Algumas pessoas afirmaram que a decisão era uma espécie de chantagem. Outros criticaram a criação de um apartheid na sala de aula, onde algumas crianças tinham acesso à comida quente e outras tinham de comer lanches frios trazidos de casa.

Prefeito Filippo Errante: “se você planeja não pagar, seu filho vai ficar sem comer”ALESSANDRO GRASSANI/NYT

O resultado foi a criação de petições e protestos. Professores, diretores de escola e muitos pais saíram às ruas em apoio às crianças que não receberiam mais a merenda, mesmo que quase todos concordassem que as dívidas devem ser pagas.

Embora a decisão do prefeito tenha gerado doses iguais de divisão e solidariedade, ela ajudou a expor a difícil situação econômica de uma série de cidades italianas, em um momento em que a verba federal destinada a elas passou por cortes de quase 12 bilhões de euros desde 2011.

“Os prefeitos têm que tomar decisões que permitam que a dívida cresça ou que impeçam seu crescimento por meio de uma série de medidas”, afirmou Errante, defendendo sua decisão de cortar o acesso de quase 500 famílias à cantina da escola.

Em outras partes da Itália, os governos locais foram forçados a aumentar os impostos, uma medida que nunca é popular, ou a procurar novas formas de arrecadar dinheiro, como reduzir o número de funcionários, privatizar serviços municipais ou vender imóveis.

Desde o dia sete de janeiro, quando as medidas entraram em ação, o drama passou a fazer parte das escolas de Corsico, gerando um debate sobre a interferência da política na educação, onde a hora do almoço e as refeições são parte integral do currículo.

“As crianças estão habituadas a buscar determinados objetivos”, afirmou Gianni Alberta, membro local do Coordinamento Genitori Democratici Onlus, uma associação de pais.“É razoável que o prefeito espere que os pais paguem suas dívidas, mas as crianças são menores e não podem ser responsabilizadas. Não se pode negar alimento a elas. Existem direitos que são protegidos pela lei.”

Anita Cimino deve mais de 2 mil euros ao município, o que impede seu filho de seis anos a ter acesso á cantina da escola ALESSANDRO GRASSANI/NYT

Embora quase todos apoiem a intenção do prefeito de Corsico, o debate sobre a decisão tem sido intenso. Alguns pais reclamaram que a regra foi aplicada tanto para famílias que acumularam dívidas de quase seis mil euros, e de famílias que atrasaram um único pagamento de 13 euros.

Muitos temem que a decisão do prefeito resulte em uma humilhação pública que pode trazer consequências negativas para as crianças.“O almoço é parte da experiência escolar; não é apenas um momento de nutrição, mas de compartilhamento e trocas verbais”, afirmou Manfredo Tortoreto, diretor de um dos três distritos escolares estaduais de Corsico, reclamando que o prefeito “passou por cima da jurisdição e da competência das escolas” na tentativa de recuperar o dinheiro das dívidas.

Muitos também têm medo de que as crianças mais afetadas pela lei pertençam a famílias que, segundo Tortoreto, “são como limões que já foram totalmente espremidos pela vida”.

Alguns são filhos de estrangeiros sem permissão de ficar na Itália, outros de pais com histórico de problemas mentais. Outros ainda são filhos de pais que perderam o trabalho recentemente.

Um número ainda maior de crianças vive na pobreza, mas seus pais não pedem benefícios do serviço social com medo de que os filhos sejam levados, afirmou Claudia Pisati, diretora do distrito que inclui a Escola Básica Curiel, em um dos bairros mais pobres de Corsico. “Para algumas crianças, essa é a refeição mais saudável do dia – se não for a única –, por isso ela é tão importante”, afirmou a respeito do programa de merenda escolar. Elas já estão em situações complicadas, acrescentou. “Temos de encorajar políticas inclusivas, não o contrário”, afirmou.

Apesar da controvérsia, Errante afirmou acreditar que a decisão da cidade valeu a pena. Em poucas semanas, centenas de famílias colocaram os pagamentos em dia, em um caso chegando a pagar 5.800 euros de uma vez.

E após os protestos iniciais, a cidade adotou um programa de pagamento parcelado que permite que as famílias paguem o que puderem, com parcelas muitas vezes de apenas 10 euros ao mês.

Até o momento, a cidade recuperou quase metade do cerca de 1,2 milhão de euros em dívidas, por meio de pagamentos a vista ou a prazo. O restante das dívidas abertas pertence a famílias cujos filhos já chegaram à segunda parte do ensino fundamental e a cidade promete tomar medidas específicas para esses casos, inclusive fazer descontos em folha de pagamento ou apreender o carro dos pais.

O prefeito disse que criaria um fundo para ajudar as famílias mais necessitadas, mas também falou que a o acesso à cantina será cortado para as famílias que deixarem de pagar as contas no futuro. “A segunda fase começa em fevereiro. Se você planeja não pagar, seu filho vai ficar sem comer.”

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