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Em Serra Leoa, sobreviventes do ebola ainda sofrem discriminação | Tara Todras-Whitehill/The New York Times
Em Serra Leoa, sobreviventes do ebola ainda sofrem discriminação| Foto: Tara Todras-Whitehill/The New York Times

Erison Turay fez uma preleção aos seus colegas de equipe antes da disputa de seu primeiro jogo. “Não pareçam felizes”, disse ele ao grupo que o ouvia de pé, vestindo camisetas pretas com os dizeres “Eu sobrevivi ao ebola” em letras vermelhas e brancas. “Precisamos ser sérios. Precisamos jogar como forma de lembrar os que não estão aqui.”

Mas, ao entrar em campo, cercado por centenas de torcedores e curiosos, Turay não teve como não sorrir. Meses atrás, as pessoas mudariam de calçada ao ver esse grupo se aproximando, pois temeriam chegar perto de qualquer sobrevivente do ebola. Agora, eles estavam sendo calorosamente acolhidos em um campo de futebol para disputar sua partida de estreia.

Turay é um dos 16 mil sobreviventes da epidemia de ebola que varreu toda a África Ocidental no ano passado. A maioria dos sobreviventes foi abandonada, com pouca noção de como encarar um mundo repentinamente hostil, em que até seus parentes evitavam recebê-los. Então, pensou Turay, qual seria a única coisa que poderia unir a todos?

Assim surgiu o Kenema Ebola Survivors Football Club —KES FC—, equipe de futebol formada apenas por sobreviventes da doença, sob a liderança de Turay.

Já faz mais de um ano que o surto de ebola passou do seu auge. Kenema, a terceira maior cidade de Serra Leoa, voltou praticamente ao normal à medida que o número de novos casos foi diminuindo, até se aproximar do zero. Apesar da temível reputação do ebola, quase 60% das pessoas infectadas se recuperaram.

No entanto, à medida que a doença perde força, os problemas para os sobreviventes se agravam. Eles estão sendo isolados e estigmatizados por causa da doença que quase os matou. Ao longo do último ano, muitos sobreviventes relataram que foram expulsos das suas casas e de lugares públicos.

Os sobreviventes do ebola raramente espalham a doença meses depois de ficarem curados. Exceto por vestígios encontrados no sêmen e traços não contagiosos dentro do olho, os pacientes deixam de apresentar riscos às pessoas ao seu redor depois que são declarados livres do vírus. Mais de um ano após o início da epidemia, no entanto, muita gente ainda não entendeu isso. “Quando você entra em uma loja, dizem: ‘Aquele ali é um sobrevivente. Não deixem que ele entre aqui’”, contou Turay. “Isso me faz sentir como se eu tivesse ebola de novo.”

Ao formar um time, ele esperava contra-atacar. “Nós nos reunimos num grupo para dizer aos outros que não há nada que eles possam fazer que nós não possamos.”

Turay, 23, é muito conhecido em Kenema. Apesar de muita gente ter adoecido nesta pequena cidade, poucos enfrentaram tamanha tragédia quanto ele e sua unida família. Ao todo, 38 parentes morreram de ebola. Só sobraram Turay e sua mãe.

Em agosto do ano passado, ele estava na faculdade em Freetown, a capital, quando recebeu um telefonema do seu pai. “Ele falou: ‘Você precisa vir para casa. Estamos todos doentes’”.

De moto, ele começou a levar os parentes enfermos para o hospital. Logo depois, também adoeceu. Após semanas de tratamento, Turay foi declarado curado e teve alta. Ao chegar em casa, descobriu que mais da metade da sua família havia morrido.

Seu pai, Abu Bakar Turay, era um ancião tido como sábio em Kenema. Quando ele morreu, Turay, o filho, não tinha certeza de como iria se virar. Mas agora ele acha que já sabe. “Se estamos jogando futebol”, disse, “podemos esquecer o passado”.

Em dezembro, quando o surto de ebola começou a dar trégua, Turay teve a ideia de jogar futebol com os sobreviventes.

Em abril, com a ajuda de agentes humanitários estrangeiros que vivem em Kenema, o KES FC já tinha um site, uma página no Facebook, identificações plastificadas para todos os jogadores e jogos de primeiro e segundo uniforme —grandes feitos para uma região tão remota e subdesenvolvida deste país.

Em maio, o KES FC disputou sua primeira partida, contra os Ebola Fighters (“lutadores do ebola”), time formado por enfermeiros, motoristas de ambulância e outros profissionais sanitários que meses antes haviam cuidado dos agora adversários.

A preliminar foi entre as mulheres. Usando camisas feitas à mão e chuteiras de plástico, as jogadoras se cumprimentaram com toques de mãos antes da partida, algo impensável meses antes. Após 45 minutos de jogo, as Survivors derrotaram as Fighters por 2 x 0.

Aí começou a partida masculina. O jogo foi um pouco descoordenado, e os Fighters abriram o placar logo no começo do primeiro tempo. “Bom, eles não tiveram ebola”, disse Turay, gargalhando.

No segundo tempo, as coisas só pioram, e os Survivors levaram uma goleada: 5 x 0. Apesar disso, saíram de campo sorridentes e acenando para a torcida, que a essa altura já reunia quase 500 pessoas. Aí, para sua surpresa, os adversários e torcedores correram na direção dos jogadores sobreviventes.

Todos gritavam de alegria e trocavam tapinhas nas costas, sem medo de um toque ou abraço. “Eles são nossos irmãos!”, gritou um jogador, envolvendo Turay com o braço.

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