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A história sombria começa com um violinista apaixonado por um estudante e termina com chantagem e suicídio. Entre um e outro, há visitas a bares e bordéis, brigas em casas elegantes, extorsão e uma participação especial de Oscar Wilde. Pela descrição, parece um projeto independente vagamente experimental, mas, na realidade, o filme "Diferente dos Outros" era mudo e estreou em meados de 1919 com cinemas lotados da Alemanha.

Entretanto, da mesma forma que parte do público e vários críticos o receberem bem, houve quem o achasse indecente e impossível de assistir. Em algumas sessões houve vaias; em outras, repúdio em massa e abandono. O problema não estava só no fato de que o par romântico central era formado por dois homens, mas na audácia de alegar que a homofobia, e não a homossexualidade, é que era a escória da sociedade. No ano seguinte, a censura proibiu sua exibição no país inteiro porque "poderia pôr em risco a segurança pública" ou "fazer com que jovens impressionáveis virassem gays". Depois, os nazistas destruíram todas as cópias que encontraram.

Todo e qualquer traço dessa obra poderia ter se perdido se não fosse pelo Dr. Magnus Hirschfeld, que, além de participar do filme no papel dele próprio, foi um dos roteiristas e sexólogo consultor. Em 1927, Hirschfeld retirou 40 minutos do filme original, alterou a ordem das cenas e as inseriu em seu próprio longa, "Gesetze der Liebe" ("Leis do Amor"). Pioneiro na abordagem de temas como hermafroditismo e relações sexuais no mundo animal, o filme conseguiu chegar à Rússia pouco depois.

Há dois anos, o Arquivo de Cinema & TV da Universidade da Califórnia em Los Angeles comprou um interpositivo master (cópia usada para criar negativos extras) de imagens do filme do Arquivo de Cinema Russo e, desde então, vem trabalhando nela com o objetivo de criar uma versão assistível dos tais 40 minutos que seja fiel à história original e compreensível para o público contemporâneo.

Embora algumas versões alemãs tenham sido lançadas em vídeo, essa restauração deve ser a mais completa até agora.

O elenco do filme mudo, dirigido por Richard Oswald, incluía dois atores que começavam a despontar: Conrad Veidt, que mais tarde participaria de "O Gabinete do Dr. Caligari" e "Casablanca", e Reinhold Schunzel, o conspirador nazista do suspense "Interlúdio", que Alfred Hitchcock fez em 1946.

Mesmo com cenas (e, em alguns casos, até personagens) faltando, "Diferente" conta uma história fascinante: o filme abre com um violinista, Paul Korner (Veidt), cortejando seu jovem aluno, Kurt Sivers (interpretado pelo não tão jovem Fritz Schulz). O vilão Franz Bollek (Schunzel) vê os dois juntos e chantageia Korner, ameaçando revelar tudo à polícia e aos amigos dele. Em meio a tudo isso, Hirschfeld faz um discurso longo e apaixonado em defesa da homossexualidade. Através de flashbacks, descobrimos que Korner foi expulso da escola por se apaixonar por um colega e que uma vez tentou "curar" a homossexualidade com a ajuda de um médico hipnotizador. No fim, desmascarado para a família e abandonado pelos amigos, acaba ingerindo veneno. Sivers, seu amante, dedica a vida a combater o Parágrafo 175, estatuto que estipula a homossexualidade como crime na Alemanha.

"O filme está pelo menos uns 50 anos à frente de seu tempo", afirma Jan-Christopher Horak, diretor do arquivo da UCLA, "pois não encara a homossexualidade como doença ou desvio, mas sim uma expressão diferente da sexualidade humana. É o tipo da teoria que só surgiu neste país nos anos 70 e 80".

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