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Clipso Martínez, que se recupera da cirurgia na perna, disse ter sido baleado por um soldado durante um protesto | Meridith Kohut/The New York Times
Clipso Martínez, que se recupera da cirurgia na perna, disse ter sido baleado por um soldado durante um protesto| Foto: Meridith Kohut/The New York Times

Clipso Martínez foi baleado tão de perto por um soldado em um protesto que seu cirurgião teve de remover pedaços da cápsula de plástico da bala alojados em sua perna, assim como os pedaços das chaves que estavam em seu bolso.

Jorchual Gregory foi detido com mais dez pessoas. Todos relataram que por mais de três dias levaram chutes, surras com pistolas, coronhas de revólver e capacetes, jatos de spray de pimenta.

"Eles queriam amedrontar as pessoas para que elas desistissem de ficar nas ruas", disse Gregory, 19. "Mas isso só gerou mais protestos e mais mortes."

Há mais de dois meses a Venezuela é palco de protestos violentos que, segundo o presidente Nicolás Maduro, visam derrubá-lo.

Ele responsabiliza a oposição pela violência que, conforme afirma o governo, já custou mais de 40 vidas, incluindo as de manifestantes, transeuntes e seis soldados da Guarda Nacional.

Até recentemente, a maioria dos países da região apoiava Maduro ou o aconselhava gentilmente a agir com moderação. Mas esse apoio está diminuindo.

Graças à insistência de diplomatas do Brasil, da Colômbia e do Equador, governo e oposição concordaram em criar uma comissão da verdade para investigar as denúncias de abusos de direitos humanos.

Maduro disse que "um número ínfimo de membros das forças de segurança" havia sido "acusado de agir com violência" e preso.

Mesmo assim, as alegações continuaram aumentando, sobretudo contra os militares da Guarda Nacional, que estão na linha de frente da reação aos protestos.

Em Valencia, terceira maior cidade da Venezuela, um caso chamou a atenção pública. Em 19 de fevereiro, a estudante Geraldín Moreno estava diante do edifício onde mora, batendo uma panela em protesto, quando chegaram soldados em motos, segundo seu pai, Saúl Moreno.

Ao tentar correr para dentro do edifício, ela caiu. Testemunhas relataram que um soldado desceu da motocicleta, apontou sua arma para a cabeça da jovem e atirou.

O projétil atravessou sua cavidade ocular e foi parar no cérebro, disse seu pai. Ela morreu em 22 de fevereiro, oito dias antes de completar 24 anos. "Minha dor jamais passará", afirmou Moreno.

Gregory, que foi detido com mais dez pessoas, tinha ido a um protesto aqui em 13 de fevereiro com seus amigos Juan Carrasco, 21, e Jorge León, 25. Porém, ao ver soldados atacando com tiros e gás lacrimogênio, eles correram de volta para o carro de León.

Segundo os rapazes, soldados cercaram o carro, quebraram as janelas e jogaram uma lata de gás lacrimogênio no interior do veículo. Gregory disse que estava sentado no banco de passageiro quando um soldado atirou contra ele à queima-roupa.

Os rapazes contaram que foram arrancados do carro e espancados. Depois os soldados incendiaram o carro de León. Um dos detidos, Oswaldo Torres, 25, vendedor em uma loja de peças automotivas, disse que os soldados o chutaram repetidamente.

Segundo os rapazes, eles foram algemados juntos, ameaçados com um cão bravo, obrigados a ficar agachados por longos períodos, borrifados com spray de pimenta e espancados.

O Fórum Penal Venezuelano, uma ONG composta por advogados, diz ter documentado 70 casos de abusos. "Esses excessos são constantes e sistemáticos", disse Gonzalo Himiob, diretor da ONG.

Em San Antonio de los Altos, nos arredores de Caracas, Luis Gutiérrez, 26, disse que ele e outras pessoas foram encurralados em um estacionamento.

Os soldados mandaram que se deitassem e os chutaram diversas vezes. Gutiérrez disse que chutaram seu rosto. Posteriormente, cirurgiões usaram parafusos e placas de metal para reparar seus ossos faciais.

A Promotoria Pública disse estar investigando 145 alegações de abuso e que 17 soldados estão na cadeia. Mas esse número se manteve inalterado por mais de um mês e incluía apenas um membro da Guarda Nacional.

O soldado que deu o tiro fatal em Moreno não foi preso, disse Rafael Ramírez, advogado do pai da jovem.

Martínez foi acusado de perturbar a ordem pública.

"Foi fácil para eles me colocarem em prisão domiciliar alegando que há muitas acusações contra mim", disse ele. "Mas nunca disseram ‘Vamos achar o soldado que atirou em você’."

Contribuíram Catalina Lobo-Guerrero e María Eugenia Díaz

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