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O Vale de Guadalupe foi aberto ao desenvol­vimento imobiliário, embora cientistas afirmem que a região não possa sustentá-lo. Natalia Badán cresceu numa fazenda local onde se produz vinho | Max Whittaker/The New York Times
O Vale de Guadalupe foi aberto ao desenvol­vimento imobiliário, embora cientistas afirmem que a região não possa sustentá-lo. Natalia Badán cresceu numa fazenda local onde se produz vinho| Foto: Max Whittaker/The New York Times

Quando Hugo D’Acosta, 55 anos, e 60 de seus vizinhos chegaram à câmara municipal de Ensenada depois de ficarem sabendo que uma votação noturna abriria sua amada região vinícola à habitação e a campos de golfe, eles tiveram de gritar para entrar.

Porém, não adiantou. No andar de cima, os vereadores rapidamente aprovaram o desenvolvimento imobiliário no coração agrícola do noroeste mexicano, o Vale de Guadalupe, apesar da furiosa oposição de quem passou décadas fazendo dele um destino internacional para quem busca vinho, comida e tranquilidade.

"Isso vai destruir tudo", disse D’Acosta, um dos principais vinicultores do vale. "Nós podemos botar uvas de plástico para ficar bonito, mas é só isso."

Os vereadores afirmam que as novas regras de zoneamento vão preservar o vale e aumentar o valor das propriedades, disseminando os benefícios de uma expansão. Porém, as novas normas subvertem o plano regional aprovado pelo Estado que deveriam regulamentar, permitindo uma densidade habitacional até dez vezes maior e, ao mesmo tempo, enfraquecendo a fiscalização. Cientistas independentes afirmam que o vale árido simplesmente não tem condições de sustentar o desenvolvimento intensificado, criando o que muitos aqui classificam como uma ameaça a um tesouro nacional e um teste vital à jovem democracia mexicana.

O Vale de Guadalupe é a Toscana do México. A grande maioria dos vinhos mexicanos cada vez mais populares vem de vinhedos ao longo de um trecho de terra de 22 quilômetros com dias quentes e noites frias, cobiçado pelos vinicultores. Nos últimos cinco anos, dezenas das novas vinícolas, em conjunto com pequenos hotéis e restaurantes, surgiram nas montanhas íngremes. Mesmo assim, a maioria das estradas é de terra e as noites, iluminadas pelas estrelas fugidias.

Para os críticos, as novas regras, válidas para toda a região vinífera ao norte da cidade de Ensenada, poderiam destruir tudo isso.

E isso poderia acontecer rapidamente. Carlos Lagos, empreendedor imobiliário com laços próximos a autoridades de Ensenada, anunciou planos para um empreendimento de 400 hectares, Rancho Olivares, incluindo um campo de golfe de nove buracos, spa, piscinas e mais de 400 novas casas.

D’Acosta e muitos outros acreditam que estão lutando contra um tipo familiar de corrupção, principalmente com o governo municipal novamente controlado pelo Partido Revolucionário Institucional, que governou o México por 71 anos.

Desta vez, porém, uma coalizão de resistência sagaz começou a surgir. Em novembro, depois que os vinicultores cancelaram o popular festival da colheita em protesto, aproximadamente 300 manifestantes marcharam até a câmara municipal. No dia seguinte, autoridades estaduais, cientistas e urbanistas locais criticaram as novas normas.

"O vale deveria continuar a ser o que é agora, uma área agrícola, com vinho, comida e um lindo cenário", disse Javier Sandoval, do Instituto Municipal de Investigação e Planejamento, que orienta a prefeitura. Segundo ele, a votação representou uma ruptura na gestão e nos processos relativos à terra.

Antigos moradores e recém-chegados preferem o crescimento em menor escala. Natalia Badán, 60 anos, que cresceu numa fazenda e agora produz vinho e hortifrútis orgânicos, afirmou que o empreendimento de Lagos prejudicaria o vale inteiro. "É oportunismo", ela disse. "Eles mudaram as regras de uma forma suja e desagradável para favorecer a especulação imobiliária."

O aumento na densidade é a principal preocupação. "O desenvolvimento urbano aqui será fatal para o setor vinífero, completamente fatal", assegurou Raúl Canino Herrera, especialista em tratamento de água da Universidade Autônoma da Baixa Califórnia.

De acordo com ele, não é só uma questão de suprimento limitado de água, mas também uma questão de qualidade. "Tudo que se usa em casa – detergentes, produtos químicos – termina na água", ele explicou. "Como eles vão garantir que a água permanecerá limpa?"

Raymundo de la Mora, vereador que votou a favor das novas regras, disse que a acessibilidade à agua seria levada em consideração, sugerindo que água poderia ser trazida. Ele não negou que algumas autoridades se beneficiariam com o desenvolvimento, mas afirmou que os proprietários de terra pobres seriam os principais beneficiários porque as novas normas esclarecem o que pode ser construído. "Nós demos certeza a todo mundo", garantiu.

Moradores pobres disseram que se o desenvolvimento significar mais empregos, eles estariam a favor. Outros, como Clemente Rodriguez, 58 anos, produtor de grama que a molhava numa manhã recente, falou que as subdivisões como as planejadas por Lagos provavelmente não seriam tão ruins quanto os críticos temem.

"As pessoas que reclamam nem são daqui", ele disse. "São da França, da Inglaterra ou sei lá de onde."

Entretanto, alguns afirmaram temer que Lagos e outras pessoas possam passar por cima de qualquer um cujas necessidades não estiverem de acordo com sua visão de um vale mais povoado e impulsionado pelo setor imobiliário.

"Essa é a realidade", disse Jose Ramirez, 79 anos, produtor rural aposentado. "Se você for poderoso e vier aqui e somente houver um copo de água, você vai ficar com ele, e eu terminarei de mãos abanando."

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