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Nicolás Maduro e Vladimir Putin em encontro bilateral na Rússia, em 2018 | Distribuição/Assessoria de Imprensa/Presidência da Rússia
Nicolás Maduro e Vladimir Putin em encontro bilateral na Rússia, em 2018| Foto: Distribuição/Assessoria de Imprensa/Presidência da Rússia

O presidente Vladimir Putin é o perfeito líder forte que os russos amam. Apesar de enfrentar um certo nível de oposição, a autocrático comandada por ele sequer se sente incomodada. Putin é celebrado por devolver ao país a relevância perdida com a derrocada do regime soviético. Com o fim da Guerra Fria e o seguido colapso da União Soviética há quase 30 anos, o país parecia condenado a uma posição periférica nas grandes questões globais. Em 2014, o então presidente Barack Obama relativizou o poder do Kremlin ao dizer que “a Rússia é um poder regional que só ameaça alguns de seus vizinhos mais próximos – e essa não seria uma manifestação de formas, mas de debilidade”, conforme lembrou Moisés Naím em um artigo recente que me levou a ampliar este tema. 

Enquanto Obama tentava menosprezar os russos, ele possivelmente passava um atestado de que sua administração não fazia a menor ideia do que se passava na América Latina. A Rússia está no epicentro de um processo armamentista sem precedentes na região. Em 2005, sob o pretexto de se preparar para uma “iminente invasão” militar americana, o então presidente Hugo Chávez fez uma compra que deixou os militares dos países vizinhos arrepiados. Com uma canetada apenas, adquiriu 100.000 fuzis AK-103 (uma versão moderna dos lendários AK-47) para reequipar as Forças Armadas e armar grupos paramilitares organizados na órbita do Estado como forças irregulares de defesa. Não satisfeito, abriu espaço para uma fábrica de fuzis de assalto do mesmo modelo e uma outra de munições. Nos anos seguintes, viria a adquirir 51 helicópteros, 24 caças Sukhoi 30MK2, 5.000 fuzis de franco-atiradores, 1.500 lança-misseis portáteis Igla-S, 1.000 lança-foguetes antitanques, 300 canhões antiaéreos e mais de 250 blindados (incluindo 100 tanques).

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Putin armou Chávez até os dentes com um programa de financiamento digno de fazer inveja aos maiores agiotas. Empurrou bilhões de dólares em armas e estabeleceu um programa de pagamentos baseado na receita do petróleo. Lentamente, Putin foi mordendo cada vez mais da capacidade de geração de riqueza da Venezuela, sobretudo com a baixa dos preços do produto. A petroleira russa Rosneft tem abocanhado 80.000 barris de petróleo diários, 26% a mais do que ela efetivamente tem contratado. Somente a companhia alega que tem para receber 3,2 bilhões de dólares em dívidas atrasadas. Desde 2010, os russos assumiram ações da PDVSA em quatro refinarias na Alemanha; conquistaram participação acionaria em cinco subsidiárias da estatal venezuelana de petróleo e abocanharam uma série de campos de exploração de petróleo.

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Em 2011, quando o câncer de Chávez havia reincidido depois de uma cirurgia fracassada em Cuba, Putin assumiu o comando do tratamento do importante aliado e credor sul-americano, conforme conto no meu livro “Hugo Chávez, o espectro” (Vestígio, 2018). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a definir o impacto do presidente venezuelano fora do poder como o da queda do Muro de Berlim. Para Putin, este sim seria o efeito. Uma junta médica liderada por russos tentou consertar a barbeiragem dos cubanos, mas o câncer do líder venezuelano já havia se alastrado. Chávez morreu em março de 2013 e a Rússia manteve firme a sua relação com o Palácio de Miraflores. 

Já com Nicolás Maduro no poder, o russo Vladimir Putin conquistou o controle de áreas de exploração de ouro, no chamado “Arco Mineiro”. Recentemente enviou à América do Sul um Boeing 777 para uma operação que foi identificada como sendo de retirada de 20 toneladas de ouro da Venezuela. Meses antes, enviou bombardeiros nucleares para exercícios militares em conjunto com as Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela. Na semana, depois das sanções impostas pelos Estados Unidos à PDVSA, Maduro transferiu as contas da companhia para instituições financeiras russas. Recentemente, descobriu-se que o Brasil vinha pagando a conta da energia elétrica fornecida pela Venezuela para o abastecimento do Estado de Roraima em uma triangulação que envolvia um banco russo. Sinais de um mimetismo entre os dois governos que tem se tornado cada vez mais complexo de identificar.

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Mais que dinheiro, Putin deu uma resposta a Barack Obama. Conquistou a Venezuela e hoje é o maior empecilho aos planos de redemocratização do país destroçado por uma crise econômica e política. Movidos pela esperança, muitos opositores Rússia acreditam que o diálogo como Moscou se passa apenas pelo poder adquirido na América Latina. Maduro tem dado sinais que não pretende ceder. Putin manda recados constantes que não está disposto a perder o poder de influência construído nos últimos quinze anos. 

A Venezuela foi é a porta da Rússia na América Latina. Depois de colocar no bolso Chávez e depois Nicolás Maduro, Putin lançou uma ofensiva na região. Com a ajuda da Odebrecht – que fez um lobby ferrenho para os parceiros em uma de suas subsidiárias voltadas para área de defesa – quase conseguiu que o Brasil comprasse sistemas de defesa antiaérea do modelo Pantsir-S I, ao custo de 2 bilhões de reais. O equipamento mais caro e inferior que os seus concorrentes foi vetado pelos militares. 

A lição já havia sido aprendida. Em 2008, o Brasil comprou helicópteros de combate MI-35. Os mesmos modelos comprados pela Venezuela de Chávez. As aeronaves chegaram no Brasil, mas enfrentam uma série de problemas devido ao precário serviço de manutenção oferecido pelos russos. Quando eclodiu o escândalo de espionagem da NSA contra governo, Putin quase conseguiu que a então presidente Dilma Rousseff comprasse caças russos para suprir a demanda da FAB. O Brasil foi salvo do mico de ter aviões que não se comunicavam com nossos sistemas de radares graças à quase “rebelião” de militares da força aérea contrários à aquisição.

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Sem conseguir fincar os pés no Brasil, os russos correram para Bolívia, onde construíram um centro de pesquisa nuclear que tem deixado alguns observadores em alerta devido ao potencial de o governo de Evo Morales quer desenvolver uma arma nuclear. No Paraguai, assinaram termos de cooperação para o inicio de estudos para construção de uma usina nuclear. Misteriosamente registrada no Rio de Janeiro como sendo uma empresa de “pesquisa de opinião”, por trás dessa fachada, a estatal russa Rosatom tem sido a promovedora da expansão nuclear da Rússia na região. 

Nicolás Maduro está cercado. Para muitos, com os dias contados à frente do governo. Mas não cometam o erro de Obama. Toda vez que o verem não se esqueçam que é para Putin que estão olhando.

*Leonardo Coutinho é jornalista especializado em América Latina e defesa. É autor do livro “Hugo Chávez, o Espectro: Como o presidente venezuelano alimentou o narcotráfico, financiou o terrorismo e promoveu a desordem global”.

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