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O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em foto de 17 de janeiro de 2019
O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em foto de 17 de janeiro de 2019| Foto: EDUARDO SOTERAS / AFP

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, recebeu o Prêmio Nobel da Paz nesta sexta-feira (11) por promover reformas democráticas e ações de pacificação na região.

Abiy recebeu o prêmio "em particular, por sua iniciativa decisiva de resolver o conflito da fronteira com a vizinha Eritreia", disse Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê Nobel, que decide quem serão os vencedores da premiação anual.

Um acordo de paz entre Abiy e o presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, encerrou formalmente um impasse militar de 20 anos que se seguiu à separação da Eritreia da Etiópia em 1993. Cerca de 100 mil pessoas foram mortas entre 1998 e 2000, quando uma disputa na fronteira se transformou em guerra.

"Os etíopes estão muito empolgados com o prêmio. A emoção é enorme em todo o país", Gemechu Bekele, jornalista e professor universitário em Adis Abeba, disse à Gazeta do Povo.

Bekele acredita que o prêmio foi um reconhecimento merecido pelo esforço do primeiro-ministro em trazer a paz para a Etiópia e o Chifre da África. "Eu acredito que esse reconhecimento dará a ele mais energia para continuar a reforma que ele começou", comentou o jornalista. "E também dará o impulso moral para forjar a paz e tornar o Chifre da África, hoje mergulhado em conflito, em um oásis de paz".

Quem é o primeiro-ministro

Abiy, um ex-oficial de inteligência de 43 anos, inaugurou uma era de esperança de paz e maiores liberdades no segundo país mais populoso da África, que há muito tempo era governado por regimes autoritários. Ao assumir o cargo em abril de 2018, Abiy iniciou a libertação de milhares de presos políticos, suspendeu as proibições a várias organizações políticas, processou ex-funcionários acusados ​​de tortura e prometeu levar a Etiópia às primeiras eleições livres e multipartidárias em 2020.

Abiy também tomou medidas ousadas para intermediar a paz nos vizinhos Sudão e no Sudão do Sul, ambos afetados por conflitos civis. Abiy liderou rodadas de negociações entre lados opostos em ambos os países, e ele buscou um papel na mediação de outros conflitos regionais, como uma disputa marítima entre os vizinhos Quênia e Somália.

A Etiópia continua sendo um dos países mais inseguros do mundo, com mais de 3 milhões de pessoas deslocadas de suas casas e mais de mil mortas em 2018, principalmente por causa de conflitos étnicos. A economia do país está perigosamente fraca e dezenas de milhares de etíopes se tornaram refugiados em busca de condições menos duras. As mudanças propostas por Abiy também são vistas por alguns na Etiópia como suscetíveis de exacerbar as tensões étnicas, e ele já sobreviveu a uma tentativa de assassinato.

O acordo de paz

O acordo de paz de Abiy com Isaias ainda não resultou em uma retomada completa dos laços normais, principalmente devido à relutância da Eritreia. O alistamento militar ainda é obrigatório na Eritreia, apesar do fim do impasse militar com a Etiópia.

"O acordo de paz descongelou as relações diplomáticas, reabriu as linhas telefônicas e permitiu algumas viagens entre os dois países", disse William Davison, analista da Etiópia do International Crisis Group. "Mas as principais disputas de fronteira não foram resolvidas, e a Eritreia permanece sem governo constitucional, então ainda não houve dividendo de paz para os cidadãos que sofrem há muito tempo".

Abiy nasceu de pais que pertenciam a diferentes grupos étnicos, o que é incomum na Etiópia. Alguns analistas dizem que os seus antecedentes tornam seus apelos à unidade mais efetivos em um país dividido politicamente em nove sub-nações semi-autônomas. Em entrevistas à mídia local, ele já falou sobre sua origem pobre e sobre crescer tendo que dormir no chão, sem eletricidade e água - ambos serviços ainda indisponíveis para grande parte da população da Etiópia.

Por que a Eritreia não ganhou o Nobel pelo acordo de paz

Notadamente, o prêmio não foi concedido ao presidente Isaias Afwerki, parceiro de Abiy nas negociações.

O presidente do comitê do Nobel reconheceu que "a paz não surge das ações apenas de uma parte". Em alguns anos, o Nobel da Paz foi concedido a várias partes pelo trabalho para encerrar um conflito.

Mas a decisão de conceder o prêmio de 2019 apenas a Abiy não foi uma surpresa. Isaias, o presidente da Eritreia, lidera uma das ditaduras militares mais repressivas do mundo; o governo dele já foi comparado ao da Coreia do Norte e acusado de possíveis crimes contra a humanidade.

E, embora ele tenha chegado a um acordo com Abiy na capital da Eritreia no ano passado para encerrar o conflito entre as duas nações, na prática o acordo permanece praticamente não implementado, e houve poucos benefícios visíveis para os eritreus.

"Acho que havia muita esperança na Eritreia", disse Laetitia Bader, pesquisadora da Human Rights Watch, "mas muito rapidamente, os eritreus viram que as coisas não estavam mudando".

"Eu diria que o pacto não trouxe desenvolvimentos positivos para o povo da Eritreia, porque a realidade vivida é a mesma mais de um ano após o acordo de paz", disse Vanessa Tsehaye, ativista da Eritreia que atua em Londres.

O conflito

O conflito entre a Eritreia e a Etiópia remonta a décadas. Depois que as potências europeias deixaram a Eritreia ocupada em 1951, a Etiópia, sem litoral, reivindicou a terra de seu vizinho costeiro, resultando em uma guerra civil que começou em 1961 e durou três décadas.

Em 1991, as forças da Eritreia ajudaram a derrubar o governo liderado pelos comunistas na Etiópia e, dois anos depois, os eritreus votaram pela independência.

No entanto, as duas nações não chegaram a um acordo para a fronteira e, em 1998, incidentes de pequena escala na cidade de Badme se transformaram em um verdadeiro conflito. Estima-se que quase 100 mil pessoas morreram e, depois que terminou, as tropas etíopes tinham o controle de Badme e de outras áreas disputadas.

Como parte de um acordo de paz mediado em Argel, em 2000, uma comissão citou documentos da era colonial para determinar que as terras ao redor de Badme faziam parte da Eritreia. Mas a Etiópia não concordou com a fronteira arbitrada e os dois lados permaneceram em impasse.

O relacionamento dos dois países era chamado de "sem guerra, sem paz", o que significava que os laços diplomáticos, comerciais e de transporte estavam cortados, e os países continuavam em pé de guerra, entrando em confronto repetidamente e apoiando grupos rebeldes rivais.

Em 5 de junho de 2018, Abiy fez um compromisso fundamental de aceitar o acordo de paz com a Eritreia e retirar as tropas etíopes do território ocupado. Dentro de semanas, Isaias respondeu dizendo que ambas as nações ansiavam pela paz.

Apenas um mês após o anúncio de Abiy em 8 de julho, o líder etíope aterrissou no aeroporto de Asmara, capital da Eritreia, onde foi recebido por Isaias. Os líderes se abraçaram e mais tarde anunciaram que reabririam as embaixadas, permitiriam comunicações diretas e restaurariam as ligações de transporte.

"O amor é maior que as armas modernas, como tanques e mísseis", disse Abiy. "O amor pode conquistar corações, e vimos muito disso hoje aqui em Asmara."

Apesar dos sinais de boa vontade, críticos dizem que nada mudou de fato entre as duas nações. Entre as comunidades dos que deixaram a Eritreia, muitos expressaram desaprovação ao Prêmio Nobel da Paz por se concentrar no acordo com a Eritreia quando tão pouco havia mudado na prática.

"Eu não sabia que alguém podia ganhar um prêmio de paz sem alcançar a paz!", Selam Kidane, ativista em Londres, escreveu no Twitter.

As passagens na fronteira entre Etiópia e Eritreia foram abertas no ano passado, mas a Eritreia logo fechou a fronteira novamente. Analistas suspeitam que a Eritreia, que tem controle praticamente completo sobre seus cidadãos, está protelando devido a temores de reformas mais amplas.

Isaias, um ex-combatente, lidera o país desde 1993, e seu governo não deixou espaço para oposição. Em 2015, a ONU divulgou os resultados de uma investigação de um ano sobre direitos humanos no país, constatando "violações sistemáticas, generalizadas e graves dos direitos humanos", incluindo assassinatos extrajudiciais, tortura e trabalho forçado.

Abiy é o terceiro chefe de governo da África a ganhar o Prêmio Nobel da Paz durante o mandato, depois de Ellen Johnson-Sirleaf, da Libéria, e F.W. de Klerk, da África do Sul, que venceu em conjunto com Nelson Mandela em 1993, quando a África do Sul saiu da era do apartheid.

No ano passado, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido em conjunto a Denis Mukwege, 64 anos, médico congolês que tratou milhares de mulheres que foram estupradas ou agredidas sexualmente como resultado de conflitos, e Nadia Murad, 26, que defendeu o apoio às mulheres Yazidi capturadas e mantidas como escravas sexuais nas mãos do Estado Islâmico.

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