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Foto aérea de um bairro de Paradise após o incêndio Camp Fire, em 15 de novembro | JOSH EDELSON/AFP
Foto aérea de um bairro de Paradise após o incêndio Camp Fire, em 15 de novembro| Foto: JOSH EDELSON/AFP

Wendy Bailey, viúva e mãe aposentada, estava curvada sobre uma banheira carbonizada, cercada por cinzas, procurando por qualquer vestígio de restos humanos.

Foi seu segundo dia em busca de vítimas do feroz incêndio que destruiu Paradise, cidade de cerca de 26 mil moradores, na semana passada –um esforço que as autoridades afirmam ser a maior operação de busca na história da Califórnia. 

Quando Bailey passou os dedos pelos escombros, em uma área onde todas as casas haviam sido engolidas pelas chamas, ela começou a perceber o tamanho da tarefa que ela e centenas de voluntários enfrentavam. 

Aquele pedaço de vidro carbonizado. É um dente? O pedaço de reboque do tamanho de uma unha. É um osso? 

"Nunca tivemos nada dessa magnitude", disse Bailey, 58 anos, cuja equipe encontrou os restos mortais de duas vítimas no dia anterior. "Eu tinha visto corpos queimados antes, mas nunca desintegrados. Geralmente não é assim". 

Uma semana após o Fire Camp ter começado, no norte da Califórnia, o número de mortos do mais violento incêndio florestal do estado em sua história continua a crescer. Pelo menos 63 pessoas morreram no incêndio, segundo as autoridades. Mas as equipes de busca continuam analisando cerca de 10 mil estruturas destruídas por sinais das pessoas que continuam desaparecidas, uma lista de nomes em constante mudança que nesta sexta-feira aumentou dramaticamente de 130 para 631 – grande parte deles é idosa.

"Você tem que entender, esta é uma lista dinâmica", disse o delegado do condado de Butte, Kory L. Honea. "Alguns dias podem ser menos pessoas, alguns dias podem ser mais pessoas, mas minha esperança no final do dia, nós encontraremos todos." 

Ele também informou que alguns restos mortais podem nunca ser recuperados. 

Operação de busca

Equpe de bsuca com cão farejador procuram por restos mortais na área de ParadiseRicky Carioti/Washington Post

Com a comunidade ainda em cinzas, autoridades da Califórnia estão se apoiando em voluntários como Bailey para o que está sendo chamado de “a maior missão de recuperação de corpos na história do estado” – e uma das maiores nos Estados Unidos desde os ataques terroristas de 11 de setembro. 

Depois que Honea fez um apelo em todo o estado por ajuda no início desta semana, mais de 450 membros das equipes de busca e resgate da Califórnia foram à região para oferecer ajuda. Eles representam quase todos os 58 condados da Califórnia, destacando a eficácia de uma lei estadual que determina que cada delegado do condado mantenha equipes voluntárias de busca e resgate. 

Os voluntários têm idades diferentes, há tanto homens quanto mulheres. 

Bailey faz parte de uma equipe de busca há oito anos, como voluntária. Sua unidade, baseada no condado de Kern, sul da Califórnia, geralmente responde a resgates no rio Kern ou de pessoas perdidas em trilhas nas montanhas mais baixas de Sierra Nevada, mas foi chamada para outras áreas com desastres em grande escala. 

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Mesmo na Califórnia, onde o conceito de busca e resgate remonta aos esforços para resgatar colonos que desapareceram ao cruzar as montanhas de Sierra Nevada em 1800, a escala da resposta do Camp Fire está testando os socorristas. À medida que o número de desastres no estado continua aumentando, autoridades de emergência estaduais dizem que as comunidades daqui e de todo o país precisam intensificar os exercícios e treinar como usar efetivamente equipes de busca e resgate em desastres naturais e outros eventos de mortes em massa. 

"Cada incêndio parece ser muito mais intenso, e também a expectativa do público, das famílias e das agências é que podemos realizar várias tarefas que são muito desafiadoras", disse Ben Ho, que coordena equipes de cães farejadores de cadáveres para o Escritório de Serviços de Emergência do Governador da Califórnia. "Isso é assustador – tanto fisicamente quanto mentalmente".

Muitos dos que responderam ao incêndio em Paradise dizem que ficaram chocados com a devastação em que agora precisam trabalhar. 

David Freeman, pesquisador voluntário do Condado de El Dorado, perto de Sacramento, comparou sua tarefa a trabalhar na lua.  

"Nem parece real", disse Freeman, 75 anos. "Basicamente, procuramos qualquer coisa que pareça ser um corpo, mas o fogo estava tão quente que pode não haver muita coisa lá". 

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Todas as manhãs, os voluntários são divididos em equipes de oito a dez pessoas. Se encontrarem suspeitas de restos humanos, os voluntários têm acesso a antropólogos que ajudam a diferenciar os restos humanos dos animais. Equipes de legistas são responsáveis pela remoção dos corpos. 

Na quarta-feira, a equipe de Bailey descobriu metade de um crânio humano e vários fragmentos de ossos, aproximadamente do tamanho de uma junta, segundo ela contou. 

Mas Honea, que também é legista do condado de Butte, tem alertado a comunidade afetada pelo sofrimento de que algumas vítimas podem não ser encontradas. O incêndio estava tão quente que, segundo ele, "é possível que alguns restos tenham sido completamente consumidos pelo fogo". 

"Continuaremos nossa busca, mas em algum momento, finalmente, com a passagem do tempo e das evidências circunstanciais, levaremos à conclusão de que eles faleceram", disse Honea. 

Dificuldades

A escala do desastre está impondo problemas até mesmo para os cães farejadores de cadáveres. Embora eles sejam treinados para farejar restos humanos, mesmo aqueles que foram gravemente queimados, autoridades de segurança pública dizem que os cães estão enfrentando desafios em terrenos acidentados, que, muitos temem, possam ser tóxicos. 

"Não podemos colocar botinhas nas patas porque é como um alpinista com luvas", disse Ho. "Você não pode colocar máscaras neles, porque eles precisam de seus narizes". 

Morador de Paradise caminha pelos escombros de sua antiga casa em Paradise, CalifórniaJAVIER TOVAR/AFP

Yerania Molina, voluntária de busca e resgate do condado de Kern, disse que não tem certeza de que os treinamentos possam ter preparado os socorristas para o que eles estão encontrando em Paradise. 

Molina, 37, tem um emprego em tempo integral como especialista em tecnologia da informação. Desde que se juntou à equipe de resgate do condado de Kern há três anos, ela ajudou a recuperar nove corpos, a maioria no rio Kern. 

Nesta quinta-feira, enquanto se preparava para sua tarefa diária, Molina contou que ela e seus companheiros de equipe pensam em seus trabalhos com uma mistura de adrenalina e ansiedade. 

"Você espera que não encontre ninguém hoje porque não quer mais mortes", disse Molina. "Mas você também sabe que você tem que encontrá-los porque você sabe que eles estão por aí".

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