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Um afegão vende bandeiras do Talibã e retratos do Comandante Supremo talibã Mullah Haibatullah Akhunzada em Cabul, Afeganistão
Um afegão vende bandeiras do Talibã e retratos do Comandante Supremo talibã Mullah Haibatullah Akhunzada em Cabul, Afeganistão| Foto: EFE/EPA/STRINGER

Se você leu a infinidade de reportagens sobre o colapso do Afeganistão, sabe que há muitos inimigos a quem culpar, desde a corrupção, a liderança incompetente, até os 20 anos de avaliações otimistas de nossa própria instituição de defesa. Para mim, houve um único dia em que o Afeganistão morreu, e foi em 16 de junho de 2021.

Passei toda a minha vida adulta estudando insurgência e terrorismo, às vezes com livros e pesquisas, outras vezes com o cano de uma arma, e por causa disso, aprendi a verdade máxima de Napoleão: na guerra, o moral está para o físico na proporção de três para um.

A insurgência como forma de guerra é baseada na fé e na crença de que alguém vai vencer. Por que outro motivo um camponês pegaria um rifle e lutaria contra um governo entrincheirado com toda aquela capacidade física contra ele, se não pela crença de que ele ou ela acabaria por vencer? É a única forma de guerra em que a percepção pode realmente se tornar realidade – e foi exatamente isso o que aconteceu no Afeganistão em 16 de junho de 2021.

Os Comandos do Afeganistão são a única força do Exército Nacional do Afeganistão (ENA) que realmente luta e vence. Eles têm feito isso desde que começamos a construí-los, primeiro com a CIA, depois com nossas próprias Forças Especiais. Eles eram conhecidos como a única força que não tinha afiliação tribal e eram a única força no país que lutaria pelo estado do Afeganistão, independentemente do terreno humano. E eles eram muito bons. A certa altura, no final, eles estavam conduzindo mais de 90% de todas as ações de combate dentro do país – extenuados ao máximo, mas obtendo sucesso com o apoio dos Estados Unidos.

E então nós retiramos o suporte.

Havia um plano nacional para o uso do Comando, que, resumidamente, era o de inseri-lo e eliminar a influência do Talibã para, em seguida, ser substituído por componentes regulares do ENA que manteriam a área segura e fora do controle do Talibã. Neste plano, eles estavam tendo muito sucesso. Naquele dia fatídico de junho, tudo mudou.

Os Comandos atacaram uma aldeia chamada Dawlat Abad e derrotaram o Talibã. Eles convocaram o ENA para assumir o controle, e o ENA recusou-se a entrar, com medo do Talibã. O Talibã se reagrupou e cercou a aldeia, atacando-a com morteiros e conduzindo um cerco, até que o pequeno contingente de Comandos não teve mais alternativa a não ser se render. Pedidos de apoio aéreo não foram atendidos, porque os Estados Unidos retiraram a função de manutenção justo da aeronave que teria respondido. Não havia ajuda chegando.

Vinte e dois comandos se renderam ao Talibã. Todos os 22 foram executados sumariamente – em vídeo. Um dos homens mortos era um soldado chamado Sohrab Azimi. Ele era filho de um general da ENA, formado nos Estados Unidos e noivo de uma cidadã americana. Ele poderia ter feito qualquer coisa com sua vida, mas escolheu liderar os Comandos. Ele era um dos melhores e mais brilhantes do Afeganistão e foi morto na rua com uma bala na nuca porque seus apelos por apoio aéreo foram ignorados.

Ninguém deu bola para a notícia de 16 de junho nos Estados Unidos. Ninguém se importou, mas não se engane, soldados ou civis médios na hierarquia do Afeganistão, sim. Sohrab Azimi foi um herói nacional no Afeganistão. Ele era como um cruzamento entre o Capitão América e Saladino. Eu li a história e me senti horrível com a perda. Quando pensei sobre isso de forma pragmática, o único pensamento que me passou pela cabeça foi: "Este é o fim". E isso foi dois meses antes da queda de Cabul. A percepção na insurgência tem um domínio próprio. Ela se torna realidade, e quando a ação aconteceu, eu vi a realidade.

Por que qualquer soldado regular do ENA tomaria posição contra o Talibã quando os celebrados Comandos tentaram fazê-lo e foram executados sem cerimônia no meio da rua? Quando o homem que os representava como o futuro do Afeganistão morreu ajoelhado em uma poça de sangue? Apesar do fracasso dos covardes da ENA, o sinal foi enviado pela nossa falta de apoio que ninguém virá para ajudar. Se você enfrentar o Talibã, morrerá. Até mesmo seus irmãos se recusarão a ajudar.

E essa percepção começou a crescer com cada aldeia que capitulou. Ela começou a ganhar vida própria, até que se tornou uma conclusão precipitada. O general Scotty Miller, o último comandante do Afeganistão, disse isso ao sair pela porta um mês antes da queda. Em uma entrevista ao programa This Week, da ABC, ele disse "a guerra é física, mas também tem um componente psicológico ou moral. E a esperança realmente importa. E então, enquanto você observa o Talibã avançando pelo país, o que você não quer que aconteça é que as pessoas percam a esperança e acreditem que agora têm uma conclusão precipitada apresentada a eles. A guerra civil é certamente um caminho que pode ser visualizado. Isso deve ser uma preocupação para o mundo."

Naquele ponto, ele não acreditava que essa fosse uma conclusão precipitada, mas foi. Toda a esperança fora perdida. O sinal enviado pela nossa falta de apoio foi justamente a percepção que o Talibã queria: Vocês todos vão morrer. E as pessoas em posições de autoridade, tanto baixas quanto altas, levaram isso a sério. O Afeganistão acabou naquela data.

A base aérea de Bagram

O que é trágico para mim é que sustentamos o país com apenas 2.500 soldados. Por que saímos? Estrategicamente, a Base Aérea de Bagram era a única pedra no sapato de todos os países vizinhos. O atual governo americano continua falando sobre "mudar o foco" para "ameaças que importam" a fim de "sair das guerras eternas", mas dê uma olhada na localização do Afeganistão. Ao norte do Base Aérea de Bagram está a Rússia. Ao leste está a China. A oeste está o Irã. Você não poderia querer uma plataforma de projeção de força melhor para a mudança para a chamada "Grande Competição de Potências". Desistir disso é uma profecia autodestrutiva. E isso foi antes de permitirmos que o Talibã libertasse 5.000 prisioneiros terroristas de suas celas.

Cada vez que ouço as palavras "Guerra Eterna", como se isso fosse um mantra contra a luta pelos interesses dos Estados Unidos, não posso deixar de pensar na Coreia. Estamos literalmente em guerra na península coreana até hoje. Nunca assinamos um tratado de paz, mas nosso posicionamento de tropas ali estabilizou a região por cerca de 70 anos. E o custo valeu a pena. Ninguém na América se preocupa com isso, mas temos 29.000 soldados na Coreia do Sul. Então, 2.500 soldados no Afeganistão eram uma complicação?

Nossa retirada precipitada do Afeganistão não fará nada pela estabilidade na região ou pela nossa própria segurança. Além da perda estratégica de Bagram como plataforma de projeção de poder, o Talibã vai receber grupos terroristas de braços abertos. O governo americano afirma que isso não é grande coisa, porque terroristas agora estão operando em espaços não governados como Iêmen, Líbia e Somália, e lidamos com eles "de fora", mas isso é uma quimera.

Primeiro, você precisa de trabalho de inteligência para decifrar ameaças terroristas. Quem vai nos dar isso no Afeganistão? Ninguém, essa é a resposta. Porque ser visto como colaborador dos Estados Unidos é uma sentença de morte. Segundo, há uma enorme diferença entre grupos terroristas que operam em espaços não governados e grupos terroristas que operam com o apoio de um Estado. Se você questiona isso, dê uma olhada no Hezbollah em comparação à Al Qaeda agora. Um tem a capacidade – apoiado pelo Irã – de causar literalmente a queda do Estado de Israel. O outro está vivendo em uma caverna fantasiando sobre ataques futuros, esperando que a percepção deles se torne realidade.

Existem muitas razões diferentes para a queda do Afeganistão, e muitas culpas a serem atribuídas, mas o resultado final não estava predeterminado.

Até o dia 16 de junho de 2021. Quando a percepção se tornou realidade.

*Brad Taylor, tenente coronel (aposentado), serviu 21 anos da Infantaria e Forças Especiais do Exército dos EUA, incluindo oito anos no 1º Destacamento Operacional das Forças Especiais - Delta, popularmente conhecido como Força Delta. Brad escreveu 15 bestsellers do New York Times. Quando não está escrevendo, ele trabalha como consultor de segurança sobre ameaças assimétricas para várias agências.

©2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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