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Pessoas fugindo do confronto entre tropas do Estado Islâmico e das forças de segurança do Iraque, perto de Mossul, em março de 2017 | IVOR PRICKETT/NYT
Pessoas fugindo do confronto entre tropas do Estado Islâmico e das forças de segurança do Iraque, perto de Mossul, em março de 2017| Foto: IVOR PRICKETT/NYT

O Estado Islâmico está voltando em partes do Centro do Iraque apenas sete meses após o governo ter declarado vitória na guerra contra o grupo, embarcando em uma onda de sequestros, assassinatos e atentados, que levantaram temores de que um novo ciclo de insurgência esteja iniciando novamente. 

 Os ataques em pequena escala estão ocorrendo principalmente em áreas remotas que foram negligenciadas pelo governo e lembram assustadoramente o tipo de tática que caracterizou a insurgência do Estado Islâmico nos anos anteriores a 2014, quando o grupo capturou uma vasta faixa de território iraquiano e sírio. 

 Desde então, os militantes foram expulsos de todos os territórios que controlavam, menos dois bolsões na Síria, perto da fronteira com o Iraque, onde estão cercadas, de um lado, pelas forças do governo sírio, e do outro, por tropas apoiadas pelos Estados Unidos. O primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi declarou a "vitória final" sobre o Estado Islâmico em dezembro, e o presidente Donald Trump disse em Helsinque, na segunda-feira, que a batalha estava 98%, 99% completa. 

 Ressurgimento da violência

O ressurgimento da violência, em um triângulo de território esparsamente povoado que se estende pelo Centro-Norte do país, levou muitos iraquianos a questionar se a declaração da vitória foi prematura. 

 Nos últimos dois meses, dezenas de pessoas, incluindo funcionários do governo local, anciãos tribais e chefes de aldeias foram sequestrados e mortos ou resgatados por combatentes que dizem ter ligações com o Estado Islâmico. A infraestrutura de eletricidade e os oleodutos foram explodidos. Homens armados vestidos como forças de segurança e que montam postos falsos de checagem roubaram caminhões e viajantes, tornando a principal rodovia Bagdá-Kirkuk insegura por várias semanas. 

 Em um dos ataques mais sinistros, seis membros das forças de segurança iraquianas foram capturados em um dos pontos de controle falsos e forçados a aparecer em um vídeo. Ajoelhados diante da bandeira preta e branca do Estado Islâmico e ladeados por duas figuras com barbas grandes, os homens disseram que seriam mortos se o governo iraquiano não libertasse mulheres sunitas presas. Dias depois, os corpos dos homens, crivados de balas, foram encontrados na região. 

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 O vídeo mexeu com os iraquianos, despertando lembranças dos piores dos excessos do Estado Islâmico durante os anos em que governou seu autoproclamado "califado". O tráfego na rodovia Bagdá-Kirkuk praticamente parou, enquanto viajantes nervosos se abstiveram de dirigir e reservaram voos, que esgotaram semanas de antecedência. 

 "É claro que as pessoas estão nervosas. As pessoas finalmente pensaram que havia estabilidade e que podiam viajar para onde quisessem, e depois há esses ataques e esse vídeo. As pessoas estão com medo de novo", disse Imad Mahmoud, membro do Conselho Provincial de Diyala. "Os terroristas estão atacando a partir do deserto e das montanhas, onde ainda existem pequenas células do Estado Islâmico. Eles não são grandes em número, mas estão lançando ataques rápidos. Eles têm pessoas dentro das cidades que os estão ajudando." 

 Aparecimento inevitável

Era inevitável que o Estado Islâmico tentasse reaparecer depois de sua derrota esmagadora, disse Hisham al-Hashemi, um especialista em contraterrorismo iraquiano que presta consultoria para o governo. Mas, disse, "eles estão retornando mais rápido do que eu esperava. Que eles tenham retornado tão rápido é muito perigoso". 

Ele culpa a incapacidade do governo em fornecer ajuda e reconstruir uma área que foi uma das primeiras a ser libertada do controle do Estado Islâmico, e que recebeu pouco em assistência. "O governo iraquiano foi bem no lado militar, mas não em trazer estabilidade para essas áreas. É uma vantagem para o ISIS – como também é conhecido o Estado Islâmico - que o governo não implementou nenhum de seus planos". 

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 Esta última versão do Estado Islâmico está longe de ser capaz de capturar cidades inteiras ou controlar territórios, dizem analistas e oficiais militares. As forças de segurança iraquianas lançaram operações nas últimas duas semanas com o objetivo de expulsar os militantes e tem conseguido alguns êxitos. 

 O governo declarou que a rodovia Bagdá-Kirkuk está segura, e os motoristas e passageiros que viajam por ela dizem que há novos postos de controle a cada quilômetro. Uma operação, nesta semana, realizada por forças de segurança iraquianas e curdas e apoiada por ataques aéreos americanos, conseguiu erradicar um refúgio do Estado Islâmico que surgira em montanhas perto da cidade de Makhmour (Norte do Iraque), disseram os militares norte-americanos em um comunicado. 

 Persistência dos ataques

Mas os ataques persistem em áreas longe das investidas das forças de segurança e não está claro se o governo está revertendo o ímpeto do grupo terrorista. A atenção do governo está sendo desviada por uma crise política em Bagdá, onde as negociações para a formação de um novo governo após as eleições fraudulentas em maio estão atrasadas por causa da recontagem dos votos e pelo surgimento de protestos generalizados contra o governo nas províncias maioritariamente xiitas do sul. 

As forças de segurança iraquianas estão, atualmente, em melhores condições para conter a violência do que em 2014, quando divisões inteiras fugiram do avanço do Estado Islâmico, disse o coronel Sean Ryan, porta-voz militar dos EUA em Bagdá. "O Estado Islâmico está simplesmente fazendo ataques em pequena escala porque não têm mais condições de fazê-los em grande escala", disse ele. "Mas o que eles têm é a capacidade de assustar a população. A luta ainda não acabou. É cedo demais para as pessoas baixarem a guarda.” 

Apesar de o Estado Islâmico não controlar tanto território como antes, parece ter liberdade de movimento em uma grande extensão de terreno e especialmente à noite, disse Michael Knights, analista militar do Washington Institute for Near East Policy. 

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O território em questão abrange uma área que foi brevemente ocupada pelo Estado Islâmico antes de as forças compostas principalmente por milícias xiitas varrerem e expulsarem os militantes do Estado Islâmico no final de 2014 e início de 2015. Os combates deslocaram dezenas de milhares de pessoas, a maioria das quais não retornou, deixando dezenas de aldeias despovoadas e em grande parte espalhadas por um terreno inóspito. 

Essas cidades fantasmas oferecem um ambiente perfeito para um exército guerrilheiro se reagrupar, disse Knights. As áreas ao redor incluem montanhas, florestas densas de palmeiras e redes de canais de irrigação que são inadequadas para o tipo de varredura pesada e mecanizada do exército iraquiano. 

"Não há nenhuma evidência real de que isto esteja funcionando. Há muitas evidências de que o ISIS está se recuperando", disse ele. 

"Era muito previsível que os membros do ISIS reiniciassem suas atividades com mais força nestas áreas. Estes são os espaços não controlados mais difíceis para as forças de segurança iraquianas guarnecerem, e é também o lugar onde o ISIS teve mais tempo para se reagrupar", adicionou Knights. "Não podem controlar o território, mas podem controlar as estradas e podem se mover à noite." 

Forças remanescentes

Acredita-se que alguns combatentes envolvidos nos ataques recentes sejam remanescentes da força original que assumiu a área há quatro anos e se escondeu nas montanhas Hamreen (Norte do Iraque), que nunca foram totalmente liberadas, disse Hashemi. Outros são combatentes que escaparam das batalhas no ano passado no Oeste e no Centro-Norte do Iraque. Ele estima que pode haver até 2.000 combatentes operando em pequenas células nas três províncias. 

Eles parecem estar agindo de acordo com as diretrizes divulgadas em abril pelo atual porta-voz do Estado Islâmico, Abu al-Hassan al-Muhajir, no qual ele pediu que os combatentes sobreviventes do Estado Islâmico realizem ataques contra a infraestrutura econômica iraquiana e contra sunitas iraquianos que colaboram com o governo do Iraque 

 "Este é um modelo que eles mantiveram no passado e parece que eles estão avançando e ganhando força", disse Renad Mansour, do instituto de pesquisas Chatham House, com sede em Londres. "Há muita frustração sobre por que Abadi declarou vitória quando parece que ainda estão lá. Parece que a insurgência está começando de novo."

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