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Passaporte falso usado por Nicola Assisi
Passaporte falso usado por Nicola Assisi| Foto: Reprodução / OCCRP

Poucas pessoas no Brasil conheciam o nome de Nicola Assisi até segunda-feira (8), quando ele foi preso com o filho Patrick, em Praia Grande, no litoral de São Paulo, em uma operação conjunta da Polícia Federal com um núcleo de investigação de Turim. Mas na Itália ele é famoso, lembrado por uma sequência de crimes associados à mafia, por conseguir escapar da Justiça nos últimos 20 anos e também por ter feito várias cirurgias plásticas para não ser reconhecido.

Nicola Assisi nasceu em 1958 em Grimaldi, uma pequena cidade na província de Cosenza, na região da Calábria. No final da década de 1980, mudou-se para San Giusto Canavese, uma comuna italiana com 3 mil moradores na província de Turim. Constituiu família, abriu um bar em frente à igreja da vila e se aproximou do gerente de uma concessionária de carros usados, Rocco Piscioneri, um traficante que operava em nome das históricas famílias mafiosas da Calábria: Belfiore e Ursino.

Mas foi só em 1997, quando a Direção de Investigação Anti-Máfia (DIA) de Turim apurava a possível presença de narcotraficantes calabreses filiados à 'Ndrangheta na Costa del Sol, no sul da Espanha, que Nicola Assisi entrou no radar da polícia. Na primavera daquele ano, os agentes da DIA interceptaram uma conversa suspeita que partia de uma cabine telefônica sob vigilância e seguiram a trilha de um homem encarregado de ajudar "o sobrinho" a cumprir uma missão.

Na manhã de 16 de maio de 1997, descobriram que "o sobrinho" era Nicola Assisi, que tinha a tarefa de esperar por um caminhão carregado de drogas vindas da Espanha para levá-lo para um depósito considerado seguro. A DIA perseguiu o caminhão e confiscou a carga: 197 quilos de cocaína. Os nomes de Assisi e Piscioneri aparecem juntos em documentos sobre a importação de drogas da Espanha para Canavese.

Apesar da associação ao tráfico, Assisi continou atuando. Em 2002, há um ponto de virada na sua carreira criminosa, com o assassinato de Pasquale Marando. Apelidado de "a Belva", Marando foi o primeiro enviado da ‘Ndrangheta à América do Sul para fechar acordos com os cartéis colombianos, de modo a não usar intermediários e maximizar as margens de lucro. Logo, a máfia precisa achar um homem de confiança para substituí-lo. Essa figura passa a ser Nicola Assisi, que se ao longo dos anos se tornou poliglota, herdou os compradores, os contatos no exterior e o modus operandi de Belva.

Ele continuou atuando e, em 6 de novembro de 2007, foi julgado por tráfico internacional de drogas e condenado a 14 anos e 8 meses de prisão pela carga de cocaína descoberta em 1997. Mas quando a promotoria emitiu o mandado de prisão para execução da sentença, já era tarde demais: Assisi havia deixado a Itália dez dias antes. "Foi primeiro para a Espanha e depois para a América do Sul", explicou Gianni Abbate, ex-agente do DIA que na época estava caçando Assisi, em entrevista ao L' Espresso.

Por meio de uma densa rede de contatos, incluindo os produtores colombianos de coca e o Primeiro Comando da Capital, Assisi viajou muitas vezes para os países do "Narcosur" (Brasil, Argentina e Paraguai) deixando poucos rastros. A atividade de comprar e revender cocaína garantiu à família viagens intercontinentais, casas e carros de luxo. Foi nessa época em que Nicola Assisi começou a fazer cirurgias plásticas para tentar passar despercebido.

A movimentação de drogas

A técnica usada pelos narcotraficantes para exportar cocaína para a Europa é chamada de "rip-off": centenas de pedaços de massa prensada são colocados em contêineres embarcados em navios, sem que o agente de expedição saiba disso. Os códigos dos contêineres que contêm as mercadorias são gravados em tablets de madeira, fotografados e enviados por meio de serviços de mensagens criptografados para parceiros de negócios. Quando chegam ao destino, os "empreiteiros" contratados pela ‘Ndrangheta pegam a carga normalmente localizada perto das portas, para tornar a operação de recuperação o mais simples e rápida possível.

De acordo com fontes de um artigo de Giuseppe Legato, jornalista do jornal "La Stampa", os embarques de drogas do Peru e da Colômbia partiam de portos como Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá. Os contêineres faziam uma parada no porto de Valência e depois se fundiam com os de Gioia Tauro, na Calábria. A partir daí, a droga atravessava toda a Itália para as províncias de Turim e Milão.

Assisi estava operando na sombra até que a polícia italiana, em 20 de janeiro de 2013, ficou sabendo de um encontro em um restaurante no centro de Turim, para a apresentação de Patrick Assisi, o primogênito de Nicola. Estavam com ele expoentes de famílias da ‘Ndrangheta, como Álvaro e Aquino-Coluccio. A Guardia di Finanza - uma polícia especial da Itália - interceptou a conversa e descobriu que Nicola estava radicado no Brasil e que os filhos Patrick e Pasquale Michael Assisi conduziam os negócios na Itália. É o início da operação chamada "Pinóquio", que levou aos mandados de prisão por tráfico internacional dos dois filhos: Patrick em Santos e Pasquale em Valência. Ambos, no entanto, conseguem se safar e se escondem.

Nova prisão

Um ano depois, é a vez de Nicola Assisi ser novamente capturado. Em 27 de agosto, chega a Lisboa em um voo da TAP vindo do Brasil. Esperando no aeroporto estava a esposa Rosalia Falletta, também o contadora dos negócios da família. Nos dias anteriores, o casal havia se comunicado via chat com telefones celulares. Eles conversaram sobre suas "férias secretas". Com um software, a unidade de investigação de Turim da Guardia di Finanza consegue decifrar as conversas.

Uma pista importante foi encontrada no celular de Nicola: uma foto da orla de Fortaleza, onde, segundo as unidades de investigação italianas, Nicola viveu com seu filho Patrick durante longos anos como fugitivo. A esposa de Nicola vê seu marido acompanhado por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. O traficante viajou graças a um passaporte argentino em nome de um certo Javier Varela.

A vida de fugitivo parecia ter terminado, mas Assisi consegue obter prisão domiciliar da corte portuguesa, até a chegada do mandado de detenção europeu assinado pelo Ministério Público de Turim. O advogado dissera ao juiz português que toda a vida social do seu cliente se encontrava em Portugal, de modo que o perigo de fuga não existia. Os documentos relativos ao arrendamento de uma luxuosa moradia em Lisboa por dez mil euros por mês são apresentados como prova. Depois de obter prisão domiciliar, Nicola escapou novamente para o Brasil, mais uma vez zombando das autoridades.

Mas a operação Pinóquio continuou em solo italiano. Em 2015, em San Giusto Canavese, onde tudo começou, Rosalia é presa em decorrência de uma condenação por associação ao tráfico, juntamente com Antonio Agresta, o principal parceiro de negócios de Assisi em Piemonte. Dois anos mais tarde, a polícia capturou Pasquale Assisi. A investigação acreditava que ele também estava em Fortaleza. Em vez disso, durante anos viveu em Turim, sob o nariz dos investigadores. Seu esconderijo era uma cobertura de luxo no subúrbio de Pozzo Strada, equipado com todo tipo de conforto. Foi detido quando tentava fugir da garagem de sua nova casa e está agora na prisão cumprindo sentença de 13 anos e 10 meses.

O esquema criminoso

Entre 2014 e 2015, Nicola e Patrick Assisi teriam conseguido importar cerca de duas toneladas de cocaína da América do Sul para a Itália, recebendo uma média de 240.000 euros por pessoa para cada carregamento. Para testemunhar o poder econômico da família, foram encontrados 3,9 milhões de euros em dinheiro e 29 relógios Rolex, enterrados no jardim da mansão de San Giusto Canavese, agora apreendida em conjunto com o bar, que durante anos foi usado como laboratório ilegal de extração líquida de cocaína.

O prefeito de San Giusto Canavese, Giusi Boggio, falou à emissora italiana de televisão Rai em 2018 que Nicola Assisi era visto como um indivíduo perfeitamente integrado à vida da cidade, percebido como uma pessoa comum por seus concidadãos. Ninguém suspeitava de nada sobre ele. Nicola e sua família mantiveram-se discretos, sem ostentação.

No cadastro da Interpol e acusados de terem usados nomes falsos para escapar, Nicola e Patrick Assisi foram presos na segunda-feira (8), em uma operação conjunta Brasil-Itália, que encontrou vários tipos de armas e muito dinheiro. O processo de extradição do criminoso conhecido como “fantasma da Calábria” já começou, com a promessa da Procuradoria-Geral da República de acelerar a deportação, colocando fim na vida de luxo e fuga de Nicola Assisi.

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