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O presidente interino da Venezuela Juan Guaidó acena ao lado de sua esposa, Fabiana Rosales e de sua filha, Miranda, após sair de uma missa em Caracas, 10 de fevereiro |  FEDERICO PARRA / AFP
O presidente interino da Venezuela Juan Guaidó acena ao lado de sua esposa, Fabiana Rosales e de sua filha, Miranda, após sair de uma missa em Caracas, 10 de fevereiro| Foto:  FEDERICO PARRA / AFP

Por cerca de uma hora, parecia que a curta e brilhante carreira de Juan Guaidó havia terminado. Guaidó, um jovem líder da oposição venezuelana, estava dirigindo para um comício na região de Caracas no dia 13 de janeiro, quando alguém abriu a porta do seu Ford Explorer azul. Homens mascarados portando fuzis o agarraram, empurraram-no para uma van branca e saíram em disparada. “É um sequestro!”, diziam os defensores de Guaidó, enquanto um vídeo da captura circulava pela Internet. 

E então, misteriosamente, Guaidó foi libertado. Em todo o hemisfério houve condenação à operação – conduzida pela temida agência de inteligência do ditador Nicolás Maduro. Poucas horas depois, Guaidó estava dizendo a apoiadores que o aplaudiam: “Não temos medo!” 

“Isso começou a criar a lenda de Juan Guaidó”, disse Pedro Burelli, ativista da oposição venezuelana baseado em Washington. 

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Hoje, Guaidó, um político de 35 anos que era praticamente desconhecido no exterior dois meses atrás, é reconhecido como o presidente interino da Venezuela pela maioria dos países ocidentais. Guaidó – um discreto engenheiro e amante de beisebol eleito para o congresso em 2015 – está atendendo telefonemas do presidente Donald Trump e de outros líderes e comandando protestos em massa. Pela primeira vez desde que chegou ao poder em 2013, o governo autoritário e socialista de Maduro corre o risco de cair. 

A história da ascensão de Guaidó envolve viagens escondidas, manobras diplomáticas em Washington, Canadá e América do Sul, e meses de estratégias por ativistas venezuelanos. Mas também é a história de um líder acidental que assumiu a direção de seu partido no momento em que ela mais importava. 

Para Trump, a Venezuela tem sido uma prioridade desde sua primeira semana no cargo, quando surpreendeu sua equipe de segurança nacional pedindo uma reunião sobre o país, uma nação rica em petróleo que se aproxima do colapso econômico. “Ele queria saber o que estávamos fazendo e como poderíamos fazer mais”, lembrou Fernando Cutz, ex-membro da equipe que participou da sessão. 

Mas talvez o evento mais crucial na ascensão de Guaidó tenha sido a decisão, em 4 de janeiro, do Canadá e de uma dúzia de países latino-americanos de não reconhecer Maduro quando ele fosse empossado para um segundo mandato em 10 de janeiro. Os ministros de Relações Exteriores do bloco – em reunião na capital do Peru em um fórum conhecido como Grupo Lima – já haviam condenado as eleições venezuelanas do ano passado como fraudulentas. 

“O gatilho foi a declaração do Grupo Lima”, disse Julio Borges, influente líder da oposição venezuelana exilado na Colômbia. “Eles não reconheceram Maduro, então ficou claro que os poderes do executivo tinham que ser transferidos para a legislatura”. 

No dia seguinte, a legislatura empossou o seu novo líder: Juan Gerardo Guaidó. 

Trajetória 

A oposição da Venezuela há muito era liderada por profissionais ricos e de pele clara que dominaram a política e os negócios antes do surgimento do esquerdista Hugo Chávez no final dos anos 90. A criação de Guaidó foi mais modesta. Filho de um taxista e de uma professora, ele tem seis irmãos e meio-irmãos. Quando ele tinha 16 anos, enchentes atingiram sua cidade natal na costa caribenha, matando vários de seus amigos. “A importância da resiliência foi gravada em minha alma desde então”, escreveu recentemente no The New York Times. 

Ele estudou engenharia na Universidade Católica Andrés Bello, mas a política rapidamente emergiu como sua paixão. “Ele começou a trabalhar com ativistas estudantis, e então isso tornou sua vida”, lembrou seu irmão mais novo Gustavo. Em 2007, Juan Guaidó ajudou a liderar protestos estudantis contra o governo de Chávez. 

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Guaidó logo começou a trabalhar com Leopoldo López, um carismático ex-prefeito e líder da oposição formado em Harvard que formaria o movimento Voluntad Popular em 2009. López foi preso depois de uma acusação de incitação à violência que foi amplamente considerada como forjada, mas ele foi transferido para prisão domiciliar em 2017. 

No verão passado, apesar da presença de policiais da inteligência nos arredores de sua casa em Caracas, López iniciou uma intensa rodada de sessões de estratégia com Guaidó e ativistas da oposição, como Borges, María Corina Machado e Antonio Ledezma, usando canais criptografados. 

A estratégia deles era de se recusar a reconhecer Maduro após sua posse em 10 de janeiro. Mas os ativistas debateram se deveriam formar um conselho de transição ou fazer algo mais ousado – invocar uma cláusula constitucional para declarar o chefe do congresso dominado pela oposição como o chefe de Estado temporário. Não importando que Maduro tivesse amplamente marginalizado o congresso, conhecido como a Assembleia Nacional. “Passamos horas e dias decidindo o que fazer”, disse Borges. 

O partido Voluntad Popular, de López, assumiria a liderança do congresso no início de janeiro. Com muitos dos oficiais do partido detidos ou exilados, Guaidó foi escolhido em novembro como seu porta-estandarte. 

“O histórico discreto de Guaidó ajudou as pessoas a confiarem nele e ele também tinha um bom relacionamento com outros partidos”, disse um alto funcionário do partido, falando sob condição de anonimato por causa de sensibilidades políticas. 

De repente, os países estrangeiros notaram que a oposição, que por muito tempo disputou entre si, estava se unindo. 

“Eles estavam mandando uma mensagem para nós: ‘Vocês nos dão esse apoio internacional; e nós faremos isso acontecer’”, disse uma autoridade canadense que pediu anonimato para discutir assuntos diplomáticos. “Nós aceitamos a palavra deles”. 

Apoio internacional 

Nas capitais ocidentais e dentro da Venezuela, a frustração vinha se acumulando com a má administração, a corrupção e o estilo autoritário do governo Maduro. Em 2019, a inflação estava indo em direção aos 10 milhões por cento, alimentos e medicamentos estavam se esgotando e pelo menos 3 milhões de venezuelanos haviam fugido do país. 

Mas dentro da Venezuela, parecia não haver figura política capaz de reunir os cidadãos exasperados. 

“Tem que vir de dentro”, observou um funcionário da Casa Branca, falando sob condição de anonimato para discutir as deliberações norte-americanas. “E isso aconteceu com Guaidó”. 

Em meados de dezembro, 97% dos venezuelanos entrevistados nunca tinham ouvido falar do político magro de 1,87 metro, de acordo com a Delphos, uma empresa de pesquisas de opinião sediada em Caracas. Quatro semanas depois, quase 60% da população o apoiava. 

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Guaidó não tinha uma mensagem incomum; ele pedia eleições antecipadas, ajuda humanitária internacional e o Estado de direito. Mas diante das multidões, ele projetou determinação e informalidade otimista, respondendo a gritos de mudança com respostas como: “Sim, claro, meus queridos. Logo!” 

“Ele é um cara típico venezuelano. Ele tem pele morena, não é nem gordo nem magro demais. Ele é fisicamente atraente, assim como sua esposa, e ele tem uma filhinha adorável. A imagem é ideal”, disse Félix Seijas, diretor do Delphos. 

A detenção de Guaidó em 13 de janeiro só aumentou o reconhecimento de seu nome. O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, telefonou para o jovem político para expressar apoio. “A preocupação com sua segurança e a segurança de sua família” foi um fator importante no reconhecimento de Guaidó pelos EUA, disse um segundo funcionário da Casa Branca, que também falou sob condição de anonimato. 

O governo de Maduro diz que a detenção foi uma operação não autorizada e prendeu vários agentes de inteligência envolvidos. 

Várias semanas antes, Guaidó havia visitado Washington, cruzando a fronteira sem lei com a Colômbia para evitar a detenção em um aeroporto venezuelano, disseram líderes da oposição. Ele era pouco conhecido na capital do país, mas tinha o apoio de figuras como López. “Isso permitiu que ele se ligasse instantaneamente a redes que a oposição levara anos para desenvolver”, disse Dan Erikson, conselheiro da Casa Branca sobre América Latina durante o governo Obama. 

Entre os que se reuniram com Guaidó estava Luis Almagro, o chefe da Organização dos Estados Americanos – e um defensor da entrega do poder ao líder da Assembleia Nacional. Guaidó telefonou para Almagro após a reunião de 14 de dezembro e disse que precisaria do apoio dos Estados Unidos, Colômbia e Brasil, segundo um alto funcionário da OEA, que falou sob condição de anonimato para discutir desenvolvimentos políticos delicados. 

Durante as primeiras três semanas de janeiro, líderes da oposição venezuelana enviaram silenciosamente emissários a governos estrangeiros e militares para avaliar a reação deles à declaração de Guaidó como presidente, possivelmente em uma manifestação em Caracas em 23 de janeiro. 

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No dia anterior, Trump foi informado várias vezes sobre a Venezuela, de acordo com o segundo funcionário da Casa Branca. Legisladores da Flórida, incluindo o senador republicano Marco Rubio, um crítico aberto de Maduro, encorajaram pessoalmente Trump a apoiar Guaidó. Naquela noite, Pence ligou para Guaidó, prometendo apoio dos EUA se o venezuelano seguisse a ordem constitucional, disse a autoridade da Casa Branca. 

“Obviamente, queríamos garantir que o dia seguinte fosse pacífico e que as ações fossem constitucionais”, disse o funcionário. Com o apoio da maior parte do hemisfério, Guaidó apareceu diante de uma multidão em 23 de janeiro e declarou que estava assumindo os poderes da presidência. 

O caminho de Guaidó continua difícil. Maduro rejeitou sua assunção de poder, assim como a Rússia e a China. Líderes das forças armadas até agora ficaram com Maduro, embora pareça haver divergências nas fileiras. Há desafios intimidadores na organização de eventuais eleições. “Um governo de transição não é algo que você decreta”, disse Guaidó ao The Washington Post em 27 de janeiro. “Você o constrói”. 

Enquanto isso, ele enfrenta um risco contínuo de detenção. “Eu acho que a razão pela qual eu não fui preso é provavelmente por causa de todo o apoio internacional e da comoção dentro das forças armadas”, disse Guaidó ao The Post. 

No final de janeiro, ele twittou que agentes de uma notória unidade policial foram até seu prédio em Caracas, perguntando por sua esposa, Fabiana. Ele correu para casa. Para seu alívio, sua esposa e sua filha de 1 ano, Miranda Eugenia, estavam ilesas. 

A polícia negou o assédio à família.

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