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O líder da oposição ao chavismo e presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, em coletiva de imprensa em Caracas, 17 de junho
O líder da oposição ao chavismo e presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, em coletiva de imprensa em Caracas, 17 de junho| Foto: YURI CORTEZ / AFP

Juan Guaidó chegou 15 minutos antes da hora marcada ao prédio em que mantém um escritório clandestino em Caracas. No edifício aparentemente abandonado, onde há muito espaço para poucos funcionários, o autodeclarado presidente interino da Venezuela concedeu uma entrevista ao Estado, justamente quando a ONU difundia um duro relatório sobre violações do governo de Nicolás Maduro – segundo o levantamento, o chavismo matou 14 pessoas por dia em 2018.

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Guaidó reconheceu erros nas tentativas de derrubar o chavista, explicou por que o governo não o prende, comentou sua queda de popularidade e, mais de uma vez, afirmou que os problemas do país não são ideológicos. “O que acontece na Venezuela não tem nada a ver com esquerda nem direita”. A seguir, os principais trechos da conversa com o Estado.

Vários opositores foram detidos e condenados. Por que o chavismo não o prende?

O chavismo tem medo em geral. Medo da cidadania, pois temos o amplo respaldo da maioria. Estamos amparados por nossa Constituição e temos amplo respaldo não apenas dos EUA, mas também dos países do mundo que me reconhecem como presidente interino.

O Brasil disse não aceitar uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, apesar de o senhor ter dito que isso pode ser necessário. O que mais o governo Bolsonaro pode fazer?

O governo Bolsonaro tem nos apoiado de maneira determinada. Acredito que devemos continuar pressionando em conjunto para obter uma transição, entendendo que a Venezuela tem vivido uma ditadura que tortura, persegue e assassina jovens que protestam nas ruas.

Bolsonaro deu a carta diplomática a seu representante no Brasil, o que incomodou os militares brasileiros que vêm conversando com os militares venezuelanos. O que o senhor pediria aos militares do Brasil?

Eles sabem o que está acontecendo na Venezuela. Além de seu respaldo, tive a oportunidade de falar com o vice-presidente (Hamilton) Mourão em Bogotá, na cúpula do Grupo de Lima. Eu lhes peço o que nos têm dado, apoio.

O senhor é do partido de Leopoldo López. O sr. o considera melhor candidato à presidência quando ele estiver livre?

Isso vai ser determinado em primárias ou pelo consenso. Leopoldo é coordenador do partido no qual milito e fundamos há quase 9 anos. O que posso dizer é que dentro da unidade (Mesa da Unidade Democrática, MUD), dentro das alternativas no governo interino, vai ser muito simples.

Assim que tiver o poder de forma efetiva, qual será sua primeira medida?

A atenção de emergência humanitária. Hoje, vivemos a pior crise humanitária na região. E estamos perto de ser a pior do mundo, somente comparável a países em guerra civil. Houve 60% de contração do PIB. O salário mínimo mensal equivale a US$ 6. O venezuelano não vive, sobrevive. A taxa migratória é a segunda mais alta do mundo e a mais alta da região. Cozinhamos com lenha na maioria dos povoados em todo o país. Então, a primeira coisa tem de ser a atenção à emergência. Temos de continuar com os subsídios para atender essa emergência enquanto tratamos da causa, estabilizamos a economia e garantimos não apenas justiça social, mas também segurança jurídica para o investimento econômico. Para nós, o investimento econômico é uma preocupação em razão do petróleo que temos, que continua sendo um recurso muito importante.

Pode haver espaço para a esquerda moderada e a direita moderada na Venezuela?

Definitivamente, o problema na Venezuela não é ideológico. Quiseram vender assim no mundo para tentar tomar parte ou simplificar a grave tragédia que a Venezuela vive. O que acontece na Venezuela não tem nada a ver com esquerda ou direita. Tem a ver com direito fundamental, com direito à subsistência, eletricidade, água, democracia, liberdade, respeito aos direitos humanos, acesso à informação. Quando falo em público, até bloqueiam o sinal de internet.

Os chavistas criticam governos de direita anteriores a Chávez. O senhor reconhece os erros desses governos?

O primeiro governo de Maduro formou um ditador. Mas, antes da ditadura o governo era de Maduro e o anterior foi Chávez. O anterior a Chávez foi Chávez e o anterior a Chávez foi Chávez (Guaidó se refere às consecutivas eleições de Chávez à presidência, de 1998 a 2012). Foram 20 anos. Eu não votava. Quando Chávez foi eleito (pela primeira vez), eu era menor de idade. Não tenho dúvida de que houve erros nos governos anteriores, tanto que estamos nesta tragédia. Agora, colocar a culpa em governos de 20 anos atrás?

Eles (chavistas) tiveram a maior renda de petróleo da história da humanidade, em pleno boom das commodities. Desperdiçaram US$ 1 trilhão. Não há nenhum tipo de desculpa que sirva para querer atribuir a isto uma questão ideológica. Também não é certo que os governos anteriores a Chávez eram de direita. Isso é uma falsidade. Na Venezuela, há sindicatos desde sempre. Não é como hoje, que há sindicalistas presos na Venezuela.

O senhor cometeu algum erro nos últimos meses?

Tivemos dificuldades, mas tivemos acertos. Hoje, somos reconhecidos por 54 países e devemos chegar a mais de 60 nos próximos dias. Meu chefe de gabinete (Roberto Marrero) está preso, sequestrado. O primeiro vice-presidente do Legislativo (Édgar Zambrano) está sequestrado. Meu irmão tem ordens de captura contra ele simplesmente por ser meu irmão. Recebo ameaças de morte diariamente. É uma ditadura sangrenta e não tenho dúvida de que cometemos erros, mas o mais importante é que mantivemos apoio popular, não a mim, mas ao desejo de mudança.

Haverá mais mortes antes de a crise acabar?

Houve morte no fim de semana com a tortura e o assassinato do capitão de corveta (Rafael Acosta Arévalo, detido sob a acusação de atentar contra Maduro). Hoje, crianças estão morrendo por falta de comida, por falta de medicamentos. Hoje, estão cruzando a fronteira meninas que vão ser cooptadas a se prostituir. Na fronteira marítima, em direção a Trinidad e Tobago, no último mês, 89 pessoas morreram ou desapareceram no mar.

Por que o senhor vem perdendo popularidade?

Hoje, todos temos parentes que foram embora e queremos que eles voltem. Hoje, não podemos conviver com nossa família porque não conseguimos comida. Sim, pesquisas dizem que perdi 2 pontos em relação ao mês passado, mas com relação a janeiro, quando começamos esse processo, nosso apoio é 4,5% maior. Não perdemos força.

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