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O Papa Francisco em sua audiência geral semanal na praça de São Pedro em 29 de agosto de 2018 no Vaticano | ALBERTO PIZZOLI/AFP
O Papa Francisco em sua audiência geral semanal na praça de São Pedro em 29 de agosto de 2018 no Vaticano| Foto: ALBERTO PIZZOLI/AFP

Um dossiê divulgado no domingo (26), último dia da viagem do papa Francisco à Irlanda, traz novas acusações de acobertamento na Igreja de abusos sexuais em 11 páginas recheadas de nomes, datas e histórias. O documento, assinado pelo arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) em Washington entre 2011 e 2016, pede a renúncia de Francisco, acusando-o de ter sido indulgente demais com os suspeitos, especialmente o arcebispo emérito de Washington Theodore McCarrick, acusado de abusos quando era arcebispo de Newark (estado de Nova Jersey) e, depois, na capital norte-americana.  

A publicação sai no momento em que o papa estava sendo pressionado na Irlanda e se desculpava sobre casos de pedofilia neste país. Também pesa sobre os ombros do papa a acusação feita pelas autoridades nos Estados Unidos de que o Vaticano estava ciente do acobertamento de padres acusados de abuso sexual de mais de mil crianças.  

No relato, Viganò afirma que, em 2009 ou 2010 – o arcebispo diz não estar certo a esse respeito –, o papa Bento XVI impôs penalidades a McCarrick, como a proibição de que ele viajasse e celebrasse missas em público; McCarrick deveria deixar o seminário onde residia e dedicar-se a “uma vida de oração e penitência”, punição similar à aplicada anteriormente a outros predadores sexuais dentro do clero. Àquela altura, McCarrick já havia se aposentado como cardeal-arcebispo de Washington, sendo sucedido por Donald Wuerl (também acusado de abusos em relatório recentemente divulgado). As punições não foram tornadas públicas, e quem as comunicou a McCarrick foi o então núncio Pietro Sambi, que morreu em 2011 – quando Viganò chegou aos Estados Unidos, portanto, as penalidades já estavam em vigor e ele as repetiu a McCarrick, ainda segundo o relato.  

No entanto, com a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco, em 2013, McCarrick teria se sentido livre para desrespeitar as punições recebidas, inclusive viajando ao exterior. Em junho de 2013, diz Viganò, o papa Francisco recebeu todos os núncios em Roma e perguntou a ele sobre McCarrick; Viganò respondeu que ele “tinha corrompido gerações de padres e seminaristas”, e que havia punições contra ele impostas por Bento XVI. Mesmo assim, segundo Viganò, Francisco não teria feito esforço em fazer valer as punições. Por isso, da mesma forma como pediu a saída de bispos chilenos por omissões similares, o papa, na opinião de Viganò, deveria renunciar.  

As maiores acusações do ex-núncio, no entanto, não se dirigem ao papa, mas a uma série de cardeais e arcebispos que ocuparam e ocupam posições-chave no Vaticano durante décadas, incluindo três secretários de Estado (o cargo “número dois” na Santa Sé) durante os pontificados de João Paulo II, Bento XVI e Francisco: Angelo Sodano, Tarcisio Bertone e Pietro Parolin, este último o atual detentor do posto. O trio, em conjunto com vários outros bispos e cardeais, teria articulado para encobrir abusadores e promover alguns deles, além de influenciar na nomeação de outros bispos que, embora não fossem acusados de abusos, teriam uma visão mais simpática ao comportamento homossexual. Outro cardeal acusado de acobertamento por Viganò é o hondurenho Oscar Maradiaga, um dos principais conselheiros do papa Francisco.  

Repercussão

A bordo do avião papal no domingo, de volta a Roma depois de sua viagem à Irlanda, Francisco foi saraivado de perguntas de jornalistas sobre o dossiê. A única resposta dada pelo papa sobre o tema foi um convite para que os próprios repórteres julgassem o texto. “Eu li esta manhã esse comunicado. Eu li e digo a vocês e a todos interessados no assunto: leiam atentamente e julguem com o vosso juízo, não direi uma palavra sobre isso. Creio que o documento fala por si mesmo e vocês têm a capacidade jornalística suficiente para tirar conclusões”, disse Francisco, acrescentando que talvez fizesse comentários sobre o texto no futuro.  

Leia também: Papa Francisco condena atrocidades cometidas por padres pedófilos nos EUA

As afirmações de Viganò têm tido repercussão variada entre jornalistas que cobrem o Vaticano e apologistas católicos. De acordo com o jornal Avvenire, da conferência episcopal italiana, o texto tem uma retórica “agressiva”, esconde fatos e tenta criar divisões na igreja “com a pretensa intenção de agir pelo bem dela”. John Allen, do site Crux, e Andrea Tornielli, do jornal italiano La Stampa, encontraram inconsistências no relato e questionam o momento da divulgação, perguntando, entre outras coisas, por que o ex-núncio teria esperado até agora para tornar público o que sabe sobre as relações entre McCarrick e a cúpula vaticana. Outra questão apontada por Allen é o fato de o próprio Viganò não ter citado como conduziu o polêmico caso do arcebispo John Nienstedt. Segundo um memorando de 2014, divulgado em 2016, Viganò teria anulado uma investigação contra Nienstedt, envolvendo mau comportamento com seminaristas – as mesmas acusações que pesam contra McCarrick –, exigindo que as provas fossem destruídas.  

O jornalista Robert Moynihan, o escritor George Weigel e o apologista Scott Hahn destacaram a integridade pessoal do ex-núncio e afirmam não haver motivo, até o momento, para duvidar de Viganò. Partes do relato têm sido corroboradas por outros padres e bispos: Jean-François Lantheaume, que foi do “segundo escalão” da Nunciatura em Washington e é citado por Viganò, confirmou que McCarrick tinha sido pessoalmente informado das punições determinadas por Bento XVI. O bispo Joseph Strickland, de Tyler, no Texas, disse que as alegações são “confiáveis” e pediu investigações – mas não detalhou se estava se referindo também aos trechos que envolvem o papa Francisco. Outros prelados, como Charles Chaput, arcebispo da Filadélfia; David Konderla, de Tulsa (Oklahoma); e Thomas Olmsted, de Phoenix (Arizona) não comentaram o relato em si, mas fizeram elogios a Viganò. Já alguns dos citados no relatório, como Blaise Cupich, cardeal-arcebispo de Chicago; Joseph Tobin, de Newark; e Robert McElroy, de San Diego (Califórnia), criticaram o texto e seu autor – Cupich apontou imprecisões na cronologia feita por Viganò, e McElroy disse que o ex-núncio age movido por “ódio ao papa Francisco e a tudo o que ele ensina”.  

Embora o relato de Viganò trate da existência de uma “máfia gay” dentro dos altos escalões do Vaticano, influenciando especialmente as nomeações episcopais e encobrindo abusadores, os vaticanistas apontam que o papa Francisco jamais deu nenhuma impressão de ser simpático à ideia de relativizar a condenação da Igreja a esse comportamento – a doutrina católica afirma que os homossexuais são tão dignos de respeito quanto qualquer outra pessoa, e que a inclinação homossexual, em si, não é pecado, condenando apenas o ato sexual entre duas pessoas do mesmo sexo. Os mais críticos apontam que o pontífice não interveio quando o tema apareceu nas discussões do Sínodo da Família, em 2015, mas, na exortação Amoris Laetitia, escrita após o Sínodo, Francisco afirmou que a união homoafetiva não pode ser equiparada ao casamento entre um homem e uma mulher.

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