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O bombardeiro supersônico Tupolev russo Tu-160 de longo alcance após pousar no aeroporto de Maiquetia, na Venezuela | FEDERICO PARRA / 
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O bombardeiro supersônico Tupolev russo Tu-160 de longo alcance após pousar no aeroporto de Maiquetia, na Venezuela| Foto: FEDERICO PARRA /  AFP

Rússia e Venezuela apostaram alto em uma jogada política nesta semana, mostrando ao mundo o estreitamento das relações militares entre as duas nações. Na segunda-feira (10), dois bombardeiros russos com capacidade para transportar armas nucleares pousaram no aeroporto de Maiquetía, na região de Caracas, para realizar manobras militares conjuntas que serviram, segundo a Venezuela, para “preparar a defesa do país caso seja necessário”.

Além dos dois bombardeiros estratégicos Tu-160, um avião de transporte militar An-124 e a aeronave de passageiros de longo alcance Il-62 da Força Aeroespacial Russa também foram enviados para a missão. O Ministério da Defesa da Rússia informou que os bombardeiros ficaram por cerca de dez horas nos céus do Mar do Caribe e foram acompanhados por caças venezuelanos em alguns momentos do voo. Na sexta-feira (14), eles voltaram para suas bases domésticas. 

TU-160 sobrevoando o Caribe

A relação militar entre Rússia e Venezuela teve início em 2005, quando Hugo Chávez estava em seu segundo mandato e a Venezuela vivia uma boa fase econômica em função das receitas de exportação de petróleo. 

“Entre os anos de 2007 e 2011 a Venezuela comprou dos russos mais de U$12 bilhões em armamentos tanto para artilharia quanto para defesa antiaérea”, lembra o cientista político Arnaldo F. Cardoso, professor de Comércio e Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

As manobras conjuntas entre as duas nações não são novidade, já ocorreram em pelo menos outras duas ocasiões. Em setembro 2008 uma frota naval russa, que incluía um cruzador à propulsão nuclear, foi deslocada ao Caribe para uma manobra militar conjunta com a Marinha da Venezuela. Naquele mesmo mês, a Rússia já havia enviado dois bombardeiros Tu-160 para o país sul-americano – a primeira vez desde o fim da Guerra Fria que a Rússia realizou operações deste tipo na América Latina. 

Na época, analistas de geopolítica falaram que aquela foi uma reação da Rússia à presença militar dos Estados Unidos e de seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), no mar Negro, na fronteira sul da Rússia, como consequência do conflito que envolveu a Ossétia do Sul, na Geórgia. 

O contexto atual se assemelha. Em entrevista ao jornal The Guardian, Harold Trinkunas, especialista em Venezuela na Universidade de Stanford, disse que o desdobramento foi “muito provavelmente um sinal de apoio ao regime de Maduro, em um momento em que tanto a Rússia quanto a Venezuela estão experimentando crescentes tensões com os Estados Unidos”. 

Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia e pesquisador do centro de análises Brookings Institution, afirmou, em entrevista à BBC Mundo, que “parte da razão para o envio dos bombardeiros é treinar pilotos russos em voos de longa distância, outra parte é destinada simplesmente a irritar os Estados Unidos”. 

As tensões entre Rússia e Estados Unidos se tornaram mais latentes no fim de novembro quando os russos apreenderam embarcações da Ucrânia no Estreito de Kerch, porção de água que dá acesso do Mar Negro ao Mar de Azov. Na verdade, desde que a Rússia anexou a Crimeia ao seu território, em 2014, a relação com os americanos vai de mal a pior, devido às várias sanções impostas pela Casa Branca em resposta à ofensiva terrestre russa. 

Para o doutor em relações internacionais Paulo Wrobel, os exercícios militares conjuntos desta semana podem ser entendidos como uma atitude de projeção de poder por parte da Rússia em uma região onde os Estados Unidos é a potência estrangeira de maior influência. “A Rússia é fundamentalmente uma potência militar provocadora”, explicou Wrobel, que é professor de relações internacionais da PUC-Rio. “O país não tem condições de enfrentar os Estados Unidos militarmente, mas ele provoca os vizinhos, como a Noruega e a Ucrânia. Vai testando a paciência”. 

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A operação militar conjunta também mostra que a Venezuela tem se convertido em vitrine para demonstrações e disputas de poder entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, perante a comunidade internacional, como observou Cardoso. Segundo ele, isso acaba “servindo também para incremento de suas imagens [de Trump e Putin] perante seus eleitores”. 

Para a Venezuela, a parceria com a Rússia também é um ato de provocação à Casa Branca e uma forma de mostrar à comunidade internacional que o país não está isolado, apesar das sanções dos Estados Unidos. 

“Devemos dizer ao povo venezuelano e ao mundo que cooperamos (com a Rússia) em várias áreas e também nos preparando para a defesa da Venezuela até o último palmo de terra caso seja necessário”, disse o ministro de Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, quando as aeronaves russas aterrissaram em Caracas. 

Nicolás Maduro vem construindo uma narrativa de que o país está prestes a ser invadido pelos Estados Unidos e aliados que querem tirá-lo do poder. Nesta semana ele chegou a mencionar que a visita do conselheiro de segurança nacional de Trump, John Bolton, ao presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, tratou sobre um complô para derrubá-lo, e até mesmo assassiná-lo. A narrativa de Maduro já é antiga e foi reforçada por comentários de Trump de que não descartaria uma intervenção militar na Venezuela

Coma economia em frangalhos, o ditador têm buscado a ajuda de países com características autoritárias que fazem oposição aos Estados Unidos, como a Rússia, a China e a Turquia, que recentemente prometeu ajuda a suprir a maioria das necessidades da Venezuela, apesar de estar começando a se recuperar de uma severa crise econômica. 

Mas as relações comerciais dos países de Maduro e Putin não vão tão bem quanto a cooperação militar. 

Uma reportagem publicada no jornal venezuelano El Nacional mostra que a companhia estatal de petróleo da Venezuela, a Pdvsa, está enviando à Rússia a metade dos barris de petróleo que havia acordado como pagamento pela dívida externa do país - dos 300.000 barris diários, estão sendo entregues somente 150.000, de acordo com uma fonte ligada à Pdvsa ouvida pelo jornal. O mesmo estaria acontecendo com o envio de petróleo à China. 

Mesmo assim, no início de dezembro,Maduro anunciou que conseguiu apoio da Rússia para aumentar a produção de petróleo em 1 milhão de barris por dia, bem como para investimentos em mineração e manutenção de armas e sistemas de defesa. Os investimentos somam, segundo o próprio Maduro, US$ 6 bilhões (R$ 23,4 bilhões). 

Alcides Costa Vaz, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirma, entretanto, que a Rússia não busca uma parceria militar com a intenção de vender armamento para a Venezuela como já aconteceu no governo Chávez. “O pano de fundo se resume em convergências políticas, ideológicas e o argumento da resistência à invasão americana. A Rússia sabe que a Venezuela não tem dinheiro para comprar armamento militar”. 

Armamento nuclear na Venezuela?

A visita dos bombardeiros russos à Venezuela desagradou os EUA e os países da região. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, criticou o governo russo por enviar "bombardeiros do outro lado do mundo" para a Venezuela. 

"O povo russo e venezuelano deveria ver isso pelo que é: dois governos corruptos esbanjando recursos públicos e esmagando a liberdade enquanto seus povos sofrem", escreveu Pompeo no Twitter. 

O presidente da Colômbia, Iván Duque, rechaçou as manobras militares, qualificando-as como um ato preocupante, hostil e imprudente com a região e que é motivo para estar em alerta. 

“Não podemos nos deixar ser provocados, não podemos deixar a Venezuela começar a usar esse tipo de manobra como uma ferramenta de provocação, obviamente, o continente deve estar alerta", disse Duque em uma entrevista com o canal de televisão RCN. 

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, deu um passo além e pediu que entidades internacionais verifiquem se a Venezuela está cumprindo suas obrigações quanto à não proliferação de armas nucleares. A suspeita é de que a Rússia poderia ter transportado à Venezuela armamento nuclear no bombardeiro. 

Almagro quer que o braço da OEA contra a proliferação nuclear (Opanal) verifique se o país está cumprindo o Tratado de Tlatelolco, que garante a desnuclearização da América Latina. “Pedimos que os órgãos que formam este acordo tomem as medidas necessárias para verificar se a Venezuela está cumprindo as regras de desnuclearização e informem a OEA e a ONU”, disse Almagro. 

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Associação de Estudos de Defesa, Alcides Costa Vaz, a questão sobre se o bombardeiro portava ou não armamento nuclear é ainda mais preocupante do que o exercício militar em si, que não foi de grande vulto no plano militar. “Acho pouco provável que a Venezuela esteja estocando armamento nuclear, mas esta é uma questão que vai ficar em aberto”, disse Vaz, lembrando que isto também poderá ser usado pelos Estados Unidos como mais um elemento de repressão à Venezuela, reforçando o isolamento do país socialista. 

Após as declarações da OEA, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia publicou uma nota afirmando que “a Federação da Rússia cumpre, de forma rigorosa e completa, as obrigações por si assumidas derivadas do Protocolo Adicional II do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco), no qual estão estabelecidas as garantias jurídicas que excluem o uso e a ameaça de uso das armas nucleares em relação aos Estados da zona”. 

Maduro também rebateu as críticas e afirmou que aviões de outros países continuarão aterrissando na Venezuela, segundo o site Sputnik. "Os aviões vêm e eles chegarão nos próximos meses", disse Maduro.

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