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Recorte mostra desenho das divisões da dorsal atlântica | /Wikimedia
Recorte mostra desenho das divisões da dorsal atlântica| Foto: /Wikimedia

Imagine um vulcão. Agora imagine que sua principal cratera seja uma linha longa sobre a terra. Agora, imagine que essa linha é tão longa que ela se estende por mais de 65 mil quilômetros nos recônditos obscuros de todos os oceanos do planeta, como as costuras de uma bola de futebol.

Seja bem vindo a uma das características mais obscuras e importantes da Terra, conhecida pelo nome prosaico de “dorsal oceânica”. Ainda que seja longa o bastante para dar seis voltas em torno da lua, a dorsal recebe pouca atenção, já que fica escondida nas profundezas escuras do planeta.

Os oceanógrafos perceberam sua natureza vulcânica em 1973. Desde então, expedições caríssimas começaram lentamente a explorar esse mundo subaquático, que geralmente fica a mais de 1,5 quilômetro abaixo da superfície do mar.

Os resultados podem fazer as visões de Júlio Verne parecerem comedidas.

A dorsal conta com longas fossas tectônicas e, bem no centro delas, campos gigantes com fontes de água quente que lançam milhões de toneladas de minerais na água fria do oceano, construindo lentamente montes e torres estranhas que podem ser ricas em metais como ouro e prata.

Uma torre no Oceano Pacífico, apelidada de Godzilla, chegou a mais de 15 andares de altura. Uma infinidade de vermes marinhos e outras criaturas bizarras cobrem de vida as fontes vulcânicas, dividindo o espaço com predadores famintos como os caranguejos-aranha.

Essa vida intensa coexiste com fontes termais quentes o bastante para derreter chumbo e as janelas de plástico dos minissubmarinos. Com muito cuidado, humanos e robôs puderam medir temperaturas que chegam a 415 graus.

Dificuldades

Até o momento, esses estudos foram espaçados. As expedições à dorsal oceânica acontecem com dificuldade, com cronogramas definidos pelo clima instável e as verbas limitadas, sem falar na dificuldade de conseguir equipes e equipamentos especializados.

Documento mostra característica da gigantesca estrutura NYT

Agora, os cientistas criaram uma nova iniciativa de pesquisa. Na Costa Oeste dos EUA, eles instalaram centenas de sensores e câmeras em um trecho especialmente ativo da dorsal, contando com cabos que levam às informações para a superfície. O observatório oceânico vai operar esses equipamentos por pelo menos um quarto de século, substituindo novidades esporádicas pela pesquisa constante.

Este mês, esses dados finalmente estão chegando à internet. Centenas de cientistas do mundo todo serão capazes de monitorar uma das características mais inquietas e enigmáticas da Terra com a facilidade de quem vê um e-mail.

“Estamos vendo isso ganhar vida”, afirmou Maya Tolstoy, geofísica marinha do Observatório Terrestre Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia. Recentemente, ela recebeu dados que incluíam o de uma erupção. “É animador. Estamos apenas começando a compreender o que está acontecendo.”

John R. Delaney, oceanógrafo da Universidade de Washington que criou o observatório há algumas décadas, afirmou que isso iria ajudar os cientistas a entenderem melhor não apenas as fendas vulcânicas, mas também a água em seu redor, que cobre a maior parte do planeta.

“De repente, uma porta tecnológica foi aberta para estudar os oceanos de dentro para fora”, afirmou. Essa nova perspectiva, acrescentou, “é a única que vai permitir a compreensão de sua verdadeira complexidade, das centenas de processos”.

Descobertas

Uma das principais questões é como o vulcanismo muda ao longo do tempo. A antiga noção era a de que as erupções de lava líquida se mantinham mais ou menos estáveis ao longo do tempo. Agora, as pesquisas indicam a existência de picos grandes o bastante para influenciar não apenas o caráter oceânico global, como também a temperatura do planeta.

Os especialistas acreditam que a atividade possa ter maiores repercussões porque a dorsal oceânica é responsável por 70% de todas as erupções vulcânicas da Terra.

Em princípio, isso a transforma em uma enorme fonte de calor e minerais exóticos, além de gases comuns, como o CO2, liberados por qualquer tipo de vulcão. “É uma nova perspectiva sobre como a Terra funciona. Nossos olhos e ouvidos estão em uma parte do leito oceânico que é realmente dinâmica”, afirmou Daniel J. Fornari, cientista no Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Cape Cod, Massachusetts.

A partir dos anos 90, os oceanógrafos começaram a ver o que o monitoramento constante tinha a oferecer quando a Marinha dos EUA compartilhou com eles uma rede anteriormente secreta de microfones instalados no fundo do mar, usados durante a Guerra Fria para acompanhar a movimentação dos submarinos inimigos. De repente, os cientistas marinhos passaram a ouvir as erupções vulcânicas e a estudar suas consequências.

Recentemente, Maya Tolstoy, da Universidade de Columbia, utilizou dados acústicos de nove erupções no leito oceânico ao longo de quase duas décadas para traçar um retrato cheio de surpresas. Revelou-se que todas essas erupções, ocorridas nos oceanos Pacífico, Atlântico e Ártico, ocorreram entre janeiro e julho.

A causa, segundo ela, é a órbita levemente elíptica da Terra ao redor do sol. Isso muda a força da atração gravitacional do sol durante o ano e, como resultado, a magnitude das marés que espremem o planeta. Ela afirmou que as erupções coincidem com o momento de maior pressão exercida pela gravidade. Além disso, Maya também sugeriu que esses mecanismos podem ajudar a explicar por que as eras do gelo acabaram tão repentinamente no planeta – um mistério que por muito tempo ficou sem resposta.

Os níveis oceânicos caem de forma extrema nesses períodos de frio, uma vez que a água está presa em gigantescas calotas de gelo. Em um artigo, ela sugere que uma vez que a dorsal oceânica fique sem a pressão da água, as erupções se tornam mais frequentes. Como resultado, mais dióxido de carbono é lançado no oceano e, eventualmente, também na atmosfera, aquecendo o planeta como consequência.

Em resumo, de acordo com essa hipótese, as calotas de gelo crescem a ponto de iniciar sua própria destruição, levando a água de volta aos oceanos. Foi essa ideia radical que gerou tanto debate.

Em uma entrevista, Maya afirmou que as evidências coletadas no leito marinho sugerem que a dorsal oceânica seja “especialmente sensível” às mudanças no estresse, tornando-as mais abertas à influência dos astros. Os cientistas afirmam que esses fatores podem um dia ajudar a entender como o clima da Terra varia tanto ao longo das eras, de forma a aperfeiçoar seus modelos de computador e previsões.

Por meio da análise de centenas de características da dorsal, o observatório subaquático promete ajudar os cientistas a resolverem essas charadas.

Estrutura

Ele fica sobre a cordilheira de Juan de Fuca. O centro de atividade vulcânica – com cerca de 500 quilômetros de extensão — fica na Costa Oeste da América do Norte, indo da Columbia Britânica ao Oregon. O observatório é dividido em duas partes. O Canadá opera o trecho que fica mais ao norte, ao passo que os EUA operam o que fica mais ao sul, como parte de um programa conhecido como Iniciativa dos Observatórios Oceânicos.

Ao todo, o programa custa cerca de US$500 milhões – muito menos que os telescópios óticos de última geração que estão sendo construídos em todo o planeta. A Fundação Nacional de Ciências, o principal financiador de ciências básicas do governo federal, pagou pela parte americana.

Juntas as duas partes contam com mais de 1.600 quilômetros de cabos, dezenas de caixas de junção e centenas de sensores.

Os instrumentos no leito do oceano incluem metros de inclinação, câmeras, sismógrafos, medidores de temperatura, hidrofones, sondas químicas, sensores de pressão e coletores de amostras de fluidos. Além disso, plataformas móveis sobem e descem com a ajuda de longas amarras para realizar colunas de água. Os principais cabos do observatório chegam à superfície em Port Alberni, na Ilha de Vancouver, e em Pacific City, Oregon.

“Nós temos o observatório de cabos mais avançado em qualquer vulcão dos oceanos do mundo todo”, afirmou Deborah S. Kelley, cientista da Universidade de Washington que dirige o segmento norte-americano. “Existem muitas descobertas pela frente.”

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