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Nicolás Maduro apresenta o que diz ser um contrato firmado entre Guaidó e a empresa americana Silvercorp para a operação Gedeón| Foto: Palácio Miraflores/AFP

Por volta das 4h de 3 de maio um intenso tiroteio pôde ser ouvido por moradores de Macuto, no litoral venezuelano próximo a Caracas. Nas redes sociais começaram a circular vídeos em que se ouvem disparos e helicópteros sobrevoando a região.

Horas depois, na manhã daquele domingo, o ministro do Interior de Nicolás Maduro, Néstor Reverol, comunicou que houve uma tentativa de invasão à Venezuela por via marítima para levar a cabo um golpe de Estado.

Usando “lanchas rápidas”, disse Reverol, o objetivo do grupo era "cometer atos terroristas no país, assassinatos de líderes do governo revolucionário, aumentar a espiral de violência e gerar caos e confusão na população para levar a uma nova tentativa de golpe". O ministro de Maduro também anunciou que nove “terroristas” haviam sido abatidos e dois, presos.

A reação da imprensa independente e de parte da população venezuelana foi desacreditar a história. Maduro frequentemente diz ser alvo de tentativas de assassinato, sem apresentar provas, para ter uma justificativa que lhe permita reprimir a população e prender seus inimigos políticos. O governo interino de Juan Guaidó disse que se tratava de um “falso positivo” e uma montagem do regime.

Contudo, essa percepção começou a mudar depois que um ex-boina verde americano, chamado Jordan Goudreau, postou um vídeo nas redes sociais assumindo a autoria do ataque. Ele aparece ao lado de Javier Nieto Quintero, ex-capitão da Guarda Nacional Bolivariana, que há anos se rebelou contra o regime de Nicolás Maduro e que aparentemente é o líder venezuelano da operação “Gedeón”.

“Há homens e mulheres arriscando suas vidas pela liberdade de nossa pátria e de presos políticos. O objetivo desta mensagem é pedir aos membros da Fanb [Forças Armadas Nacionais Bolivarianas] que se juntem a esse ato libertário", diz Quintero no vídeo, aparentemente gravado às 17h de domingo e publicado no Twitter uma hora depois, na conta @carive15, administrada por rebeldes venezuelanos. A declaração, vinda em um momento em que já se sabia do fracasso da missão em Macuto, tinha como objetivo tentar captar o apoio de soldados descontentes com o regime, para que se rebelassem e dessem apoio à operação - o que não ocorreu.

Ainda no domingo, o americano Goudreau deu uma entrevista à jornalista Patricia Poleo, na qual afirma que a operação em Macuto era real e que ainda estaria em andamento, com várias células de grupos rebeldes ativas pelo país. Segundo Goudreau, eles optaram pela invasão marítima porque era o trajeto mais rápido até a capital Caracas, onde capturariam Maduro.

Goudreau também contou que o próprio Guaidó teria contratado a operação, cujo objetivo não era assassinar Maduro, mas sim sequestrá-lo e levá-lo para os Estados Unidos, onde é procurado por narcoterrorismo com uma recompensa de US$ 15 milhões. O americano mostrou um documento assinado pelo presidente interino e outros membros da oposição venezuelana, no qual contratam os serviços da Silvercorp USA, empresa americana que pertence a Goudreau. Porém, disse que Guaidó não cumpriu o contrato e que ele não recebeu nada pela operação. Resolveu levá-la adiante porque acredita na luta dos rebeldes venezuelanos contra o regime.

Horas depois, dois deputados da oposição, Hernán Alemán e María Gabriela Hernández, admitiriam a veracidade do plano para capturar Maduro, segundo a imprensa venezuelana.

Outro nome que surgiu no decorrer do dia e que estaria envolvido na operação é o de Clíver Alcalá Cordones, ex-aliado de Hugo Chávez que fugiu da Venezuela há muito tempo e se estabeleceu na Colômbia. Segundo investigação da imprensa internacional, Alcalá era o arquiteto da operação Gedeón. Ele era um dos procurados pela justiça dos Estados Unidos, acusado de tráfico de drogas junto com uma lista de outros nomes chavistas, inclusive Nicolás Maduro. Ao fim de março, ele se rendeu às autoridades colombianas, que o deportaram para os Estados Unidos.

Contudo, antes de se entregar, Alcalá postou uma série de vídeos em sua conta pessoal do Twitter admitindo deliberadamente que estava em curso um plano para derrocar Maduro e liberar a Venezuela. Dias antes, as autoridades colombianas haviam apreendido várias armas em seu território, as quais, segundo Alcalá, seriam destinadas aos combatentes venezuelanos que estavam treinando em unidades estabelecidas na Colômbia. Tais armas teriam sido compradas por meio um contrato assinado por Juan Guaidó, ele afirma no vídeo.

Outros dois americanos envolvidos

Aparentemente a operação Gedeón continuou na segunda-feira. De acordo com a narrativa do regime, milicianos chavistas da zona costeira de Chuao, com a ajuda das forças militares bolivarianas, “neutralizaram” uma segunda incursão marítima que tentava derrubar Maduro.

Outros oito homens foram presos, inclusive dois americanos que foram contratados por Goudreau para treinar os rebeldes venezuelanos. Identificá-los foi fácil, já que ambos estavam carregando documentos de identidade. Luke Denman, 34, e Airan Berry, 41, assim como Goudreau, eram veteranos do exército dos EUA.

Dois dias depois, a televisão estatal da Venezuela transmitiu um vídeo editado de uma suposta confissão de Denman. Na gravação, o americano conta que serviu o exército dos EUA por cinco anos e que foi contratado por Goudreau para treinar venezuelanos em Riohacha, na Colômbia, para a missão de assumir o controle de um aeroporto para permitir que Maduro fosse retirado do país. O americano afirmou também que ele e Berry foram contratados por Jordan Goudreau e apresentou a cópia do que disse ser o contrato assinado por Guaidó.

Uma pessoa que não aparece no vídeo fez as perguntas a ele. Alguns ex-militares americanos que assistiram ao vídeo de Denman comentaram que em certa altura, quando é perguntado por que o presidente americano Donald Trump tem interesse na Venezuela, ele faz movimentos com os olhos que podem ser um código para avisar que estaria sendo coagido a responder.

Denman e Berry estão sendo acusados pelo regime chavista de terrorismo, conspiração e tráfico de armas. Os nacionais venezuelanos que foram presos, inclusive o líder da invasão, o ex-oficial da GNB Antonio Sequea, estão sendo acusados de conspiração com governo estrangeiro, terrorismo, traição, rebelião, tráfico ilícito de armas de guerra e formação de quadrilha.

Os mandantes da operação, segundo Maduro? Como de praxe, os presidentes de Colômbia, Iván Duque, e dos Estados Unidos, Donald Trump.

Todo mundo já sabia

O plano, como visto, não era nenhum segredo. Uma matéria da Associated Press de 1º de maio já havia relatado todo o planejamento da operação, portanto, antes de incursão em Macuto.

Após entrevistar dezenas de ex-militares venezuelanos, políticos da oposição e pessoas envolvidas na operação, o jornalista Joshua Goodman contou que as bases do plano foram lançadas logo depois de 30 de abril de 2019, quando Guaidó tentou um levante cívico-militar contra Maduro.

Depois do fracasso, políticos e soldados desertores começaram a se reunir e discutir opções para tirar Maduro do poder. Um encontro específico ocorreu em um hotel 5 estrelas em Bogotá, na Colômbia. Entre os participantes, Goudreau, Alcalá e possíveis financiadores do plano.

Na época, Goudreau já tinha algum contato com a oposição venezuelana. Em sua conta do Instagram é possível encontrar uma imagem e um vídeo no qual ele aparece como um dos seguranças do Live Aid Venezuela, evento realizado em fevereiro de 2019 em Cúcuta, na Colômbia, organizado pela oposição para arrecadar dinheiro e ajuda para os refugiados venezuelanos.

Segundo a reportagem da AP, em março do ano passado Goudreau teve contato com Lester Toledo, na época o coordenador de entrega de ajuda humanitária da equipe de Guaidó. Foi Toledo quem teria apresentado Goudreau a Alcalá, o venezuelano que está preso por tráfico de drogas nos EUA.

Na reunião em Bogotá, Alcalá disse que tinha 300 homens dispostos a lutar contra o regime em três campos na região de La Guajira, perto da fronteira com a Venezuela. Goudreau entrou na equação para fazer o treinamento dos rebeldes. O custo estimado da operação seria de cerca de US$ 1,5 milhão, segundo revelaram fontes à AP.

Na época, Goudreau tinha dito aos venezuelanos que tinha contato com a CIA, o serviço secreto americano, mas tanto a agência quanto a Casa Branca e as diversas fontes que conversaram com a AP e o Washington Post, que conduziu uma investigação semelhante após o ataque, disseram que não houve qualquer assistência governamental americana ao plano. Membros da oposição venezuelana envolvidos na reunião contaram que mais tarde passaram a desacreditar da rede de contatos de Goudreau e desembarcaram do plano.

J.J. Rendon, um estrategista político da equipe de Guaidó, baseado em Miami, admitiu ao jornal Washington Post que firmou um contrato com Goudreau entre o fim de outubro e início de novembro. E que teria pagado do próprio bolso cerca de US$ 50 mil a Goudreau. Guaidó, segundo revelou Rendon em entrevistas nos últimos dias, teria pedido a ele que analisasse todas as possibilidades “em cima e embaixo da mesa” para tirar Maduro do poder. Mas afirmou que, com o passar do tempo, a alternativa acabou sendo descartada pela oposição e que Guaidó nunca teria assinado o tal contrato, como reivindicou Goudreau.

O americano dono da Silvercorp USA, Alcalá e Quintero resolveram levar a operação Gedeón adiante, apesar de contar com quase nenhum dinheiro e com poucos homens em situação de penúria, já que estavam escondidos em campos sem qualquer infraestrutura na mata colombiana.

Todas essas informações já eram públicas em 1º de maio. Obviamente o regime de Nicolás Maduro também estava a par da operação. Antes do dia 3 já havia mandado bloquear a estrada que liga La Guaira a Caracas. Diosdado Cabello, um dos homens mais fortes do chavismo e presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), disse que o regime já sabia de tudo. Sabia até o que comiam, porque estavam infiltrados.

Apesar do desastre, a conta oficial dos rebeldes no Twitter, a @carive15, afirma que a luta pela libertação da Venezuela continua. “É apenas uma batalha, a guerra continua. Até breve Venezuela. Em breve eles saberão de nós. Obrigado bravos venezuelanos por seu apoio. Não descansaremos até libertar nossos irmãos, fazer justiça pelos ‘executados’ e por extensão a toda a Venezuela”, diz uma postagem publicada na sexta-feira (8).

Enquanto isso, Maduro se regozija com o fiasco da Operação Gedeón, vendo o seu principal rival político, Juan Guaidó, perder a confiança da população e transparecer que não tem controle nem mesmo sobre a oposição. Ao mesmo tempo, o ditador ganha capital político e aumenta o cerco contra desertores e qualquer um que tente tirá-lo do poder.

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