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Vindo da Argentina, Thomas Kelly passou por vários países latino-americanos em 25 anos de diplomacia. "É importante entendermos o que está acontecendo por aqui", diz ele, sobre a visita a Curitiba | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Vindo da Argentina, Thomas Kelly passou por vários países latino-americanos em 25 anos de diplomacia. "É importante entendermos o que está acontecendo por aqui", diz ele, sobre a visita a Curitiba| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Os Estados Unidos vêm tendo a percepção de que o Brasil está de­­colando, segundo Thomas Kelly, o novo cônsul-geral do país em São Paulo. Para ele, é importante que o governo americano entenda, de fato, o que está acontecendo no Brasil e foi exatamente esse um dos motivos que trouxe o di­­plomata a Curitiba – onde algumas empresas americanas estão expandindo seus negócios. A capital paranaense é a primeira cidade fora do estado de São Paulo a receber a visita do novo cônsul, que até poucos meses estava alocado no consulado americano em Buenos Aires.

O interesse de Thomas Kelly pe­­la América Latina começou quando, ainda jovem, decidiu estudar o México. A curiosidade pela cultura latina expandiu-se então para os demais países do continente, momento em que Thomas Kelly percebeu que a América La­­tina ia muito além das fronteiras mexicanas. Anos depois formou-se di­­plomata e fez mestrado em estudos latino-americanos e em de­­senvolvimento econômico. Em 25 anos de carreira, ele atuou em El Salvador, Chile, França, Equa­­dor, Lituânia e, mais recentemente, na Argentina.

Em entrevista exclusiva à Ga­­zeta do Povo, o novo cônsul falou das relações entre os dois países, da importância de uma maior aproximação americana com o Brasil e da possível vinda do presidente Barack Obama ao país no próximo ano.

Qual o motivo de sua visita a Curi­­tiba?

Estou aqui porque sou completamente novo no Brasil. Como novo cônsul-geral de São Paulo, preciso conhecer o distrito consular que está em minhas mãos: Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Esta é a minha primeira visita fora do estado de São Paulo e quis visitar Curitiba porque se trata de uma cidade famosa em termos de sustentabilidade e do planejamento urbano. Além disso, várias companhias americanas estão investindo na cidade, caso da Ca­­terpillar, na região metropolitana. Mantive também uma reunião com a Câmara Americana de Comércio para conhecer melhor as oportunidades econômicas no estado do Paraná.

Quais oportunidades podem interessar aos investidores americanos?

As pessoas nos Estados Unidos vêm tendo a percepção de que o Brasil está decolando. Por isso é importante entendermos o que está acontecendo aqui, para po­­dermos orientar as companhias americanas sobre como participar do crescimento brasileiro. Algumas companhias já estão instaladas há mais de dez anos no Brasil e outras acabaram de chegar, assim como eu.

Os Estados Unidos realizam nos próximos meses suas eleições le­­gislativas. Qual a expectativa do governo americano em relação à disputa presidencial brasileira e ao confronto eleitoral americano?

Essas eleições representam uma parte importante do exercício de­­mocrático. Lá, é muito comum que existam mudanças durante as eleições. O nosso enfoque é sem­­pre sobre o estado da economia doméstica. Isso significa que a economia americana ainda apre­­­­senta problemas, mas estamos crescendo ao ritmo de 2,5% ao ano. Em contrapartida temos uma alta taxa de desemprego e is­­so significa que o partido no poder ainda tem vários desafios. O que é certo para mim é que depois das eleições nos EUA e no Brasil va­­mos ter uma nova oportunidade de reafirmar a importância das relações entre as duas nações.

Uma pesquisa do Instituto Gal­­lup, divulgada recentemente nos EUA, mostra os republicanos muito mais entusiasmados do que os democratas pela corrida eleitoral legislativa. Qual a im­­portância de um bom desempenho democrata nessas eleições?

O nível de entusiasmo é muito im­­portante e acho que a Casa Branca também entende a importância disso. O presidente Barack Obama tem participado mais diretamente na campanha política e isso po­­de ajudar os democratas. Mas, ao mesmo tempo, não é algo novo vermos o partido opositor estar mais animado com as eleições, pois eles podem usar de estratégias sem defender necessariamen­­te uma política mais específica.

Em que áreas de interesse as relações entre Brasil e EUA podem se aprofundar?

Acho que num nível mais alto do governo americano entende-se que o Brasil é importante e que temos que trabalhar para fortalecer nossa parceria estratégica com o país, em temas como biocombustíveis e a ajuda econômica a outros países, como Haiti ou África. Também é importante fa­­larmos da necessidade de se buscar consenso dentro do G-20, grupo em que EUA e Brasil desempenham papéis importantíssimos. Washington entende que o Brasil é importante e que a voz do país é muito influente. Acho que veremos muita atividade relacionada a visitas e encontros bilaterais, já no próximo ano.

Fala-se aqui no Brasil de uma pos­­sível visita, no ano que vem, do presidente Barack Obama ao país. Existe mesmo essa possibilidade?

Não posso dizer se o presidente virá ou não, mas posso dizer que no nível mais alto do governo ame­­ricano se entende a importância do Brasil, bem como das visitas ao país. Em março tivemos a visita de Hillary Clinton – secretária de Es­­tado americana – ao Brasil. Isso foi uma demonstração da importância política que o país tem e acho que vamos manter esse nível de visitas no próximo ano.

Como o senhor avalia os esforços americanos para recuperação da economia e quais os maiores de­­safios do governo nesse sentido?

A questão mais importante é a re­­cuperação do consumo doméstico. No momento, os americanos não estão gastando como gastavam ou mesmo como gostariam de gastar. Primeiro, porque a taxa de desemprego no país é muito alta para nós, girando em torno de 9,6% – a mais alta desde 1980. Em segundo lugar, o mercado imo­­biliário – que tem muita in­­fluência na economia americana – viu o valor do preço da casa própria aumentar muito nos últimos anos. O valor agora caiu demais e ninguém conseguiu recuperar estas perdas. As pessoas não se sentem ricas, porque estão sem di­­nheiro. As autoridades es­­tão tratando de inflar a economia, mas ao mesmo tempo o governo se preocupa em não gastar demais e acabar desequilibrando a balança fiscal. É muito importante para as autoridades econômicas americanas realizar a recuperação corretamente. Mas não é fácil. É por isso que o banco central [Federal Reserve] está trabalhando passo a passo, paulatinamente, para rea­­lizar essa recuperação. Acho im­­portante enfatizar que a economia americana ainda está crescendo, mas o importante é que en­­contramos o dinamismo econômico.

Cuba tem dado mostras de que pretende abrir – pelo menos em parte – sua economia a investimentos externos. Esse tipo de mo­­vimento cubano pode favorecer um possível relaxamento do em­­bargo à Cuba?

O embargo existe porque temos preocupações sobre a insistência continuada de uma ditadura bastante forte na ilha de Cuba. Acho que todos reconhecem que é positivo o fato de o governo cubano es­­tar revendo seu posicionamento econômico e também de estar abrindo espaço ao setor privado, mas existem muitos problemas ainda a resolver. Mas o mais im­­portante para nós é que o povo cubano tenha o direito de eleger livremente seu governo. E no mo­­mento temos a mesma família governando a ilha por 50 anos e para mim isso é uma ditadura.

Muitos analistas internacionais dizem que os EUA têm se tornado mais xenófobo após os atentados de 11 de setembro de 2001. O recente anúncio da construção de um centro islâmico na região do Marco Zero, só para citar um exemplo, não conta com o apoio da maioria dos americanos. Co­­mo o senhor analisa o comportamento ou a postura do governo americano em relação a essas questões?

Essa é uma pergunta essencial, obrigado por fazê-la. Eu defendo meu país. Acho que os EUA, co­­mo o Brasil, são dois dos países com mais sucesso em construir uma sociedade multicultural. Na minha cidade, Los Angeles, pode-se ouvir todas as línguas do mundo. Nós temos latino-americanos, asiáticos, europeus, pessoas do Oriente Médio e trabalhamos e vivemos juntos com muito sucesso. Os EUA são assim. Nova York é assim. A questão do centro islâmico tem gerado muita controvérsia. É importante lembrar que existem muitas pessoas – inclusive o prefeito de Nova York, Mi­­chael Bloomberg, que é judeu – que estão defendendo este projeto. Em segundo lugar, acho que muitas das críticas não dizem que não se pode construir um centro islâmico em Nova York, mas sim que aquele não é o melhor lugar para isso. Não vejo nisso uma posição racista, mas sim razoável. Po­­de­­mos concordar ou não, mas é uma posição razoável.

O Itamaraty diz que o princípio básico da embaixada brasileira em relação à cessão de vistos de en­­trada para estrangeiros obedece ao caráter de reciprocidade. O que o governo americano e também o brasileiro podem fa­­zer para facilitar a entrada de brasileiros nos EUA, assim como o in­­gresso de americanos no Bra­­sil?

Recentemente negociamos um acordo com o governo brasileiro pa­­ra as pessoas receberem vistos brasileiros ou americanos válidos por 10 anos. Ou seja, a pessoa só tem que ir ao Consulado uma vez a cada dez anos. Os dois lados es­­tão pensando em como facilitar as viagens entre os dois países. Isso é importantíssimo, pois o contato pessoal é essencial para fortalecer os vínculos entre Brasil e EUA.

O crescimento do Brasil como mercado pesou no acordo?

O Brasil vem apresentando um crescimento econômico incrível. Logo, as possibilidades de um ci­­dadão brasileiro típico receber o visto de entrada para os EUA têm crescido impressionantemente. Nos últimos anos, 95% dos brasileiros que solicitaram o visto de en­­­­trada para os EUA tiveram seu pe­­dido atendido. Acho isso magnífico. Só em São Paulo processamos cerca de 2 mil vistos por dia.

É um número expressivo?

É o consulado americano que mais fornece vistos de entrada pa­­ra o país em todo o mundo. Isso sig­­nifica algumas coisas. Pri­­mei­­ro, que o brasileiro tem dinheiro no bolso; segundo, que o brasileiro quer conhecer os EUA. E a maio­­­­ria desses solicitantes tira o visto pela primeira vez. Nos sentimos muito afortunados que tantos bra­­sileiros queiram conhecer os EUA, é uma grande oportunidade para nós. Os EUA são hoje, praticamente, um país latino-americano. Temos 45 milhões de pessoas que falam espanhol. Temos mais pessoas falando espanhol nos EUA do que na Argentina. Nós não fazemos parte apenas do continente, e sim da América Latina.

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