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Donald Trump está cumprindo sua palavra sobre a guerra comercial com a China, anunciando tarifas sobre mais de US$ 200 bilhões de bens do país governado por Xi Jinping. Mas a República Popular da China promete retaliação e, sendo assim, o entusiasmo da cúpula entre os dois líderes no balneário de Mar-a-Lago, em abril de 2017, é, literalmente, coisa do passado.

Quando tensões maiores são somadas a esse fato, como as disputas por ilhas inabitadas no Mar da China Oriental, disputas territoriais no Mar do Sul da China, e o perigo de uma catástrofe nuclear na Península Coreana, as chances de um desastre são tão assustadoras quanto possíveis. 

Durante esses períodos de turbulência, não é de surpreender que acadêmicos e observadores olhem para o passado tentando encontrar paralelos para as crises atuais. Não muito tempo atrás, a tendência, impulsionada pelo centenário do início da Primeira Guerra Mundial, era ver a Ásia como no auge do conflito de 1914. Isso provou ser um péssimo ponto de comparação. 

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Atualmente, o pensamento mais comum é de que a Ásia esteja à beira de uma nova Guerra Fria. Se isso acontecesse, significaria que a rivalidade que tem crescido é transformada em competição militarizada que pode levar a região a um ciclo de confusão. 

Sendo assim, os Estados Unidos não estariam sendo confrontados por uma expansão da União Soviética buscando investir na descolonização para promover sua ambição ideológica e geopolítica, mas, sim, por uma China ressurgente. Xi Jinping, o ambicioso presidente chinês, deixou claro que seu objetivo é tornar seu país a maior potência do planeta. 

Até pouco tempo, parecia improvável que uma Guerra Fria como a do século 20 ocorresse. A URSS e os Estados Unidos habitavam universos econômicos completamente diferentes durante aquele período. Ou seja, a dinâmica da competição era impulsionada apenas pelo poder político e por ideologias – a noção de interesses econômicos compartilhados simplesmente não existia. Hoje, porém, a interdependência econômica entre os dois países é um poderoso freio para uma catástrofe. 

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Enquanto competem, EUA e China estabeleceram vários mecanismos bilaterais para gerenciar seu complexo relacionamento. Há cerca de mil reuniões entre os dois países por ano, variando de encontros mais simples até cúpulas de médio escalão, que abrangem questões relacionadas ao comércio, investimento e até guarda costeira e pesca. 

Os dois países sabem que precisam trabalhar duro para garantir que essa dinâmica competitiva não saia do controle. E, claro, o poderio nuclear de ambos os lados é uma grande força disciplinadora, garantindo que mesmo os relacionamentos mais próximos possam permanecer longe de um conflito. A Ásia também tem uma ampla gama de mecanismos institucionais, como a Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e a Cúpula do Leste Asiático, que discutem, regularmente, preocupações comuns e criam um senso de confiança regional. 

Mas apesar das muitas reuniões, nas quais há muita discussão e pouca concordância, há grande chance para pensar que uma Guerra Fria 2.0 esteja muito mais perto do que possamos imaginar. EUA e China estão entrando em um período de significativa rivalidade geopolítica. Cada um tem ambições mutuamente incompatíveis. Pequim, por exemplo, quer uma região do Sudeste Asiático que não seja submissa à primazia dos EUA, enquanto Washington quer sustentar seu domínio regional. 

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Os dois países também acham extremamente difícil ver o mundo de uma perspectiva diferente, ou melhor, da perspectiva do outro. Washington não parece compreender que, embora Pequim tenha se beneficiado da presença americana na região, não aceitará para sempre que os EUA ‘ditem o preço’. 

Pequim, por sua vez, simplesmente não acredita que Washington quer que a China alcance seu potencial, e que isso ocorra sem mudanças significativas na atual ordem internacional. Quando esse fato é somado ao nacionalismo, que é uma força política poderosa em ambos os países, as perspectivas de um futuro geopolítico sombrio parecem muito reais. 

A escalada da guerra comercial é um dos avanços mais preocupantes. Isso não apenas sinaliza um período mais turbulento e menos dinâmico na economia global, mas representa a vitória da política nacionalista sobre os interesses econômicos compartilhados. Além disso, prevê o retrocesso a uma economia global menos integrada. 

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Trump, evidentemente, quer destruir as cadeias globais de fornecimento e voltar aos tempos de práticas mercantilistas para o desenvolvimento econômico. O mais preocupante é que, devido ao comportamento da China no passado – roubo de IP, interpelações ilegais ao investimento estrangeiro e a recusa de acesso a seus vastos mercados - as tarifas da Trump têm um nível de apoio surpreendente nos círculos de negócios dos Estados Unidos. 

O risco não é apenas de que a tensão aumente entre as maiores economias do mundo, mas que ocorra uma divisão significativa entre os interesses dos dois países. Se a camisa-de-força dourada que mantinha a interdependência econômica ficou para trás, as perspectivas de que geopolítica e nacionalismo estejam ganhando são significativamente maiores. Para a China, as tarifas também são uma confirmação de sua suspeita de que os EUA têm a intenção de impedir que o país alcance seu potencial. 

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Preocupantemente, há um consenso generalizado. Costumávamos pensar que grandes políticas de poder haviam sido banidas pela globalização. Mas estávamos errados. Nós pensamos que, quando eleito, Trump chegaria a um consenso econômico. Errado de novo. E agora a escalada desse conflito comercial está minando o elo mais importante entre os EUA e a China - seus interesses econômicos compartilhados. 

Não devemos nos enganar novamente. Uma competição geopolítica de alta intensidade é cada vez mais provável. A menos que os EUA e a China parem com o ciclo de escalada em que se encontram, entraremos novamente em um período em que a rivalidade entre grandes potências, a competição militarizada e um perigoso nacionalismo dominarão a região.

* Nick Bisley é professor de relações internacionais da La Trobe University (Austrália)
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