
Seres humanos primitivos, possivelmente até ancestrais pré-humanos, parecem ter saído pelos mares muito antes do que se suspeitava. Essa é a surpreendente implicação das descobertas feitas durante os últimos dois verões na ilha grega de Creta. Arqueólogos afirmam que as ferramentas de pedra encontradas por lá chegam a datar de 130 mil anos atrás. A novidade serve como forte evidência do que seria a mais antiga aventura nos mares do Mediterrâneo, e deve trazer novas reflexões sobre as habilidades marítimas das culturas pré-humanas.
Os responsáveis pelas ferramentas devem ter chegado de barco a Creta, uma ilha há mais de 5 milhões de anos. Segundo os arqueólogos especialistas em Idade da Pedra, isso empurra a história das viagens no Mediterrâneo mais de 100 mil anos para trás. Artefatos encontrados anteriormente já tinham comprovado a chegada de pessoas ao Chipre e outras ilhas gregas e, possivelmente, também à Sardenha, porém não antes de 10 mil, 12 mil anos atrás.
A mais antiga viagem marítima conhecida em qualquer parte do mundo que começou há cerca de 60 mil anos foi a migração do anatomicamente moderno Homo sapiens para a Austrália. Há também uma pequena evidência a partir de esqueletos e artefatos da ilha Indonésia de Flores de que hominídeos mais antigos teriam aberto caminho pelas águas para um novo hábitat.
O que é ainda mais intrigante para os arqueólogos que acharam as ferramentas em Creta é o estilo dos machados de mão, que faz supor uma idade aproximada de 700 mil anos. Pode parecer um pouco forçado, eles admitem, mas as ferramentas são bastante semelhantes aos artefatos produzidos com uma técnica conhecida como Achelense, originada nas populações pré-humanas da África.
Mais de 2 mil artefatos, incluindo os machados de mão, foram coletados na costa sudoeste de Creta, perto da cidade de Plakias, por uma equipe coordenada por Thomas F. Strasser e Eleni Panagopoulou. Ela é do Ministério da Cultura da Grécia e ele é professor de história da arte do Providence College, de Rhode Island. Ambos foram auxiliados por geólogos e arqueólogos gregos e norte-americanos, incluindo Curtis Runnels, da Universidade de Boston.
Thomas Strasser descreveu a descoberta no Instituto de Arqueologia da América. Um relatório formal foi aceito para publicação na Hesparia revista científica da Escola Americana de Estudos Clássicos, em Atenas que deu também apoio ao trabalho de campo.
A equipe de buscas de Plakias procurava por vestígios materiais de artefatos mais recentes nada mais antigo do que 11 mil anos. Os artefatos podiam ser lâminas, pontas de lanças e de flechas, típicas do período Mesolítico e Neolítico.
"Depois dessas primeiras descobertas, chegamos aos machados de mão", afirmou Strasser numa entrevista feita na semana passada, o que mergulhou a equipe num período ainda mais recuado.
"Isso nos deixou completamente confusos", disse Runnels. "Essas coisas simplesmente não deveriam estar lá."
A notícia do achado está circulando entre os acadêmicos que estudam a Idade da Pedra. Os poucos que tiveram acesso aos dados e a algumas fotos a maioria residente em Atenas disseram estar empolgados, porém cautelosos. A pesquisa, se confirmada com estudos mais profundos, bagunça a cronologia de dados considerados sólidos sobre o desenvolvimento tecnológico da mobilidade humana e pré-humana.
Ofer Nar-Yosef, uma autoridade em arqueologia da Idade da Pedra em Harvard, afirma que a importância do achado vai depender da datação do local. "Uma vez que os investigadores fornecerem as datas", disse por e-mail, "nós teremos uma compreensão mais segura da importância da descoberta."
Runnels, que tem 30 anos de experiência em pesquisas sobre a Idade da Pedra, afirma que uma análise sua e de três outros geólogos "não deixa muitas dúvidas sobre a idade do local, e de que as ferramentas devem ser ainda mais antigas".
De acordo com os pesquisadores, os penhascos e cavernas da costa foram elevados por movimentos tectônicos, pelos quais a placa africana, vindo por baixo, empurrou a européia. As camadas elevadas expostas representam a sequência de períodos geológicos já muito estudados e datados em alguns casos, usados para correlacionar e estabelecer datas dos períodos glacial e interglacial da mais recente Era do Gelo. A equipe analisou ainda a camada em que se encontravam as ferramentas e determinou que aquele solo foi a superfície terrestre há 130 mil ou 190 mil anos.
Runnels afirma considerar essa a idade mínima para as ferramentas, que incluem não apenas machados de mão em quartzo, mas também facões e lixas, todos no estilo Achelense. Os arqueólogos afirmam que as ferramentas podem ter sido feitas milênios antes de virem parar nos penhascos de Creta, congeladas no tempo.
Poderiam ser pelo menos duas vezes mais velhas do que as camadas geológicas, segundo Runnels. Para Strasser, elas chegariam a 700 mil anos. Novas explorações estão previstas ainda para este semestre.
Se datada de 130 mil anos, a descoberta situará as ferramentas na época em que o Homo sapiens já tinha se desenvolvido na África, há cerca de 200 mil anos. Não há registros de sua presença na Europa até mais ou menos 50 mil anos atrás.
Os arqueólogos podem apenas supor quem seriam os donos dos artefatos, já que, há 130 mil anos, os humanos modernos compartilhavam o mundo com outros hominídeos como o Neandertal e o Homo heidelbergensis. Considera-se que a cultura Achelense começou com o Homo erectus.
A hipótese padrão é de que os donos das ferramentas chegaram à Europa e à Ásia via Oriente Médio, passando principalmente pelo que hoje são a Turquia e os Bálcãs. As novas descobertas sugerem que suas dispersões não ficaram restritas às rotas terrestres e podem dar credibilidade a hipóteses sobre migrações que partiram da África pelo Estreito de Gibraltar até a Espanha. A costa sul de Creta, onde os artefatos foram encontrados, fica a 320 km do Norte da África.
"Podemos afirmar que os donos das ferramentas vieram da Líbia, a 320 km de distância", diz Strasser. "Estando em uma jangada, essa é uma longa viagem, mas eles podem ter vindo do território europeu para encurtar o caminho até as ilhas gregas."
Arqueólogos e especialistas na história marítima antiga, porém, dizem que a descoberta parece demonstrar que esses surpreendentes marinheiros primitivos tinham habilidade suficiente para ter embarcações mais confiáveis do que jangadas. Eles também devem ter tido capacidade cognitiva para conceber e levar adiante repetidas travessias a grandes distâncias, de forma a estabelecer populações sustentáveis que produziam artefatos de pedra em abundância.
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