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Prostitutas eram constantemente convidadas aos alojamentos da Oxfam no Chade | Divulgação
Prostitutas eram constantemente convidadas aos alojamentos da Oxfam no Chade| Foto: Divulgação

Uma crise de confiança tomou conta da comunidade internacional nesta terça-feira (13), em meio a acusações de que a organização humanitária de origem britânica Oxfam havia escondido relatos de que seus trabalhadores haviam prostituído sobreviventes do genocídio de Darfur no Sudão, e do terremoto catastrófico no Haiti.  

Na sexta-feira (09) a instituição admitiu que alguns de seus empregados estavam envolvidos em casos de má conduta sexual, depois que uma reportagem do jornal Times of London detalhou acusações de que membros da Oxfam promoviam festas com prostitutas em uma casa alugada pela instituição no Haiti - país onde a prostituição é ilegal e a idade de consentimento para relações sexuais é 18 anos.

O presidente haitiano, Jovenel Moïse, condenou os envolvidos no escândalo. Disse no Twitter que "não há nada mais desonesto do que um predador sexual que usa sua posição em uma ação de ajuda humanitária para explorar pessoas carentes em seu momento de maior vulnerabilidade”. 

Suas palavras fizeram coro às da primeira-ministra britânica, Theresa May, que condenou o "comportamento horrível" dentro da Oxfam ao anunciar que seu governo abriria um inquérito oficial para investigar a instituição de caridade. 

Mas o escândalo pode não ficar limitado à Oxfam, uma das mais proeminente agências humanitárias no mundo. O jornal inglês The Guardian informou que os políticos britânicos estão exigindo uma investigação "em todo o setor de caridade", devido a novos relatórios que alegam a prostituição de mulheres vulneráveis em várias instituições humanitárias e que advertências foram ignoradas durante grande parte do século XXI. 

Entenda as acusações 

Muitas das alegações centram-se na figura de Roland Van Hauwermeiren, que liderou os esforços humanitários da Oxfam em Chade em meados dos anos 2000, período em que uma guerra no vizinho Sudão levou refugiados e uma onda de violência para a fronteira entre os dois países. 

"As coisas estão muito, muito desesperadoras e provavelmente só vão piorar. As pessoas estão sofrendo, estão bebendo água suja e não têm nada para comer", disse Van Hauwermeiren à imprensa no final de 2006, em um comunicado da Oxfam. 

Citando um ex-funcionário, o Guardian informou no sábado (10) que as prostitutas eram constantemente convidadas aos alojamentos da Oxfam no Chade e que Van Hauwermeiren estava ciente destas atividades - se não envolvido nelas. A Oxfam admitiu desde então que sabia das alegações, mas continuou a colocar Van Hauwermeiren a cargo das missões humanitárias. 

Um ano depois, segundo a agência de notícias IRIN, ele atuou como porta-voz de uma coalizão de organizações sem fins lucrativos que trabalhavam em Chade - incluindo a Oxfam, a Save the Children (Salve as Crianças, em tradução livre) e a Action Against Hunger (Ação Contra a Fome, em tradução livre). Na época, a comunidade estava escandalizada com a prisão de seis trabalhadores do grupo de caridade francês Zoé's Ark, os quais posteriormente foram condenados por tentar seqüestrar dezenas de crianças chadianas. 

Na época, Van Hauwermeiren clamou ao mundo que não perdesse a confiança na comunidade humanitária global. "Continuamos a prestar serviços como nunca antes", disse ele à IRIN. "A população é inteligente o suficiente para diferenciar". 

Como diretor da Oxfam, Van Hauwermeiren passou a liderar missões no Congo e depois no Haiti, quando um terremoto mortal destruiu grande parte do país em 2010. 

Cerca de um ano depois, no final de 2011, a Oxfam anunciou, sem dar detalhes, que seis trabalhadores deixaram a organização depois que uma investigação interna revelou "má conduta" no Haiti, incluindo "abuso de poder e bullying" que trouxeram “descrédito ao nome da organização". Van Hauwermeiren também se demitiu, segundo o comunicado, assumindo a "responsabilidade gerencial" pela má conduta dos funcionários.. 

Quase sete anos depois, na quinta-feira (8), uma reportagem do Times of London revelou que a investigação da Oxfam havia ido muito mais além do que o dito bullying. 

O jornal informou que Van Hauwermeiren e vários trabalhadores do sexo masculino - uma pequena parte dos mais de 200 funcionários da Oxfam no Haiti - foram acusados de transformar seu alojamento em o que eles supostamente chamavam de "o bordel". 

"Aquelas meninas vestindo camisetas de Oxfam, correndo semi-nuas, era como uma orgia no estilo Calígula", disse uma fonte ao jornal. 

Após a reportagem, o embaixador do Haiti na Grã-Bretanha disse ao Guardian que as vítimas "poderiam ser menores de idade". 

O Times alegou que a Oxfam deliberadamente limitou sua investigação na esperança de esconder o escândalo. 

Repercussões 

A Oxfam já admitiu saber as alegações de prostituição envolvendo as missões do Haiti e do Chade. A vice-presidente executiva da instituição de caridade, Penny Lawrence, renunciou na segunda-feira. Ela era a diretora do programa quando as irregularidades ocorreram. "Estou com vergonha e assumo toda a responsabilidade", escreveu Lawrence em um comunicado. 

O executivo-chefe da instituição, Mark Goldring, negou uma tentativa de acobertamento dos casos, defendendo as insuficientes declarações da Oxfam em 2011. 

"Em retrospectiva, eu teria preferido que tivéssemos falado sobre má conduta sexual, mas não acho que fosse do interesse de qualquer um descrever os detalhes do comportamento de uma maneira que chamaria a atenção extrema para isso", disse ele à rádio BBC 4 no sábado, de acordo com o Guardian. 

O escândalo continua a aumentar, com novos relatos de abuso sexual envolvendo outras instituições de caridade. 

Antes de se juntar à equipe da Oxfam, conforme IRIN, Van Hauwermeiren comandou ações humanitárias para uma instituição de caridade que depois foi integrada à Save the Children. A agência também informou que Van Hauwermeiren foi acusado de organizar orgias na Libéria após a guerra civil no início dos anos 2000 e, depois de uma investigação interna, foi mandado para casa. 

"Oh, meu Deus, ele está fazendo isso há 14 anos", afirmou uma ex-assistente humanitária que reclamou sobre o comportamento dele na época. "Ele apenas circula pelo sistema ... da Libéria ao Chade, ao Haiti, para Bangladesh", completou, referindo-se a relatos de que Van Hauwermeiren continuou a trabalhar no setor de ONGs humanitárias depois de ter deixado a Oxfam. 

Os problemas da Oxfam não acabaram com a saída de Van Hauwermeiren, segundo novas reportagens. Um ex-investigador da Oxfam disse a repórteres esta semana que "uma cultura de abuso sexual" assolou a organização até, pelo menos, 2015. Ele também afirmou que executivos ignoraram relatos de uma mulher que foi coagida a se prostituir em troca de ajuda, e fecharam os olhos para acusações de abuso em uma unidade da organização no Reino Unido. 

Respondendo às novas acusações, a Oxfam expressou "lamentar que não reagimos a elas de forma mais rápida e com mais recursos". 

Recursos 

Este não é o primeiro escândalo na comunidade de caridade global, que alguns dizem está repleta de casos de exploração sexual. Dezenas de forças de paz das Nações Unidas foram acusadas de abusar de civis no ano passado, por exemplo, de acordo com reportagem da emissora Al Jazeera

Mas a Oxfam - com cerca de meio bilhão de dólares em renda anual de fontes públicas e privadas - era reconhecida mundialmente por seus esforços de ajuda humanitária. Foi uma voz crítica aos erros do governo, como quando chamou a resposta "inadequada" da administração Trump ao furacão do ano passado em Porto Rico. 

Por isso o escândalo criou uma agitação, em que líderes mundiais condenaram o fracasso da Oxfam e o governo britânico considera cortar o financiamento à instituição. 

"Se não existe liderança moral no topo da organização, então não podemos tê-los como parceiros", disse à BBC o secretário britânico de desenvolvimento internacional, Penny Mordaunt, em referência à Oxfam. 

No ano passado, a organização recebeu US$ 44 milhões do governo britânico, de um total de US$ 563 milhões em receita que constam em seu relatório anual, segundo o Guardian.

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