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Imigrante síria em apartamento em Altena, uma pequena vila no interior da Alemanha | KSENIA KULESHOVA
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Imigrante síria em apartamento em Altena, uma pequena vila no interior da Alemanha| Foto: KSENIA KULESHOVA NYT

Quando você pergunta aos moradores daqui por que Dirk Denkhaus, um jovem que fazia estágio no corpo de bombeiros e não era considerado nem perigoso nem político, invadiu o sótão da casa de um grupo de refugiados e tentou incendiá-la, eles citam os motivos conhecidos. 

 Esta pequena cidade à beira de um rio está encolhendo e sua economia vem diminuindo, dizem, o que deixa os jovens entediados e desiludidos. Embora a maioria da população tenha apoiado a decisão do prefeito de aceitar um número maior de refugiados, alguns acharam o fluxo desorientador. A política marginal está em ascensão. 

 No entanto, vão mencionar com frequência outro fator que não está tipicamente associado à onda de violência contra os refugiados na Alemanha: o Facebook. Eles têm visto rumores na rede social que retratam os refugiados como uma ameaça. E vêm encontrando dizeres racistas nas páginas locais, um contraste chocante com o que acontece nos espaços públicos de Altena, onde as pessoas acenam calorosamente para as famílias de refugiados. 

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 Muitos suspeitaram – e os promotores argumentariam mais tarde, com base em dados apreendidos no celular do jovem – que Denkhaus se isolou em um mundo online de medo e raiva que ajudou a levá-lo à violência. 

 Essa suspeita pode ser mais do que especulação. A pequena Altena é um exemplo de um fenômeno observado há muito tempo pelos pesquisadores que estudam o Facebook: a plataforma torna as comunidades mais propensas à violência racial. E agora, a cidade é um dos mais de três mil locais que forneceram dados para um estudo histórico que afirma provar isso. 

 Uso do Faceboook se sobressai

Karsten Müller e Carlo Schwarz, pesquisadores da Universidade de Warwick, avaliaram todos os ataques contra os refugiados na Alemanha, 3.335 ao todo, em um período de dois anos. Em cada um, analisam a comunidade local por qualquer variável que parecesse relevante. Riqueza. Informações demográficas. Apoio a políticas de extrema direita. Vendas de jornais. Número de refugiados. História de crimes de ódio. Quantidade de protestos. 

 Uma coisa se sobressaiu. As cidades onde o uso do Facebook foi maior do que a média, como Altena, experimentaram mais ataques contra os refugiados. Isso aconteceu em praticamente qualquer tipo de comunidade – cidades grandes ou pequenas; afluentes ou não; refúgios liberais ou fortalezas de extrema-direita – sugerindo que o vínculo se aplica de modo universal. 

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Seus dados convergiram em uma estatística de tirar o fôlego: onde quer que o uso do Facebook por pessoa atingisse um desvio padrão acima da média nacional, os ataques aos refugiados aumentaram em cerca de 50%. 

Os pesquisadores estimam que, em todo o país, esse efeito causou um décimo de toda a violência contra os refugiados. 

 O aumento na violência não teve correlação com o uso geral da internet ou com outros fatores relacionados, e não teve a ver com a utilização da internet como uma plataforma aberta para mobilização ou comunicação. A correlação foi apenas com o uso do Facebook. 

 Dos algoritmos à violência

Fomos a Altena e a outras cidades alemãs para refazer cada passo do feed de notícias direcionado por algoritmos do site até os ataques que aconteceram no mundo real e que seus usuários não teriam cometido de outra maneira – e isso sugere os modos sutis, mas profundos, pelos quais a rede social está remodelando a sociedade. 

 Quando os refugiados começaram a chegar, havia tantos moradores locais se voluntariando para ajudar que Anette Wesemann, a administradora do centro de integração de refugiados, não conseguiu dar conta de todos. Ela encontrou famílias de sírios e afegãos atendidas por comitivas de consultores ou tutores alemães.  "Foi emocionante", conta. 

 No entanto, quando Wesemann montou uma página no Facebook para organizar campanhas de alimentação e eventos voluntários, começou a ver mensagens contra os refugiados de um tipo que não havia encontrado off-line. 

 Alguns posts pareciam vir de pessoas de fora, que foram seguidas por um punhado de moradores locais. Com o tempo, a raiva se mostrou infecciosa, dominando a página. Quando soube da pesquisa que liga o Facebook à violência contra os refugiados, Wesemann respondeu: "Eu acredito completamente". 

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 Essa ligação pode ser indireta, dizem os pesquisadores, mas começa com o algoritmo que determina as mensagens que cada usuário vai receber. Esse algoritmo é construído em torno de uma missão: promover conteúdo que maximize o envolvimento do usuário. Mensagens que geram emoções primárias negativas como revolta ou medo, segundo estudos, têm melhor desempenho e proliferam. 

 É assim que o sentimento contra os refugiados – que combina medo de mudança social com gritos de guerra no estilo nós contra eles, duas forças poderosas para o algoritmo – pode parecer muito comum no Facebook, até em uma cidade pró-refugiados como Altena. 

 E mesmo que apenas uma minoria dos usuários expresse veementemente opiniões contra os refugiados, quando elas dominam o feed de notícias, isso pode ter consequências para todos os outros. 

 As pessoas se ajustam instintivamente às normas sociais da comunidade, o que em geral impede o mau comportamento. Isso requer que elas consigam intuir no que acreditam aqueles ao seu redor, algo que fazem por meio de sinais sociais subconscientes, de acordo com uma pesquisa feita por Betsy Paluck, psicóloga social da Universidade de Princeton. 

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 O Facebook embaralha esse processo. Ele nos isola da moderação de vozes ou figuras de autoridade, nos direciona para grupos com ideias parecidas e, por meio de seu algoritmo, promove conteúdo que fala às nossas emoções mais básicas. 

 Um usuário do Facebook em Altena, por exemplo, poderia de maneira razoável, mas errada, concluir que seus vizinhos eram amplamente hostis aos refugiados. "Você pode ter a impressão de que há um amplo apoio da comunidade à violência. E isso muda sua ideia de que, se você agir, não estará agindo sozinho", disse Paluck. 

 Superposters

Traunstein, uma cidade de montanha na Baviera é, em geral, bastante diferente de Altena. Sua economia turística está prosperando. Os jovens são ativos na comunidade. E embora a cidade tenha inclinações liberais, a região circundante é solidamente de centro-direita.  No entanto, da mesma maneira que em Altena, o uso do Facebook e os índices de violência contra os refugiados são incomumente altos. Será que isso poderia sugerir que são mais do que apenas alguns vigilantes isolados? 

 Buscou-se procurar um tipo particular de usuário, conhecido pelos pesquisadores como "superposter" (uma pessoa que compartilha muitas mensagens), capaz de incorporar as maneiras pelas quais o Facebook pode tornar uma comunidade cada vez mais hostil a pessoas de fora. 

 Rolf Wasserman, artista cujo estúdio tem vista para a pitoresca praça central de Traunstein, não é politicamente influente em nenhum sentido tradicional. Embora seja conservador, dificilmente é um extremista. Mas é furiosamente ativo no Facebook. Ele publica um fluxo constante de rumores, colunas de opinião e notícias sobre crimes cometidos por refugiados. Apesar de não usar discursos de ódio ou notícias falsas, no geral, suas mensagens retratam a Alemanha como um país tomado por estrangeiros perigosos. 

Rolf Wasserman é um usuário classificado como superposter por pesquisadoresKSENIA KULESHOVA/ NYT

Segundo Andrew Guess, cientista social da Universidade de Princeton,

 No Facebook, é possível alcançar pessoas que não são altamente políticas, para levar informações a elas. Você pode construir as visões políticas dos usuários do Facebook. Os superposters tendem a ser mais opinativos, mais extremos, mais engajados, mais tudo.

 Quando usuários mais casuais abrem o Facebook, muitas vezes o que veem é um mundo moldado por superposters como Wasserman. Suas visões de mundo exageradas funcionam bem com o algoritmo, permitindo que eles, coletivamente – e muitas vezes inconscientemente – dominem o feed de notícias. 

Pesquisa

Mas será que o Facebook poderia realmente distorcer as relações sociais a ponto de levar à violência? Pesquisadores da Universidade de Warwick testaram suas descobertas examinando todas as interrupções mais longas da internet em sua janela de estudo. 

 A infraestrutura de internet alemã tende a ser localizada, tornando as interrupções isoladas, mas comuns. Com certeza, sempre que o acesso à internet era cortado em uma área com alto uso do Facebook, os ataques aos refugiados diminuíam significativamente.  E eles caíram na mesma proporção em que os pesquisadores acreditam que o uso pesado do Facebook incentive a violência. A queda não aconteceu em regiões com alto uso da internet, mas de uso médio do Facebook, o que sugere que é específica para as redes sociais. 

 Na primavera, os serviços de internet caíram por vários dias ou semanas, dependendo do quarteirão, no subúrbio de classe média de Schmargendorf, em Berlim.  Esperanza Muñoz, que se mudou da Colômbia para lá na década de 1980, achou a interrupção relaxante. Ela socializou mais com os vizinhos e seguiu menos as notícias. 

 Muñoz contou que as comunidades do Facebook em sua Colômbia natal pareciam ainda mais propensas a indignações e bolhas. 

 Isso sugere o que os especialistas consideram uma das lições mais importantes do estudo da Universidade de Warwick. Se o Facebook é capaz de estar ligado a centenas de ataques, mesmo na Alemanha, seu efeito pode ser muito mais severo em países como a Colômbia, com instituições e regulamentos de mídia social mais fracos e histórias mais imediatas de violência política. 

 "As pessoas não diriam essas coisas com suas próprias bocas", disse Muñoz, referindo-se ao rancor que viu nos usuários colombianos do Facebook. "Mas é fácil para elas compartilhar on-line." 

 

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