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David ben David (E) e Erez Shtein seguram uma pipa incendiária que caiu em um terreno próximo à fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza | Ruth Eglash/Washington Post
David ben David (E) e Erez Shtein seguram uma pipa incendiária que caiu em um terreno próximo à fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza| Foto: Ruth Eglash/Washington Post

Ofer Liberman fecha o portão do kibutz e sai com seu jipe bem usado, chamando freneticamente as pessoas enquanto dirige. Há um incêndio além da área residencial, nos campos. Poucos minutos depois, Liberman para seu jipe e observa como as chamas atingem arbustos ressequidos. 

A primeira pipa incendiária do dia caiu no chão. Equipadas com trapos embebidos em gasolina, brasas, carvão e, mais recentemente, dispositivos explosivos leves, as pipas são a mais recente arma usada pelos palestinos contra os israelenses no conflito que já dura décadas. Feitas à mão, principalmente a partir de objetos domésticos, as pipas voam sobre a fronteira da Faixa de Gaza. 

Os israelenses apelidaram esse armamento de baixa tecnologia de "pipas do terror". Embora o dano não tenha sido enorme - pouco mais de US$ 1 milhão (R$ 3,9 milhões) até o momento -, os israelenses estão no limite. Os múltiplos incêndios que acontecem todos os dias e que são causados por pipas e balões de hélio são o foco dos noticiários noturnos. Um ministro do gabinete disse que soldados poderiam atirar de maneira legítima contra esses artefatos se estes colocarem em risco a vida de israelenses. 

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Segundo o exército israelense, milhares de pipas e balões incendiários voaram na fronteira desde meados de abril. Como o número de artefatos cresceu, a resposta de Israel se intensificou. Em meados de junho, jatos do exército atingiram dois complexos militares e um depósito de munição pertencente ao Hamas, o grupo islâmico que governa Gaza. A justificativa: "em resposta aos incêndios provocados pelas pipas incendiárias e pelos balões que foram lançados contra Israel." 

"Não importa o que é isso; o importante é o que faz", disse Liberman, que supervisiona as atividades agrícolas em Nir Am. Ele disse que os incêndios causados por balões e pipas causaram mais de US$ 300 mil (R$ 1,17 milhão) em danos ao seu kibutz.  

"Eles estão nos enviando uma mensagem: queimaremos seus campos e talvez você vá embora", disse Liberman. 

Pipas começaram a ser lançadas em abril 

As pipas começaram a ser lançadas em abril, não muito tempo depois de os moradores de Gaza terem realizado a primeira das manifestações semanais exigindo a volta da terra que os palestinos perderam quando Israel foi criada e destacando a crise humanitária enfrentada pela Faixa de Gaza. Israel e Egito impõem um bloqueio terrestre e marítimo ao enclave palestino desde que o Hamas assumiu o poder em 2007. 

Os protestos se tornaram letais, com soldados israelenses matando mais de 120 palestinos e ferindo milhares. As ações de Israel provocaram ampla condenação internacional e aumentaram a raiva dentro de Gaza. 

 "Queremos queimar as plantações dos colonos", disse Ahmed, 17 anos, que levou uma pipa caseira para a fronteira. Ao falar em colonos, ele está se referindo às comunidades israelenses ao longo da fronteira. "Todos os dias eles queimam nossos corações ao matarem e ferirem os jovens. Eles nos torturam." 

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Ahmed disse que os materiais usados para a pipa - madeira, cordas e papel - eram gratuitos. O vento, soprando para do mar Mediterrâneo para o Leste, também trabalha a seu favor. "É um ato simples, aproveitamos o nosso tempo empinando as pipas, e fazemos com que os israelenses sofram como nós. Eles podem pressionar seu governo para possamos viver melhor." 

Murad, de 27 anos, disse que a ideia de usar pipas veio depois de ver crianças brincando com elas . 

"Perguntamos um ao outro: o que você vai fazer hoje?' e então logo respondi: "Vou queimar alguns hectares do outro lado", disse Murad, que não quis dizer seu nome completo por medo de retaliação dos israelenses. "Os jovens não encontram trabalho aqui, e agora o trabalho deles é fazer pipas para queimar terras dentro de Israel." 

Reação do exército israelense

O exército israelense, com seus sistemas de defesa aérea de alto nível, só recentemente teve relativo sucesso em deter os ataques com pipas, adaptando drones que eles possam se prender ao objeto voador e guiá-lo para um ponto específico. "Não é 100% de proteção, mas temos cerca de 90%", disse o coronel Nadav Livne, chefe da unidade de pesquisa e desenvolvimento militar israelense, que desenvolveu a defesa baseada em drones. 

Mesmo assim, algumas pipas estão chegando. Na reserva natural de Be'eri, os danos à floresta e à vida selvagem são extensos, disse Daniel Ben David, diretor regional do Fundo Nacional Judaico de Israel, que cuida da reserva. Cerca de 400 hectares foram destruídos e mais de 450 incêndios aconteceram entre abril e junho. Os restos das pipas, com suas longas caudas feitas de pedaços de papel com escrita árabe, estão espalhados pelo solo queimado. 

"As pipas tem o mesmo efeito do que os foguetes; podem não ter matado ninguém ainda, mas poderiam", disse Ben David. Ele encontrou porcos-espinhos, tartarugas e outras criaturas da floresta mortas entre as árvores carbonizadas. 

"Costumava amar pipas, mas quando você vê o dano que uma pipa pode causar à natureza, ao meio ambiente e ao turismo, você começa a odiá-las", disse ele. 

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"As pessoas em Gaza estão desesperadas, e um vizinho faminto é um vizinho perigoso", disse Adele Raemer, morador do Kibutz Nirim, que fica ao lado da fronteira de Gaza. "Eles não podem entrar, então ao invés de esfaquear, temos balões e pipas. No próximo estágio podem ser drones ou qualquer outra coisa." 

 No Kibbutz Nahal Oz, poucas horas antes do início do shabat (o sábado, dia sagrado dos judeus), a vida parece tranquila mesmo a pouco mais de 1,5 km da fronteira. Os palestinos em Gaza se preparam para o confronto semanal contra as tropas israelenses. Uma grande nuvem de fumaça preta, em forma de cogumelo, causada por pneus em chamas, sobe em direção ao oeste. 

Amir Adler trabalha nos campos do kibutz. Ele vê papagaios e balões todos os dias. "É muito imaginativo usar algo com baixa tecnologia, mas é devastador ver os campos nos quais trabalhamos tão arduamente serem totalmente destruídos", disse ele. "Honestamente, eu não consigo entender como isto faz diferença no protesto deles".

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