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Mulher sem-teto dorme perto do Congresso Argentino em Buenos Aires, em 31 de março de 2021, em meio à pandemia de Covid-19
Mulher sem-teto dorme perto do Congresso Argentino em Buenos Aires, em 31 de março de 2021, em meio à pandemia de Covid-19| Foto: JUAN MABROMATA/AFP

A pandemia de Covid-19 aumentou a pobreza na Argentina em 2020, que agora atinge pelo menos 42% da população do país, ou 19 milhões de pessoas, segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina). Ao menos 10,5% da população vive em situação de indigência, sem renda suficiente para comprar uma cesta básica de alimentos para o mês.

Outro dado preocupante trazido pelo relatório do Indec: considerando a faixa etária, crianças entre 0 e 14 anos são a população mais afetada pela pobreza na Argentina. Mais da metade delas (57,7%) são pobres, ou seja, cerca de seis milhões de crianças, das quais mais de 1,7 milhão (15,7%) vivem em situação de indigência no país, segundo estimativas.

Ao fim de 2019, o índice de pobreza na Argentina era de cerca de 35,5%, mas os efeitos econômicos da pandemia empurraram quase três milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza ao longo de 2020. Especialistas pressupõem que a situação atual deve ser ainda pior, porque no último trimestre do ano passado houve suspensão de programas de auxílios emergenciais da pandemia, acompanhado de uma forte inflação.

Agustín Salvia, diretor do Observatório da Dívida Social da UCA, contou ao jornal Àmbito que o quarto trimestre de 2020 viu um índice de pobreza ainda maior, de 45%, já que, embora tenha ocorrido uma certa recuperação econômica no fim do ano, os programas sociais emergenciais foram suspensos, a inflação aumentou com força e os empregos gerados não tinham o mesmo nível de qualidade dos empregos perdidos durante a pandemia. A Argentina fechou 2020 com um índice de desemprego de 11%, ante 8,9% do ano anterior.

Importante frisar que a Argentina calcula o índice de indigência e de pobreza de acordo com a capacidade das famílias de acessar a cesta básica alimentar (conjunto de alimentos e bebidas que satisfazem os requisitos nutricionais, calóricos e proteicos) e a cesta básica total (que inclui também itens como vestimenta, transporte, educação, saúde, moradia, entre outros), respectivamente.

No segundo semestre de 2020, os custos destas cestas básicas aumentaram cerca de 16% na média do país, enquanto a renda média familiar aumentou apenas 8,5%, o que ajuda a explicar, segundo o Indec, o aumento da taxa de pobreza na Argentina como um todo. Esse descompasso entre inflação e renda também mostra que a situação das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza piorou neste período.

De acordo com o Indec, a renda média mensal das famílias pobres no segundo semestre de 2020 era de 29,5 mil pesos (cerca de R$ 1,8 mil, considerando uma família composta por um casal e dois filhos) e a cesta básica total era de 50,8 mil pesos (cerca de R$ 3,1 mil). Essa renda média mensal de 29,5 mil pesos estava só um pouco acima do custo da cesta básica alimentar, que em novembro, por exemplo, custava 21 mil pesos (aproximadamente R$ 1.200) para uma família de quatro pessoas.

Esta relação entre renda e preços explica por que picos de pobreza são observados na Argentina ao longo das últimas décadas. Federico de Cristo, professor da faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Austral (Pilar-Argentina), explica que cada vez que há uma grande desvalorização da moeda e aumenta a inflação, essa disparada da pobreza ocorre porque muitas pessoas que estão em dificuldade financeira transitória são incluídas no índice de pobreza. “Então pode acontecer que abaixo da linha da pobreza se encontre uma família que tenha casa própria, que tenha carro e um nível de vida razoável. Mas que transitoriamente tenha um problema de renda. Alguém desta família pode ter ficado desempregado, por exemplo”, exemplificou.

Portanto, a tendência é que a quantidade de argentinos pobres diminua assim que os índices de inflação e câmbio se estabilizarem e o poder de compra seja recuperado. O problema, segundo apontou Flávio González, professor de Direito da Universidade de Buenos Aires, é que quando acontecem esses saltos de pobreza, nem todo mundo que foi empurrado para baixo da linha de pobreza durante a crise consegue sair dela quando a situação se normaliza. “A pobreza estrutural dá saltos em cada crise econômica”, disse.

Em um texto para o Infobae, o jornalista argentino Eduardo Alucindo lembrou que depois da crise de 1989, quando a pobreza atingiu 50% da população argentina, o índice nunca mais ficou abaixo dos 20%. Fenômeno semelhante ocorreu após a crise de 2001, que elevou a taxa de pobreza a 58%. Depois disso, o número de pobres não baixou de 25% da população. “Não parece arriscado presumir que talvez o piso esteja agora se consolidando em cerca de 30% ou mais”, escreve o jornalista. “Esse é o sinal mais alarmante, porque marcaria uma escala maior e mais consolidada de pobreza estrutural”.

Em entrevista à rádio El Destape nesta quarta-feira, o ministro de Desenvolvimento Social da Argentina, Daniel Arroyo, afirmou que o nível de pobreza estrutural do país está na casa dos 30%. “A Argentina tem uma pobreza estrutural de 30 pontos e se amanhã (...) a economia voa, a pobreza cai para 30% e aí fica estagnada”, disse.

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