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Veículos queimados após incêndio ter destruído totalmente a cidade de Paradise, na Califórnia | David Paul Morris/Bloomberg
Veículos queimados após incêndio ter destruído totalmente a cidade de Paradise, na Califórnia| Foto: David Paul Morris/Bloomberg

Meses antes de incêndios devastadores causarem estragos na Califórnia, bombeiros de toda a Europa foram à Suécia, à medida que autoridades lutavam para acabar com grandes incêndios. Funcionários do país, um dos mais verdes do continente, ficaram tão desesperados que pediram à Força Aérea para soltar, através de um jato, uma bomba no foco do incêndio para vedar o oxigênio. 

A estratégia falhou e o fogo continuou por semanas. Mas a poucas centenas de quilômetros de distância, na vizinha Finlândia, autoridades se preocupavam com um problema bem diferente (e inusitado): a falta de incêndios florestais. “Do ponto de vista da natureza, a diversidade de espécies e habitats sofrem muito poucos incêndios”, concluiu a Associação da Floresta Finlandesa em um relatório. 

Na Suécia, autoridades se frustraram com a ‘sorte’ do país vizinho: mapas meteorológicos mostraram que ambos sofreram o mesmo calor raro e extremo durante o último verão. 

Vistas do espaço, as diferenças se mostram impressionantes. Enquanto todos os países vizinhos da Finlândia, incluindo a Rússia, lutavam contra incêndios, o céu finlandês estava livre de fumaça. 

Os pesquisadores, no entanto, esclareceram que isso não foi exatamente sorte. A verdade é que a Finlândia tem uma das estratégias mais bem-sucedidas do mundo para combater incêndios florestais, e que agora está sendo melhor examinada por outras nações recentemente afetadas por incêndios em larga escala. 

Nos últimos dias, contudo, o presidente Sauli Niinisto se viu forçado a esclarecer que essa estratégia não consiste apenas em ‘varrer as florestas’. Ele estava contradizendo o presidente dos EUA, Donald Trump, que disse, enquanto visitava áreas afetadas por incêndios na Califórnia, que autoridades finlandesas “gastaram muito tempo varrendo, limpando e fazendo outras coisas e, por isso, o país não tem nenhum problema”. "É necessário cuidar do chão, você conhece o chão das florestas, é muito importante", disse Trump. 

O presidente finlandês confirmou ter discutido sobre prevenção de incêndios florestais com Trump, mas rejeitou que a questão da ‘varredura’ tenha sido considerada. O serviço florestal da Finlândia realiza queimadas controladas no solo das florestas, principalmente para limpar arbustos e também impulsionar novas mudas. 

Incêndios na Califórnia

Porém, pesquisadores não têm certeza se a abordagem que o país adota pode realmente ter alguma lição para a Califórnia, já que algumas partes da Finlândia estão perto do Círculo Ártico, onde ocorrem períodos prolongados de chuva e neve. Enquanto a precipitação abaixo da média ainda é exceção na Finlândia, na Califórnia isso se tornou normal. 

Permitir algumas queimadas e eliminar a vegetação rasteira também faz parte da política florestal federal da Califórnia. Na verdade, algumas das áreas atingidas nos últimos incêndios já haviam sofrido queimadas 10 anos antes, de modo que não houve uma grande acumulação de vegetação rasteira. 

Vídeo: casal escapa das chamas ao deixar cidade destruída pelo Camp Fire

O fator chave em relação à vulnerabilidade da Califórnia aos incêndios (e resistência da Finlândia) parece ter a ver com o clima. Os dois países estão em trajetórias muito diferentes, já que os cientistas finlandeses preveem que o número anual de dias com risco de incêndios aumentará até 10% em 2100. Segundo estimativas, os incêndios florestais podem queimar quase 80% mais áreas na Califórnia em 2050 do que neste momento. 

Exemplo para os vizinhos

A Finlândia oferece, no entanto, um bom exemplo aos seus vizinhos nórdicos. O país conseguiu fazer com que a área destruída anualmente por incêndios, que era mais de mil quilômetros quadrados há um século, se tornasse menos de 1% desse valor. Podemos comparar os números com a situação da Suécia, que perdeu quase 250 quilômetros quadrados neste verão. 

"A diferença entre os dois países nórdicos não é explicada pela vegetação ou pelo clima", explicou a Associação Florestal da Finlândia, "mas acredita-se que seja baseada em diferenças de infraestrutura e manejo florestal". 

Pesquisadores dizem que a Finlândia tem uma rede de estradas muito maior do que outros países da região, e isso é uma barreira para a expansão dos incêndios. Lagos e rios são abundantes também. Com muitos dos incêndios na Califórnia acontecendo perto de centros populacionais nos últimos dias, a falta de estradas, provavelmente, não é um problema. 

Leia também: Existe relação entre os megaincêndios da Califórnia e as mudanças climáticas?

Talvez a diferença mais marcante da Califórnia seja de natureza histórica: hoje, o norte da Europa é mais verde do que há 100 anos, enquanto a Califórnia perdeu cerca de metade de suas grandes árvores. A necessidade de madeira na era medieval e industrial da Europa transformou antigas áreas florestais em pradarias, especialmente no sul da Finlândia. 

Quando o reflorestamento se tornou uma preocupação mais séria, a Finlândia dividiu as florestas em pequenos compartimentos. Um dos efeitos colaterais disso foram menos incêndios florestais, já que as chamas geralmente não se espalham para além de um único compartimento, com bordas geralmente marcadas por caminhos largos ou por árvores de diferentes alturas. 

Embora essa abordagem possa funcionar em outros países europeus com histórias semelhantes, a mudança climática na Califórnia, com seu aquecimento cada vez maior, é um desafio que o estado não pode enfrentar sozinho. 

Rick Noack é repórter de assuntos internacionais e cobre questões de segurança internacional e da Europa no escritório do Washington Post em Berlim. Também trabalhou para o Post de Washington e Londres enquanto foi bolsista da Arthur F. Burns Fellowship.

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