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Após uma jornada de 14 horas de debate e votação no Congresso, Pedro Pablo Kuczynski, o presidente do Peru, conseguiu se manter no cargo | SeongJoon Cho/Bloomberg
Após uma jornada de 14 horas de debate e votação no Congresso, Pedro Pablo Kuczynski, o presidente do Peru, conseguiu se manter no cargo| Foto: SeongJoon Cho/Bloomberg

A vizinhança do bairro nobre de San Isidro, em Lima, estava em festa na madrugada desta sexta-feira (22). Ouviam-se buzinas e o coro de "fique, PPK", enquanto diante de uma das casas, uma grupo de apoiadores aplaudia um homem alto, de 79 anos, que pulava e dançava de modo desajeitado. 

Era Pedro Pablo Kuczynski, o presidente do Peru, que após uma jornada de 14 horas de debate e votação no Congresso, havia conseguido se manter no cargo.  

PPK (como é conhecido) livrou-se de ser afastado da Presidência por apenas nove votos, após uma moção de vacância ter sido aberta contra ele por suposto envolvimento de sua empresa Westfield Capital no esquema de corrupção da construtora brasileira Odebrecht.  

Dancinha  

Ao pedir a votação da moção de vacância, o partido fujimorista (Força Popular), a Frente Ampla (esquerda) e outros partidos pareciam ter mais do que os 87 votos necessários para remover o presidente.  

Nos últimos dias, porém, alguns parlamentares se convenceram de que sua saída poderia ser mais negativa do que positiva.  

Analistas ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo concordam que as principais razões foram a divisão da esquerda após o pronunciamento de PPK em cadeia nacional na quarta-feira (19) e o comportamento de Kenji Fujimori, filho do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) que, rebelado contra a irmã e presidente do Força Popular, Keiko, agiu para proteger PPK.  

Ao final, em apoio a moção, votaram 79 deputados, 19 foram contra e houve 21 abstenções.  

Racha esquerdista  

Desde a eleição presidencial de 2016, a Frente Ampla (esquerda) havia rachado e tem um grupo dissidente, que recolhe assinaturas para formar um partido, o Novo Peru. Foram os dez congressistas dessa agrupação que se levantaram em bloco pouco antes da votação, dando o primeiro empurrão para a salvação de PPK.  

Ao longo de toda a tarde de quinta-feira (21), foi possível observar intensos debates nos corredores do Congresso, do lado de fora do recinto parlamentar. Alguns esquerdistas, como Alberto Quintanilla, admitiam que estavam sob o impacto da fala de PPK no dia anterior.  

Nela, o presidente agradecia a fidelidade dos vices, mas pedia que, caso ele fosse afastado do cargo, que ambos renunciassem, "porque nenhum governo legítimo nascerá desse golpe".  

A mensagem continha claramente uma ameaça. Afinal, segundo a Constituição, em caso de vacância do mandatário e de renúncia dos vices, quem deve assumir é o líder do Congresso. E este é, hoje, nada menos que um membro do "núcleo duro" do fujimorismo, Luis Galarreta.  

Um dos líderes da esquerda, Marco Arana, sinalizou o recuo de sua bancada no fim do dia: "PPK não é digno, mas tampouco podemos permitir que o fujimorismo fique com o poder."  

Racha fujimorista  

Já Kenji Fujimori acabou sendo um protagonista inesperado. Desde 2016, vem se afastando da irmã, e queria ter sido ele o candidato à Presidência. Desde então, vem sabotando ações de Keiko. O pai de ambos, o ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) também anda às turras com a filha, a quem culpa por sua derrota eleitoral para PPK.  

Pois Kenji, nos últimos meses, vem coordenando a negociação com o presidente para que este conceda um indulto ao pai, preso desde 2009, condenado por crimes contra os direitos humanos e corrupção.  

Foi por conta disso que Kenji se rebelou contra a ordem do partido de votar em bloco pela vacância de PPK. Era possível ve-lo pelos cantos do plenário sendo pressionado por outros fujimoristas, que falavam com ele de dedo em riste.  

Com seus modos mais suaves, porém, Kenji também foi costurando ao longo do dia sua rede de apoios. Com isso, dez parlamentares fujimoristas desertaram da ordem de Keiko e também se abstiveram de votar.  

Na sexta-feira (22), os líderes da Força Popular estudavam medidas de advertência e de punição aos parlamentares que seguiram Kenji.  

O resultado da conjunção dessas duas divisões, a da esquerda e a do fujimorismo, acabaram salvando PPK.  

Para o constitucionalista Samuel Abad, "essa votação ficará como lição. Tentaram tirar o presidente como se ele fosse um primeiro-ministro e o Peru, um regime parlamentarista. Fizeram um uso equivocado da lei", explica.  

"A vacância foi pensada para afastar do cargo mandatários com incapacidade física. Colocaram 'incapacidade moral' no texto como uma forma elegante de dizer isso. Mas a vacância jamais foi pensada para punir eventuais delitos de corrupção, isso deve correr por outra via."  

Desafios do futuro  

Apesar de ter se livrado da vacância, o presidente peruano está longe de ter seus próximos três anos de mandato tranquilos. Com uma popularidade em queda (18%), terá, antes de mais nada, que tentar aproveitar esse momento de redesenho do Congresso para chegar a uma configuração mais a seu favor.  

Afinal, o parlamento com maioria fujimorista já tinha feito com que cinco ministros e um primeiro-ministro fossem afastados, além de ver emperrados vários projetos de lei.  

Para Ricardo Dargent, da Universidade Católica do Peru, "este é o momento de PPK construir alianças, coisa que nunca soube fazer. Tem uma chance agora, apesar de muitos peruanos já não acreditarem mais que ele esteja a altura dessa tarefa."  

Seu segundo desafio será salvar-se das acusações de corrupção. Mesmo tendo se livrado da vacância, PPK segue devendo explicações à Justiça sobre seu suposto envolvimento no esquema de subornos da Odebrecht.  

Ele mesmo admitiu ao Congresso "não ter podido trazer um conjunto maior de documentos" que provassem sua inocência. Na semana que vem, seu sócio, em quem o presidente colocou toda a responsabilidade por ter negociado com a Odebrecht, o chileno Gerardo Sepúlveda, virá ao país para depor. 

PPK terá de provar, ainda, que de fato não vem intervindo na gestão da Westfield Capital, que continua gerando dividendos, depositados em conta do mandatário nos EUA. E, ainda, que os contratos entre a Westfield e a Odebrecht não contêm nenhuma irregularidade.  

Por fim, resta o indulto a Fujimori, que parece iminente por ter sido a moeda de troca pelo apoio de Kenji e seu grupo. Um passo já havia sido dado, quando, a pedido de PPK, uma junta médica avaliou o ex-mandatário de 79 anos, no último dia 17.  

A conclusão desse exame sugeria um "indulto humanitário", uma vez que ele padece de doença "terminal e degenerativa", e que suas condições vêm piorando "devido às condições de encarceramento", segundo o boletim da junta médica.  

PPK já vem falando do indulto em entrevistas recentes. Mas o presidente sabe que, no momento em que tomar a decisão, perderá o pouco apoio que ainda tem da centro-esquerda e da esquerda.  

"Por outro lado, parte dela já entendeu que sem esse indulto, o país será ingovernável. Já não me parece tão grave que ele o conceda agora", disse o jornalista Gustavo Gorriti, ele mesmo uma vítima de Fujimori, uma vez que foi preso durante sua gestão.

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