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Ao transferir a embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém, em maio, o presidente Donald Trump estaria acelerando o início do Juízo Final? Para milhares de eleitores evangélicos americanos, a resposta é sim. A lógica que baseia esse raciocínio é simples: segundo interpretações literais do livro bíblico do Apocalipse, Jesus Cristo vai retornar para assumir o trono que pertenceu ao rei Davi, em Jerusalém. A partir dali, governará a terra por mil anos. Para que isso aconteça, é fundamental que Israel e sua cidade sagrada estejam sob o controle de judeus, com o apoio de cristãos. Segundo essa teoria, neste momento os judeus terão que aceitar Jesus e se tornar cristãos. 

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No Brasil, uma parcela dos fieis – e eleitores – evangélicos segue o mesmo tipo de pensamento. É em coerência com eles que o candidato à Presidência pelo Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, vem se manifestando a favor de Israel. Ele já afirmou que é para lá que ele vai em sua primeira visita oficial, caso seja eleito. Também declarou que pretende seguir o exemplo de Trump, transferindo a embaixada brasileira para Jerusalém., como já anunciaram Paraguai e Guatemala. Bolsonaro também promete retirar a Embaixada da Palestina de Brasília. 

Dispensacionalismo 

A ideia de que Israel é um assunto pertinente para qualquer cristão surgiu no século 19. Até então, em geral, as principais denominações do cristianismo consideravam que, ao se recusar a aceitar Cristo como o filho do Criador, os judeus haviam perdido o caráter de povo escolhido por Deus. Os próprios cristãos haviam assumido o posto de eleitos. Quando lutava pelo controle da região de Israel, como aconteceu na Idade Média com as Cruzadas, a comunidade cristã o fazia para tomar a terra para si, e não para apoiar os judeus. Aliás, parecia uma confirmação desse pensamento o fato de que os judeus passaram muitos séculos em diáspora, sem ter controle sobre seu antigo território. 

Ao longo de sua história, o território de Israel foi dominado por babilônios, persas, selêucidas, romanos, bizantinos, otomanos e britânicos, entre outros povos. Até a fundação de um Estado autônomo, em 1948, a última vez em que a região havia abrigado um território judeu independente aconteceu no período entre 140 a.C. e 63 a.C. E Jerusalém, a capital mundial de judeus e cristãos – e uma cidade especialmente importante para muçulmanos –, só foi retomada por inteiro (e de forma contestada pela comunidade internacional) por Israel em 1967. 

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Nada disso ainda era realidade na década de 1840, quando o pastor inglês John Nelson Darby fundou as bases do dispensacionalismo. O nome complicado é inspirado na expressão em latim para “administração” e faz referência a uma teologia que divide a história em diferentes períodos, de acordo com a maneira como o Criador lidou com a humanidade. A corrente conclui que Cristo só vai voltar à terra se Jerusalém estiver longe do controle de outras religiões, o que transforma a defesa de uma Israel judaica e independente uma tarefa cristã. 

Grupos de evangélicos ingleses levaram essa missão adiante, principalmente no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, em que o território, chamado então de Palestina, pertencia ao Império Britânico. Já os americanos se aproximaram com mais disposição depois da década de 1950. 

“Os evangélicos que seguem o dispensacionalismo acreditam que os judeus precisam retornar a Israel antes que Jesus Cristo desça dos céus para estabelecer um reinado de mil anos na Terra”, explica o historiador americano John Fea, professor da Faculdade Messiah, da Pensilvânia e autor do livro Believe Me – The Evangelical Road to Donald Trump [Acredite em Mim – O Caminho Evangélico para Donald Trump, sem edição em português]. 

“Ao longo do século 20, alguns evangélicos americanos acompanharam de perto os desdobramentos do Oriente Médio”, ele continua. “Eles acreditavam que o estabelecimento de Israel em 1948 foi parte dessa profecia bíblica. Muitos evangélicos acreditam que Deus está usando os Estados Unidos e o presidente Trump para levar adiante seu plano divino para o mundo”, diz.

Grupos de apoio 

Gradualmente, o dispensacionalismo se tornou muito popular – a série de livros e filmes Deixados para Trás, por exemplo, segue essa teologia ao pé da letra. A teoria também assumiu ares de política de Estado para alguns gestores americanos. A pastora da Flórida Paula White, considerada mentora espiritual do atual presidente americano, reagiu com satisfação à mudança da embaixada americana: “Os evangélicos estão eufóricos, porque Israel é para nós um lugar sagrado e os judeus são nossos amigos queridos”, declarou.

O ex-governador de Arkansas, Mike Huckabee, e o ex-governador de Indiana e atual vice-presidente americano, Mike Pence, também consideram que Israel deve ser defendida por motivos religiosos. 

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“Os Estados Unidos têm apoiado Israel, econômica e militarmente, desde a fundação. Israel também recebe mais doações de cidadãos americanos do que qualquer outro país do mundo”, afirma Gary Burge, professor do Seminário Teológico Calvin, em Grand Rapids, Michigan.

“Toda vez que tivemos presidentes conservadores e religiosos, como George W. Bush, o governo americano viu Israel através de lentes bíblicas”, diz. 

O movimento de evangélicos em defesa de Israel é expressivo em países de maioria cristã – isso ajuda a explicar, por exemplo, por que o livro Jesus está Voltando, do americano William E. Blackstone, foi traduzido para 42 idiomas desde sua primeira publicação, em 1878. Já naquela época, Blackstone visitou Israel e tentou facilitar a instalação de colonos judeus na Terra Santa. Um casal de amigos dele, Horatio e Anna Spafford, chegaram a instalar uma residência em Jerusalém, que deu origem a uma colônia cristã informal na cidade. A experiência se estendeu a novas gerações e a casa funcionou como um centro cristão durante cinquenta anos. 

Rio Jordão 

É nesse contexto que Jair Bolsonaro acena para Israel. Segundo Fea, uma parcela considerável da população evangélica do Brasil segue a tendência do dispensacionalismo. Além disso, fieis costumam fazer doações para missões cristãs naquela região, e as iniciativas de políticos evangélicos brasileiros a favor dos israelenses são amplas. 

Liderado pelo deputado evangélico Jony Marcos, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), o Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel realiza palestras e seminários em defesa dos judeus que vivem na Terra Santa. Existem dezenas de grupos parecidos com este – é o caso do Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócios e a Comunidade Brasil-Israel, liderado pela pastora Jane Silva. 

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Além disso, excursões de evangélicos brasileiros para Israel são corriqueiras. Foi durante uma dessas viagens que, em 2016, enquanto o Senado brasileiro debatia o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, Bolsonaro foi batizado no Rio Jordão, o mesmo onde Jesus foi, segundo a Bíblia, batizado por João Batista. 

Quem conduziu a cerimônia foi o pastor e deputado Everaldo Dias Pereira, presidente do Partido Social Cristão (PSC). Depois de responder “sim” a cinco perguntas sobre Cristo, o atual candidato à presidência foi submergido na água do rio. Ao trazê-lo à tona, Everaldo brincou: “peso pesado”. 

“Jerusalém é nossa capital” 

Americano que vive em Israel desde 2004, o judeu ortodoxo Jonathan Feldstein organiza doações para missões evangélicas na Terra Santa. A Gazeta do Povo fez três perguntas ao escritor: 

O senhor concorda com a mudança da embaixada americana para Jerusalém? 

O presidente Trump tem demonstrado um nível de apoio que é único, e muito corajoso, no sentido de que ele não tem se preocupado com a reação diplomática de outros países. Sou grato ao que ele fez, porque Jerusalém é nossa capital desde que foi estabelecida assim pelo rei Davi. Não reconhecer esse fato seria uma injustiça. Um dos motivos para a mudança não ter acontecido antes era o medo da reação. E deixar de agir por medo das consequências é dar poder ao terrorismo. 

Por que a defesa de Israel para os judeus é importante para os cristãos? 

Essa é uma agenda da comunidade cristão de todo o mundo, inclusive do Brasil, com iniciativas muito variadas. Neste momento estou organizando, por exemplo, a Run for Tzion, uma maratona que vai ser realizada dentro de Jerusalém. 

Existe alguma chance de árabes e judeus chegarem a um consenso? 

Não enxergo uma paz formal entre Israel e os vizinhos nas próximas décadas. O problema é que a liderança árabe passou décadas questionando a legitimidade da própria existência de Israel, o que dificulta qualquer tentativa de diálogo. Mas, se você olha para o interior do país, existe um nível surpreendente de convivência e respeito, o que sugere que poderia haver uma coexistência pacífica.

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