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O presidente da China, Xi Jinping (Reprodução/Governo Chinês/Fotos Públicas)
O presidente da China, Xi Jinping (Reprodução/Governo Chinês/Fotos Públicas)| Foto:

No dia 29 de maio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que o país estaria encerrando suas relações com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Um dos motivos apontados por Trump foi que a China estaria à frente das decisões do órgão, ainda que o financiamento destinado por Pequim à agência fosse menor do que aquele por parte dos EUA – entre 2018 e 2019, a contribuição total de Washington para a organização foi de US$ 893 milhões. Já em 7 de julho, o presidente norte-americano anunciou que havia iniciado a retirada formal do país da OMS.

Os indícios de que a influência da China sobre a OMS vem crescendo estão aos olhos de todos. No fim de janeiro, ao se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, na capital do país, o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom, agradeceu pelos esforços feitos pelo governo do país para controlar a epidemia de Covid-19 e elogiou a liderança do Partido Comunista (PCC) pelo “compartilhamento de informações” sobre a nova doença.

Um tempo depois, porém, um documento do próprio PCC apontou que Xi Jinping escondeu informações sobre as infecções por coronavírus da população por duas semanas. Ele sabia da epidemia desde 7 de janeiro, mas só falou publicamente sobre o assunto no dia 20 do mesmo mês. Esse período foi crucial para a disseminação do vírus em Wuhan, onde a epidemia começou.

Importante salientar o aumento da participação chinesa no financiamento da OMS. A agência é financiada de duas formas: as contribuições obrigatórias dos Estados membros, que variam de país para país, e as contribuições voluntárias – doações de governos e instituições de caridade, por exemplo. Nos últimos anos, a destinação de recursos por parte da China ao órgão tem aumentado. Quanto às contribuições voluntárias de Pequim, a quantia saltou de US$ 8,7 milhões em 2014 para cerca de US$ 10,2 milhões em 2019.

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O que também chama atenção é o fato de a primeira-dama chinesa, Peng Liyuan, ser “embaixadora da boa vontade” da OMS há nove anos, indicada pela ex-diretora-geral do órgão, a doutora chinesa Margaret Chan. Em 2019, a posição da mulher de Xi Jinping no órgão foi renovada por mais dois anos por Tedros Adhanom.

Na Assembleia Geral da ONU, Trump voltou a criticar os estreitos laços entre a China e a OMS.

"Precisamos responsabilizar a nação que soltou esta praga no mundo: a China", disse, em comentários gravados na segunda-feira (21), na Casa Branca, e entregues remotamente à Assembleia Geral, por conta da pandemia. "O governo chinês e a Organização Mundial de Saúde, que é virtualmente controlada pela China, falsamente declararam que não havia evidência de transmissão entre humanos".

Interesse maior

Na assembleia de 2020 da OMS, em maio, Xi disse, novamente, que a China agiu com transparência na condução da pandemia. Ele também aproveitou para oferecer ajuda para melhorar a infraestrutura de saúde de países africanos. Mas não foi por ser “bonzinho” que o presidente chinês citou, especificamente, as nações da África. Sua fala foi mais do que estratégica.

“O alvo principal do discurso de Xi Jinping [na assembleia da OMS] é o 'Sul global' e, mais especificamente, o continente africano. O terreno perdido nas democracias ocidentais em meio à pandemia será difícil de reconquistar. Entretanto, em termos de influência global, o papel global do [Hemisfério] Sul e da África é vital para a China”, escreve a cientista política Valérie Niquet, da Foundation for Strategic Research.

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A verdade é que o interesse e a influência chinesa na OMS fazem parte de uma manobra maior de Pequim, que busca uma governança global inclinada a uma orientação menos liberal e que privilegie os interesses de autocratas como Xi Jinping. Também na assembleia da OMS, o presidente chinês anunciou uma doação, ao longo de dois anos, de US$ 2 bilhões à Organização das Nações Unidas (ONU). O valor é similar ao débito que os EUA têm com o órgão.

Uma série de agências da ONU têm chineses em sua liderança. A Agência de Alimentos e Agricultura é comandada por Qu Dongyu, ex-vice-ministro da Agricultura e Assuntos Rurais da China. Já a União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação, organização internacional mais antiga do mundo, tem Houlin Zhao como secretário-geral, posto crucial na “guerra fria tecnológica” pela tecnologia 5G que o mundo tem presenciado.

Outro chinês que ocupa um cargo-chave na ONU é Liu Zhenmin, ex-vice-ministro de Relações Exteriores do país, nomeado Subsecretário-Geral para Assuntos Econômicos e Sociais por António Guterres, secretário-geral da ONU, em 2017. Já Fang Liu é a secretária-geral da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), agência da ONU que trata dos princípios e técnicas da navegação aérea internacional.

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O pesquisador de Assuntos Regulatórios Internacionais Brett D. Schaefer, da Heritage Foundation, diz que, nos últimos meses, ficou claro que o interesse da China não é apoiar o sistema internacional, ainda que essa cooperação possa salvar vidas, mas agir em benefício próprio.

“A experiência da China, da OMS e da Covid-19 deve deixar o mundo sem ilusões. Como diz o ditado, ‘a crise revela o caráter’ (...). A China quer uma coisa: minar, cooptar e remodelar o sistema internacional para promover os interesses chineses. Se Pequim tiver sucesso, não serão apenas os EUA que sofrerão”, alerta.

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