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Membro das forças de segurança curdas faz vigia durante protesto de curdos da Síria contra ameaças da Turquia, em Ras al-Ain, próximo à fronteira entre os países
Membro das forças de segurança curdas faz vigia durante protesto de curdos da Síria contra ameaças da Turquia, em Ras al-Ain, próximo à fronteira entre os países| Foto: Delil SOULEIMAN / AFP

O governo dos Estados Unidos afirmou nesta segunda-feira (7) que começou a retirar as tropas americanas do norte da Síria, abrindo caminho para a Turquia lançar uma ofensiva no norte da Síria, que o país já ameaçava há tempos. A preocupação é de que essas ações possam esmagar os combatentes curdos aliados dos EUA na região.

A medida do governo Trump provocou indignação, e críticos disseram que os Estados Unidos estavam abandonando um parceiro fiel que era parte integrante da derrota do Estado Islâmico na Síria.

Esses combatentes curdos são a espinha dorsal das Forças Democráticas Sírias (FDS), aliadas dos EUA, que foram formadas em 2015 como parte da campanha contra o Estado Islâmico. A Turquia, que há décadas luta contra uma insurgência curda dentro de suas fronteiras, sempre viu as forças curdas na Síria como uma ameaça, mesmo sendo oposta ao Estado Islâmico.

O presidente Donald Trump pareceu lavar as mãos em relação à delicada situação na segunda-feira. "Os curdos lutaram conosco, mas receberam enormes quantias de dinheiro e equipamentos para isso. Eles têm lutado contra a Turquia há décadas. Eu detive essa luta por quase três anos, mas é hora de sairmos dessas ridículas guerras sem fim, muitas delas tribais, e trazer nossos soldados para casa. Lutaremos onde é para o nosso benefício, e somente lutaremos para vencer ", disse pelo Twitter.

Mais tarde na segunda-feira, Trump alertou contra a agressão da Turquia. "Como já afirmei categoricamente antes, e apenas para reiterar, se a Turquia fizer algo que eu, em minha grande e inigualável sabedoria, considere estar fora dos limites, destruirei e obliterarei totalmente a economia da Turquia", disse ele pelo Twitter.

Nova aliança

Em outubro de 2015, quando o Estado Islâmico estava obtendo grandes ganhos territoriais na Síria, a Unidade de Proteção do Povo Curdo (YPG) se uniu a vários grupos árabes para formar as FDS e combater o grupo militante.

A nova aliança recebeu armas dos Estados Unidos e foi apoiada por outros países ocidentais, incluindo Reino Unido, França e Itália.

Os Estados Unidos estavam navegando em terrenos difíceis: o país queria ajudar as milícias da região que estavam combatendo o Estado Islâmico, mas sua assistência generosa ao YPG deixou o governo turco apreensivo, preocupado com o fato de os militares dos EUA estarem fortalecendo um grupo curdo com ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, que o presidente turco Recep Tayyip Erdogan vê como uma organização terrorista. Durante décadas, o PKK empreendeu uma insurgência na Turquia em nome da independência curda.

Os Estados Unidos esperavam que a composição das FDS, que eram dominadas pelo YPG, mas também incluía grupos árabes, aliviasse as preocupações da Turquia. Essa estratégia era inerentemente falha, no entanto, dado que era mais um exercício de mudança de nome do que uma mudança na ideologia. Em 2017, o general Raymond Thomas, que liderava o Comando de Operações Especiais dos EUA na época, descreveu como as FDS ganharam esse nome.

As forças armadas dos EUA, observando a hostilidade da Turquia contra o YPG, foram à milícia curda e disseram: "Vocês precisam mudar a sua marca. Como vocês se chamam além de YPG?" de acordo com Thomas. "Em cerca de um dia, eles declararam que eram as Forças Democráticas da Síria".

O YPG e seus aliados pró-curdos continuaram sendo a força dominante nas FDS, e a Turquia continuou descontente com o apoio dos EUA à aliança. Os Estados Unidos rejeitaram as preocupações da Turquia em nome do combate ao Estado Islâmico.

Em 2016, as forças armadas dos EUA estavam ajudando as operações das FDS contra o Estado Islâmico com ataques aéreos e mandaram as Forças Especiais dos EUA treinar combatentes e incorporar-se ao grupo. As FDS estavam provando ser um aliado extraordinário.

O grupo garantiu vitórias importantes nas principais fortalezas do Estado Islâmico - a cidade de Manbij em 2016; a cidade de Raqqa, capital auto-declarada da Síria do Estado Islâmico, em 2017; e, em 2019, a cidade de Baghouz, uma conquista que oficiais militares dos EUA disseram ter marcado o fim do domínio territorial do Estado Islâmico.

Mas a rejeição da Turquia à aliança EUA-FDS lançou uma sombra sobre essas vitórias, e fez muitos se perguntarem por quanto tempo as forças armadas dos EUA desafiariam um aliado da OTAN e continuariam apoiando os curdos. Essa resposta veio na segunda-feira, quando os Estados Unidos começaram a retirar suas tropas da fronteira da Síria com a Turquia, provocando temores de que os militares turcos atacassem os mesmos curdos que ajudaram a construir a derrota do Estado Islâmico.

Brett McGurk, ex-enviado de Trump na luta contra o Estado Islâmico, disse que a decisão do presidente é um exemplo de como Trump "deixa nossos aliados expostos quando os adversários revelam seu blefe ou ele confronta um telefonema duro". Trump havia conversado com Erdogan por telefone antes de tomar a decisão de retirar as tropas dos EUA.

McGurk também comentou que a Casa Branca havia declarado falsamente que os Estados Unidos estavam mantendo combatentes do Estado Islâmico em campos. "Todos eles estão sendo mantidos pelas FDS, que Trump acabou de servir à Turquia", disse ele.

As FDS gerenciam o campo de al-Hol no norte da Síria. O campo tem capacidade para 70 mil pessoas deslocadas pela guerra contra o Estado Islâmico. Cerca de 30 mil delas permanecem leais ao grupo militante.

A ordem de Trump também enviou uma mensagem assustadora aos aliados dos EUA em todo o mundo, disseram especialistas em segurança nacional.

"Bem, pelo menos o governo Trump é consistente. Estamos prestes a ferrar nossos aliados, parceiros e amigos. Não confie nos Estados Unidos, mesmo que você derrame sangue por eles", tuitou John Sipher, ex-funcionário da CIA.

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