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Em Cangahua, ao norte de Quito, uma senhora deposita seu voto na urna do referendo proposto pelo presidente Lenin Moreno | JUAN RUIZAFP
Em Cangahua, ao norte de Quito, uma senhora deposita seu voto na urna do referendo proposto pelo presidente Lenin Moreno| Foto: JUAN RUIZAFP

Quando Rafael Correa, o combativo presidente socialista do Equador, decidiu não concorrer às eleições presidenciais de seu país em 2017, o movimento foi amplamente interpretado como uma retirada tática.

A estratégia, segundo analistas, era deixar o seu protegido Lenin Moreno esquentando a cadeira da presidência por um único mandato - e assumindo a culpa pela recessão econômica do país - enquanto a taxa de aprovação de Correa se recuperava antes de um retorno triunfante nas eleições de 2021. 

Mas se era esse o plano, ele falhou completamente. 

Neste domingo (4) os equatorianos compareceram em peso às urnas para aprovar mudanças constitucionais que impedem Correa de voltar à presidência - e ainda enterrar parte significativa de seu legado. 

Segundo resultados parciais, com 89% das urnas apuradas, 64,3% dos eleitores apoiaram uma proposta para limitar os cargos públicos eletivos a uma única reeleição, deixando Correa incapaz de concorrer de novo. 

O resultado do referendo marca o fim de uma era no Equador, onde Correa, 54 anos, tem sido uma figura importante - e contraditória. A decisão é também a mais recente de uma onda de contratempos eleitorais para os líderes populistas de esquerda da América do Sul, que nos últimos três anos sofreu revezes na Argentina, Bolívia e Venezuela. 

Correa ficou no poder de 2007 a 2017, trazendo uma boa dose de estabilidade política à pequena nação andina e inaugurando reformas importantes na educação e na segurança. Ele também sobreviveu ao que pareceu uma tentativa de golpe. Em um episódio memorável,  ele abriu sua camisa e convidou policiais rebeldes a matá-lo, durante uma transmissão ao vivo na televisão. 

Mas os críticos acusam Correa de autoritarismo, incluindo políticas repressivas à mídia. Correa também permitiu ao fundador da Wikileaks, Julian Assange, refugiar-se na embaixada do Equador em Londres.

Políticas emblemáticas de Correa podem ser revogadas

Apesar ser vice-presidente de Correa por seis anos, Moreno não poderia ser mais diferente. Ele é autor de quase uma dúzia de livros que defendem o humor para promover o bem-estar e é conhecido por suas habilidades de ouvinte. Possui reputação de conciliador e elogia o papel de uma imprensa livre, em particular para erradicar a corrupção entre funcionários públicos.

Além disso, Moreno lançou o referendo deste domingo. Correa, que chamou Moreno de "traidor" e "impostor", fez uma campanha ofensiva contra a medida que altera a reeleição, mas parece ter perdido seu “toque mágico”. Sua taxa de aprovação, uma vez alta, agora paira em torno de 30%. Na semana passada, manifestantes atiraram lixo em seu carro. 

Quando o resultado do referendo ficou claro, em um discurso televisionado Moreno falou sobre a necessidade de união nacional, observando que "o confronto está nos atrasando". 

O referendo também incluiu propostas para reverter duas políticas emblemáticas da Correa que enfureciam o poderoso movimento indígena do Equador. Uma delas, aprovada com 68,9% dos votos, reverterá a mineração em áreas urbanas e protegidas. A outra, que recebeu 67,6% votos favoráveis, reduzirá a extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní, lar de uma das últimas tribos indígenas que vivem isoladas na Amazônia. 

Nem à esquerda, nem à direita

Paulina Recalde, chefe da empresa equatoriana de pesquisa de opinião pública, Perfiles de Opinión, afirma que a marca do populismo de Correa, enraizada no confronto de classe, tornou-se obsoleta. 

"Não é apenas o tom de Correa. É também a sua substância", disse Recalde. "Você pode avançar contra a classe política tradicional para se eleger ou quando você acabou de chegar ao poder. Mas quando governou durante uma década, a retórica deixa de parecer verdadeira". 

Correa é o mais recente populista de esquerda no continente a amargar os resultados de um referendo. Apesar disso, o professor de política internacional na Universidade Federal de Minas Gerais, Dawisson Belém Lopes, diz que os sul-americanos não estão guinando para a direita. Em vez disso, ele argumentou, estão se rebelando contra líderes tidos como autocráticos, corruptos e incompetentes. 

"Esse tipo de político messiânico deixou de ter sucesso na região", acrescenta. "Os eleitores querem políticos mais sensíveis e uma melhor gestão". No entanto, Belém Lopes alertou, continua a existir o risco de "contágio" dos Estados Unidos. “Trump também assume um papel de referência".

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