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Entenda a reforma migratória nos EUA

Cerca de 12 milhões de imigrantes (mais de 50% deles mexicanos) vivem e trabalham clandestinamente nos Estados Unidos. E sua regularização se transformou em um grande problema para o país -e uma arma para os candidatos à sucessão do presidente George W. Bush.

O projeto de lei de reforma migratória está sendo debatido há um ano no Senado norte-americano e prevê a legalização da mão-de-obra estrangeira e um melhor controle da entrada de novos migrantes.

O projeto chama de "visto Z" a autorização para trabalho temporário oferecida aos imigrantes que já atuam profissionalmente nos Estados Unidos. Os imigrantes pagariam uma multa e, depois de três períodos de direito provisório de trabalho por dois anos no país, intercalados por períodos de pelo menos um ano no país de origem, poderiam se candidatar a um visto permanente ou à cidadania.

Para entender como funcionaria a lei, se for aprovada da maneira como foi proposta por Bush, imagine o seguinte exemplo hipotético: Juan, um mexicano que trabalha ilegalmente numa oficina na Califórnia. Ele poderia se apresentar à autoridades e solicitar um visto de trabalho temporário, pagando uma multa (de valor estimado em US$ 5 mil). Ele ganharia então o direito de ficar no país por dois anos, quando teria que voltar ao México por um ano e, só depois disso, receber outro visto temporário de dois anos nos Estados Unidos.

Depois de três períodos de dois anos (intercalados com intervalos no México, totalizando oito anos), Juan poderia solicitar um visto para ficar permanentemente nos Estados Unidos, o que seria analisado e poderia ser ou não concedido.

Controvérsia

O projeto em discussão também inclui um controvertido sistema de pontos para futuros fluxos migratórios. Aqui, em vez de considerar as ligações familiares, teriam prioridade os solicitantes de vistos que tivessem um maior nível de educação ou de habilidades profissionais.

O sistema de pontos anularia o de reunificação familiar, criado em 1965. Por meio deste, milhões de imigrantes podiam solicitar vistos de residência permanente para seus pais, irmãos, e filhos mais novos.

Um outro sistema em pauta é o de convite para trabalhar em áreas em que não há profissionais norte-americanos qualificados. O projeto fala na criação de entre 400 mil e 600 mil vagas deste tipo, que incluem visto temporário para os trabalhadores convidados. Reforço na fronteira

Além de pensar uma série de sistemas para legalizar os milhões de imigrantes que já vivem e trabalham nos Estados Unidos, a reforma na lei migratória prevê uma maior fiscalização para evitar a entrada de imigrantes irregulares no país, incluindo reforço na vigilância da fronteira com o México.

Aqui, o plano inclui a construção de quase 600 quilômetros de muro na fronteira, com barreiras para a passagem de veículos e instalação de radares com câmeras. Prevê também a contratação de 18 mil novos agentes de patrulha e investigadores.

A reforma em discussão conta com o apoio da opinião pública norte-americana. Existe o consenso político de que o sistema atual é insustentável, e de que a reforma não admite mais demoras.

Interesse político

Pesquisas demonstraram que o eleitorado americano apóia uma legislação que ajude, de certa forma, a população ilegal, e fortaleça a segurança fronteiriça para frear a imigração.

Uma enquete, divulgada hoje pelo jornal "The Washington Post" e pela rede de televisão "ABC", indicou que 52% dos americanos respaldariam um programa de legalização, caso os imigrantes ilegais pagassem uma multa e cumprissem com uma série de requisitos.

De olho nessa grande fatia do eleitorado que deseja uma reforma migratória, os políticos que desejam ser os candidatos de seus partidos na sucessão de Bush já se manifestaram sobre a lei que tramita no Senado -e a maior parte, é claro, é favorável às mudanças que facilitarão a legalização, principalmente dos mexicanos.

O destino de quase um milhão de brasileiros que vivem ilegalmente nos Estados Unidos está nas mãos do Senado norte-americano, pressionado pelo presidente George W. Bush a analisar um projeto de reforma nas leis migratórias do país.

Se for aprovado o texto que está em tramitação, a nova lei vai deixar mais difícil a vida das 12 milhões de pessoas que vivem e trabalham ilegalmente no país, incluindo a dos brasileiros. Os dados oficiais mais recentes, de 2005, estimam que há cerca de 1,5 milhão de brasileiros vivendo no país -e mais da metade de maneira irregular.

O projeto ainda não está finalizado, mas o que se desenha é um acordo que vai agir em duas frentes: facilitar a aquisição de vistos temporários para os estrangeiros que já trabalham no país e aumentar a fiscalização para evitar que novos imigrantes entrem no país e trabalhem ilegalmente.

O processo de legalização inclui o pagamento de pesadas multas para aquisição dos vistos (de pelo menos US$ 5 mil, cerca de R$ 10 mil) e a necessidade de voltar ao país de origem a cada dois anos, deixando instável a vida do imigrante que quiser trabalhar de forma regular nos Estados Unidos.

"A lei não vai melhorar a situação dos brasileiros, que vêem para cá trabalhar em empregos menores, informais. Para eles não faz diferença ter um visto temporário, e acaba sendo melhor continuar como ilegal", disse ao G1 Ernesto Amaral, brasileiro que faz doutorado em sociologia com foco em imigração na Universidade do Texas.

Para ele, a lei tem um foco muito centrado na situação dos mexicanos, que têm uma maior facilidade para circular entrando e saindo dos Estados Unidos, mas não deve influenciar positivamente a realidade dos brasileiros.

Sem um grande incentivo para regularizar a documentação, acredita Amaral, os brasileiros vão continuar trabalhando sem permissão e passarão a sofrer com uma maior repressão.

"Se a lei for aprovada desta forma, os brasileiros irregulares vão preferir continuar assim, mas vai ficar muito mais difícil viver ilegalmente nos Estados Unidos, já que o governo vai ter o direito de perseguir de forma muito mais intensa a imigração ilegal. Por enquanto, por não haver uma legislação apropriada, se faz vista grossa para o caso dos ilegais. Mas uma vez que a lei for aprovada não vai ter segunda chance", afirmou ao G1 Breno da Mata, diretor do jornal "Comunidade News", editado em português, em Connecticut, mas com distribuição para a comunidade brasileira em todo o país, com tiragem semanal de 20 mil exemplares.

Segundo estimativa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, menos de 500 mil dos cerca de 1,5 milhão de brasileiros que vivem nos Estados Unidos atualmente se encontram em situação regular de migração, tendo vistos para trabalhar ou estudar. Todos os outros são irregulares. A estimativa é baseada em dados de todos os consulados brasileiros no país, e pode subestimar a quantidade de brasileiros, que pode ser ainda maior.

O próprio cônsul do Brasil em Nova York, José Alfredo Graça Lima, acredita que os números oficiais estejam subestimados. Em entrevista ao G1, ele disse que em Nova York a estimativa de brasileiros ilegais hoje em dia é de cerca de 350 mil - era de 245 mil há dois anos, quando foi feito o último levantamento do ministério.

"Ainda é cedo para saber o que vai acontecer de fato. Não sabemos como vai ficar a lei e nem mesmo se ela vai ser aprovada", disse Lima.

Para o cônsul, é possível que os imigrantes irregulares prefiram continuar assim a aceitar vistos temporários. "Tudo vai depender da capacidade de aplicar a lei e as punições, que também vão mudar nessa reforma", disse.

Famílias partidas

A proposta de facilitar a aquisição de vistos temporários para os imigrantes que trabalham ilegalmente nos Estados Unidos não agradou à comunidade brasileira no país.

"Não é a proposta ideal, já que não permite que os imigrantes tragam a família que ficou no Brasil. Este é o maior problema dos imigrantes brasileiros aqui", explicou Helen Sizker, porta-voz do Brazilian Center, grupo com 700 associados que defende os direitos trabalhistas de brasileiros radicados nos Estados Unidos, legais ou não. O centro fica em Massachusetts, estado onde há pelo menos 200 mil brasileiros em situação irregular, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

"A comunidade brasileira está numa situação difícil. A maioria das pessoas, mesmo as que estão aqui há mais de uma década, está arrumando as malas para voltar para o Brasil. O desânimo é total."

Caso como o citado por Sizker é o da pernambucana Eduarda Ribeiro, produtora de vídeo que vive atualmente em Nova York. "É muito difícil viver como imigrante aqui nos Estados Unidos", disse ela ao G1. Ribeiro vive entre Nova York e Recife desde 2001.

"Já tive um visto de trabalho especial, que é uma permissão de trabalho de um ano, tipo um estágio. Mas mesmo assim é muito difícil arrumar emprego, a burocracia é grande", contou.

Ela tinha acabado de sair de uma entrevista de emprego quando conversou com o G1, por telefone. E apesar de ter sido convidada para fazer um teste não estava animada.

"Oficialmente, eu não posso fazer nada, a não ser por baixo dos panos. Ele [o possível novo chefe de Eduarda] quer que eu faça dois meses de experiência, mas meu visto vence em julho e estou correndo contra o tempo", contou, sem se animar nem mesmo com a possibilidade de poder vir a ter um visto de trabalho temporário com a nova lei. "Não facilita tanto assim. A gente acaba ficando presa a um único emprego", disse.

Anistia

Para Sizker, para poder melhorar a vida dos imigrantes brasileiros e facilitar as reuniões familiares, a nova lei migratória norte-americana precisaria ser muito mais ampla. "O ideal seria uma anistia total, que permitisse a entrada das famílias, mas isso não vai acontecer", disse.

"A lei tem um aspecto bom para alguns casos, mas no geral não é boa para os brasileiros. Ela cria um processo bastante difícil para a regularização dos brasileiros que estão no país de forma ilegal, como se fosse o próprio processo uma punição", completou Da Mata.

Os dois acusam o governo norte-americano de também cobrar caro em multas para regularizar a situação do imigrante. "Uma família de 4 pessoas vai gastar quase US$ 10 mil para regularizar a situação, o que é completamente inviável", disse Sizker.

Apesar de tantas críticas, entretanto, a comunidade brasileira apóia a discussão de um novo projeto de lei migratória nos Estados Unidos, especialmente enquanto ela ainda não está completamente definida.

"Estamos fazendo um lobby grande para que a discussão continue, por mais que a proposta esteja meio morta no Senado. Temos que ser otimistas. Da maneira que está, não dá pra continuar. Há mais de 12 milhões de pessoas sem documentos legais, e isso não pode continuar assim. Atualmente não temos nada. A única forma de legalização é pelo casamento. Esta nova lei oferece uma possibilidade, por mais que não seja a ideal", desabafou Sizker.

"É difícil saber se a lei vai ser aprovada, e especialmente de saber como vai ser aprovada, já que já existem várias emendas a ela, e sua forma final ainda não está pronta", disse o pesquisador Ernesto Amaral.

"Os norte-americanos não se entendem nos detalhes da lei. A votação falhou, por isso a discussão está demorando tanto", explicou Da Mata

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