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Presidente chinês, Xi Jinping, discursa na abertura da reunião virtual da Assembleia Mundial da Saúde| Foto: Divulgação/OMS/AFP

Alvo de críticas pela maneira como lidou com o novo coronavírus, a China precisou adaptar suas estratégias diplomáticas para responder às acusações de negligência e tentar tomar o controle da narrativa da pandemia - enquanto procura se colocar como líder global em saúde.

A China passou de uma campanha inicial de "diplomacia das máscaras", que tinha a intenção de conquistar simpatia no cenário internacional, para uma "diplomacia do lobo guerreiro", uma campanha mais agressiva para defender a sua imagem.

Como ação importante dessa resposta, a China resgatou e relançou a chamada "Rota da Seda da Saúde", que é uma pequena parte da Iniciativa do Cinturão e Rota, a peça central da estratégia de política externa do país. O relançamento dessa ação diplomática no setor de saúde global pode trazer vantagens para a China no momento de crise e aumentar a sua influência global.

O líder chinês Xi Jinping falou sobre a Rota da Seda da Saúde desde o começo da pandemia em conversas com líderes europeus como o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e o presidente francês, Emmanuel Macron.

O conceito de Rota da Seda da Saúde não é novo; Xi usou o termo pela primeira vez durante visita a Genebra em janeiro de 2017, quando assinou um memorando de entendimento com a Organização Mundial da Saúde (OMS) se comprometendo com a criação dessa nova "rota" para melhorar a saúde dos países que compõe a Iniciativa do Cinturão e Rota da China.

A proposta foi considerada "visionária" pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. "Se devemos assegurar a saúde de bilhões de pessoas representadas aqui, temos que aproveitar as oportunidades que a Iniciativa do Cinturão e Rota nos oferece", disse o diretor-geral em um seminário sobre a iniciativa em Pequim em agosto de 2017.

Para tentar salvar sua reputação, a China enviou equipes médicas, insumos e equipamentos para os países mais afetados pelo vírus, parte da chamada "diplomacia das máscaras". Houve relatos de que diplomatas pediram que autoridades estrangeiras fizessem elogios públicos à China em troca do auxílio. Em outros casos, a mídia estatal publicou vídeos supostamente manipulados que mostravam cidadãos comuns agradecendo e aplaudindo a China após receberem ajuda.

Com as ações, a China pretendia mudar a sua imagem de "país de origem da pandemia" para o líder que combate o vírus e estende a mão a outras nações.

Mas alguns são mais céticos quanto à motivação chinesa para a estratégia de liderança global em saúde. "[A Rota da Seda da Saúde] é o exemplo mais claro do fato de que a Iniciativa do Cinturão e Rota da China não trata de construção de infraestrutura, mas de um esforço mais amplo de redesenhar o mundo de acordo com as preferências de Pequim", disse Nadège Rolland, pesquisadora do National Bureau of Asian Research, ao Axios.

Analistas consideram a retomada da Rota da Seda da Saúde o elemento chave do plano de Pequim para moldar o mundo pós-pandemia a seu favor. A Covid-19 surgiu como uma "oportunidade de ouro para o Partido Comunista da China impulsionar tecnologias emergentes críticas para promover sua superioridade aos modelos ocidentais de governança e avançar sua narrativa de controle total", argumentaram Kristine Lee e Martijn Rasser, pesquisadores do Center for a New American Security, à Foreign Policy.

Para os dois autores, a China orquestrou uma campanha de mensagens globais - para se reposicionar como líder no combate à pandemia que não conseguiu conter - que conta com as ações de empresas de tecnologia. Como a Alibaba, cujo co-fundador, Jack Ma, doou 500 mil kits de testes e 1 milhão de máscaras para os EUA.

A gigante das telecomunicações Huawei doou milhares de máscaras e respiradores aos Estados Unidos e países da Europa, além de oferecer tecnologias de diagnóstico com inteligência artificial para Equador e Filipinas por preços mais baixos.

Para os críticos, a China usa a "diplomacia das máscaras" para aumentar sua influência sobre países em desenvolvimento. A preocupação é de que essa presença possa abrir portas para que as empresas chinesas de tecnologia instalem infraestrutura de comunicação e vigilância nesses países.

Lobos guerreiros

Mas a política externa chinesa não tem se limitado às boas ações. Pequim abraçou também um estilo de diplomacia que vem sendo chamado de "wolf warrior" (guerreiro lobo), que envolve atitudes mais agressivas para rebater as acusações contra a China e tomar o controle da narrativa do coronavírus. O nome vem de uma popular série de filmes de ação chineses.

O ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, deixou claro que a China não aceitaria "insultos deliberados" e, no início da crise, orientou os representantes do país a adotar uma abordagem mais firme na defesa da reputação e dos interesses chineses no exterior. "Nunca começamos uma briga ou intimidamos os outros. Mas temos princípios e coragem. Rejeitaremos qualquer insulto deliberado, defenderemos resolutamente a honra e a dignidade da nossa nação, e refutaremos todas as calúnias infundadas com fatos", afirmou Wang em coletiva de imprensa em maio, segundo a CNN.

Na prática, os lobos guerreiros são diplomatas e autoridades chineses que passaram a usar o Twitter (uma rede social que é banida na China) e outras plataformas para rebater diretamente qualquer crítica feita à China ou ao Partido Comunista, muitas vezes com declarações ofensivas e falsas. As táticas se desviam da reputação dos diplomatas chineses, que tradicionalmente realizam seu trabalho sem atrair muita atenção.

A campanha de cyberdefesa de Pequim foi intensificada nos últimos meses e incluiu a disseminação de teorias da conspiração, além das provocações.

O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, tuitou em março que "pode ter sido o exército dos EUA que trouxe a epidemia a Wuhan". A postagem recebeu um alerta de informação enganosa do Twitter.

Em abril, no auge da pandemia na Europa, a embaixada chinesa na França publicou em seu site artigos anônimos que alegavam falsamente que profissionais da saúde estavam abandonando idosos para morrer de Covid-19 em asilos do país.

O caso da embaixada na França e outros similares levaram a União Europeia a acusar a China de promover uma "grande onda de desinformação" sobre a pandemia.

Quando os protestos antirracismo começaram nos EUA após a morte do George Floyd, oficiais da China não perderam a oportunidade de atacar o governo americano. A mídia estatal chinesa comparou os protestos americanos aos protestos pró-democracia em Hong Kong, acusando os Estados Unidos de hipocrisia ao dar apoio aos manifestantes honcongueses enquanto enfrenta uma erupção social motivada por discriminação racial e brutalidade policial em seu território.

Hua Chunying, também porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, respondeu a uma crítica do Departamento de Estado dos EUA sobre a situação de Hong Kong no Twitter com a frase "não consigo respirar" (as mesmas palavras ditas por George Floyd ao ser sufocado pelo policial Derek Chauvin). Com a provocação, Hua quis dizer que Washington deveria olhar para sua própria casa antes de criticar a China pelo que está acontecendo em Hong Kong ou pelo tratamento dado à minoria muçulmana uigur e por outras questões de direitos humanos.

O objetivo da abordagem agressiva é subverter as críticas feitas à China e agradar os cidadãos nacionalistas, que querem ver uma postura mais firme da China no cenário internacional. Mas a estratégia pode ter sido um tiro pela culatra, indicam algumas análises. Segundo a Business Insider, adversários da China, como EUA, Reino Unido e Austrália, estão se unindo enquanto a população chinesa fica dividida.

Os países da Aliança Cinco Olhos (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido) se aproximaram para ações em conjunto de resposta aos avanços da China.

"Estamos definitivamente vendo um aumento na cooperação entre as nações dos Cinco Olhos na sua resposta à China, evidenciado pelo sua pronta divulgação de uma declaração em conjunto sobre Hong Kong e o anúncio de um diálogo econômico dos Cinco Olhos para coordenar a produção de bens estratégicos", disse Georgina Downer, da empresa de consultoria geopolítica e estratégica Tenjin Consulting ao South China Morning Post.

O Reino Unido anunciou recentemente planos para um consórcio global que pretende reduzir o domínio da China sobre a tecnologia 5G. Enquanto isso, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, fez um alerta sobre o aumento do poderio militar da China e a ameaça que ele representa à Europa.

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