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Universidade de Teerã foi palco de protestos em 30 de dezembro. Polícia lançou gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes. | STRAFP
Universidade de Teerã foi palco de protestos em 30 de dezembro. Polícia lançou gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes.| Foto: STRAFP

Poucos dias antes de 2017 terminar, a segunda maior nação do Oriente Médio viu surgir uma onda de protestos populares contra as políticas econômicas adotadas pelo governo do presidente Hassan Rohani e por mais liberdade política e de expressão. As manifestações que tiveram início em Mashhad, segunda cidade mais populosa do Irã, em 28 de dezembro e rapidamente se espalharam pelo país. Pequenos protestos ocorreram em cerca de 30 cidades, mas grande parte do movimento anti-governista está ocorrendo na capital Teerã. 

Desde então, foram noticiadas mortes de pelo menos 20 pessoas, entre elas um menino de 11 anos. Apenas na cidade de Qahdarijan, seis foram mortos durante um motim em que, segundo informou a televisão estatal, um grupo estava tentando invadir uma delegacia para roubar armas do local. 

Muitas pessoas foram presas desde que os protestos começaram. A agência semioficial ILNA afirmou que 450 pessoas foram detidas nos últimos três dias: 200 no sábado, 150 no domingo e 100 na segunda-feira. Tal informação foi atribuída ao vice-diretor de segurança no Teerã, Ali Asghar Nasserbakht. 

Apesar dos esforços do governo para silenciar os protestos, os manifestantes continuam tomando as ruas em várias partes do Irã, no que tem sido descrito como a maior mostra de descontentamento no país desde os confrontos que ocorreram em 2009, quando milhões de iranianos protestaram contra o resultado da votação que reelegeu o então presidente Mahmoud Ahmadinejad. 

O começo 

Os primeiros protestos começaram na quinta-feira (28) em Mashhad, motivados pelo aumento do custo de vida no país e desemprego. Segundo a publicação norte-americana Quartz, recentemente houve um aumento de 40% no preço de ovos e aves, puxando para cima a inflação que já bate na casa dos 12%. A população também sofre com o desemprego, que atinge principalmente os jovens recém formados. 

Alguns manifestantes argumentam que as dificuldades econômicas do país se devem à política externa do Irã, que está profundamente envolvido em conflitos regionais. Segundo o Washington Post lembrou, o Irã enviou dinheiro, armas e combatentes para apoiar aliados na Síria, Líbano e Gaza. 

Outros culpam as sanções econômicas e a restrição da emissão de vistos impostas pelos Estados Unidos. De acordo com o britânico The Guardian, a situação econômica do Irã tem melhorado desde 2015, após o acordo nuclear de 2015 em que os Estados Unidos aliviou as punições contra o Irã em troca de rígidos controles de seu programa militar. Com isso, o país concordou em limitar o seu enriquecimento de urânio e agora vende óleo no mercado mundial e já assinou acordos de dezenas de bilhões de dólares por aeronaves. Entretanto os efeitos desta melhoria na economia não foram percebidos pela população média iraniana. 

Os protestos se espalharam para outras cidades, em especial para a capital Teerã, ao passo que a lista de justificativas para as manifestações foi crescendo. Liberdade de expressão, deposição do atual governo e estado laico foram incluídas nas demandas de grupos que foram às ruas. 

 O que os manifestantes estão pedindo 

Não há um movimento central por trás das manifestações e as demandas parecem ser difusas. Variam entre melhora nas condições de vida e mais liberdade política e até mesmo o fim de República Islâmica. 

Além do sufoco econômico, alguns grupos de manifestantes entoam coro contra o governo, como “Morte a Rouhani” ou “Morte ao ditador”, se referindo ao líder supremo do Irã, Ali Khamenei. Alguns grupos há tempos vem protestando contra o regime clérigo instaurado no país. 

“Há algum tempo, os protestos da população comum iraniana têm se tornado rotina. Os manifestantes incluem trabalhadores que não tiveram seus salários pagos ou estão desocupados. Eles incluem pessoas que perderam suas poupanças nos bancos iranianos, que estão infestados com corrupção e fraudes. Eles incluem pessoas preocupadas com o ambiente desastroso que o Irã está se tornando. Eles incluem pessoas que protestando contra altos preços. Eles incluem aposentados cujos rendimentos têm sido saqueados por sucessivas administrações, e pessoas de baixa renda que não podem mais se sustentar”, escreveu Potkin Azarmehr, blogueiro que luta pela democracia no Irã, em seu site.

O Quartz lembrou ainda que a violência contra as mulheres também é tema de alguns grupos que estão protestando. “Mulheres no Irã possuem alto nível de educação. Elas fazem parte da força de trabalho, mais do que em outros países do Oriente Médio, e mesmo assim elas continuam sendo reprimidas. Esta é parte de uma luta para que elas possam ganhar sua liberdade e seus direitos”, disse Alireza Nader, analista senior internacional e pesquisadora do Irã no think tank RAND Corporation, à publicação. 

Reação do governo 

Em um primeiro momento, o governo iraniano agiu com cautela. Segundo a BBC, o presidente Rouhani chegou a afirmar que os protestos seriam uma “oportunidade” e não uma ameaça e reconheceu o descontentamento em relação à economia e assegurou que as pessoas têm direito de protestar. Mas ele também afirmou que tomaria medidas severas em relação àqueles que desobedecessem a lei. 

E foi justamente isso que aconteceu quando ataques e depredações a equipamentos públicos e até mesmo em bases militares começaram a ser registrados. Diversos vídeos nas redes sociais nesta terça-feira (2) mostram, supostamente, imagens de manifestantes feridos ou mortos pelas forças do governo. 

Com a severidade das ações, veio o endurecimento dos discursos oficiais. O jornal Estado de S. Paulo apurou que o Líder Supremo, Ali Khamenei, afirmou que os inimigos do país têm usado vários meios, como dinheiro, armas, política e inteligência "para criar problemas para o sistema islâmico". 

Khamenei não citou nomes de nenhum país ou grupo, diferentemente do comandante do Exército de Guardiães da Revolução Islâmica para Assuntos Políticos, General Rasoul Sanayee. Ele culpou os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Organização dos Mujahidin do Povo Iraniano (MKO), movimento de resistência ao governo iraniano, fundado em 1965, e que declara lutar pela instauração de um estado laico e democrático, tido como grupo terrorista pelo governo do Irã. 

O Judiciário do país também se pronunciou. O chefe do Tribunal Revolucionário de Teerã, Mousa Ghazanfarabadi, disse nesta terça que pode haver pena de morte para os manifestantes, de acordo com O Estado de S. Paulo. Ghazanfarabadi também afirmou que alguns manifestantes devem ser julgados logo, por acusações como agir contra a segurança nacional e danificar propriedades públicas. Ele enfatizou que as manifestações não tinham aval do Ministério do Interior, que monitora a polícia, por isso eram ilegais. O Tribunal Revolucionário do país lida com casos que envolvem tentativas de derrubar o governo. 

Protestos pró-governo 

Para fazer frente aos protestos contra o regime, manifestantes pró-governo tomaram as ruas de Teerã no sábado. De acordo com o The Guardian, cerca de quatro mil pessoas marcharamem favor do governo. O ato foi filmado e exibido na televisão estatal. 

Essas manifestações de apoio já haviam sido programadas para a comemoração da data que marca a repressão dos protestos que ocorreram em 2009, quando milhões de pessoas foram às ruas contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, que enfrentava acusações de fraude. 

No sábado (30), iranianos marcharam em apoio ao governo na capital Teerã.HAMED MALEKPOURAFP

Redes sociais 

As informações sobre os protestos começaram a se espalhar nas redes sociais, em especial pelo aplicativo de mensagens Telegram, utilizado por 80 milhões de iranianos, segundo informou o Quartz. No dia 31 de dezembro, o governo do país suspendeu o acesso às redes sociais, incluindo Telegram e o Instagram. 

O CEO do Telegram, Pavel Durov, já havia fechado canais do aplicativo que estavam incitando ataques violentos durante as manifestações, entretanto, ele permitiu que canais que conduzissem protestos pacíficos continuassem a operar. “Nossa neutralidade e recusa a tomar lados em conflitos como este pode nos gerar grandes inimigos. Oficiais iranianos prestaram queixas criminais contra mim em Setembro por deixar que o Telegram espalhe ‘notícias sem censura’ e ‘propaganda extremista’. Hoje (31) eles impuseram um bloqueio ao Telegram - sem deixar claro se permanente ou temporário”, postou Durov no Twitter neste domingo (31). 

O que diz a comunidade internacional 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi um dos primeiros a criticar o governo iraniano. “Regimes opressivos não duram para sempre. O mundo está assistindo!”, tuitou em seu perfil. O governo americano também criticou a prisão de pessoas que estavam participando pacificamente dos protestos. 

Sobre as detenções, o Irã afirmou que equipes foram designadas a identificar os inocentes entre aqueles que foram presos nos recentes protestos contra a situação econômica do país.

Mas Trump voltou a atacar novamente na manhã desta terça. "O povo do Irã finalmente age contra o regime brutal e a corrupção iranianos. Todo dinheiro que o presidente Obama tão tolamente deu a eles foi para o terrorismo e para os "bolsos" [das autoridades] deles", afirmou Trump nesta terça. "O povo tem pouca comida, alta inflação e nenhum direito humano. Os EUA estão de olho!". 

Alguns pequenos protestos em solidariedade aos manifestantes ocorreram na Alemanha, França e Inglaterra.

A Turquia demonstrou preocupação com os protestos no país vizinho. Em nota divulgada nesta terça, o Ministério das Relações Exteriores da Turquia pediu que os manifestantes evitem violência e que não caiam em provocações. “Nós esperamos que a paz seja garantida e o senso comum prevaleça para que os eventos não ganhem proporção, e que a retórica e as intervenções estrangeiras que incitam os desenvolvimentos dos fatos sejam evitadas”. 

O governo da Síria, por sua vez, demonstrou solidariedade com o Irã, diante dos protestos. Teerã tem apoiado o regime do presidente Bashar al-Assad e injetou centenas de milhões de dólares desde 2011 na economia síria. O Ministério das Relações Exteriores da Síria divulgou comunicado nesta terça-feira com críticas aos governos dos EUA e de Israel por demonstrarem apoio aos manifestantes iranianos. Damasco culpou os dois países pela desestabilização regional. A chancelaria disse ainda que a soberania do Irã deve ser respeitada e que ninguém deve se envolver em assuntos internos. "A Síria confia que a liderança do Irã, o governo e o povo serão capazes de derrotar a conspiração", afirma a nota.

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