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XI Jinping é o principal líder chinês | WANG ZHAO/
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XI Jinping é o principal líder chinês| Foto: WANG ZHAO/ AFP

Os comentários foram feitos com cuidado, mas o aviso sobre a intenção da China foi claro. "O país prosperou, em parte, ao abraçar as forças de mercado", disse Wu Jinglian, 88 anos, líder do grupo de economistas chineses pró-mercado, em um fórum no mês passado. Então, voltou-se para o político mais graduado na sala, Liu He, czar econômico do país, e disse que "vozes dissonantes" estavam agora condenando a empresa privada. 

 "O fenômeno é digno de nota", disse Wu. 

 Ele reproduziu uma preocupação crescente entre empreendedores e economistas chineses, e mesmo algumas autoridades: a China pode estar retrocedendo nas políticas pró-negócios e de livre-mercado, as mesmas que a transformaram na segunda economia do mundo. Durante 40 anos houve um equilíbrio entre o controle autoritário do Partido Comunista e o capitalismo irrestrito, onde quase qualquer coisa poderia acontecer – e alguns veem a volta do pendor maior para o governo. 

NOSSAS CONVICÇÕES:  As empresas, sua finalidade e o bem comum

 As empresas estatais são cada vez mais responsáveis pelo crescimento da produção industrial e dos lucros, áreas onde as privadas já lideraram. O país intensificou a regulamentação do comércio on-line, dos bens imobiliários e dos videogames; as empresas poderiam enfrentar aumentos de impostos e de custos de benefícios dos empregados. Alguns intelectuais querem que companhias privadas sejam totalmente abolidas. 

Cautela e senso de urgência

Atualmente, os chineses dissidentes devem ser ainda mais cuidadosos, mas um senso de urgência causado, em parte, pela desaceleração do crescimento da China e de crescentes pressões na guerra comercial do presidente Donald Trump, vem fazendo autoridades e economistas se manifestarem sobre a mudança da posição do governo em relação ao negócio privado. 

 Empresas privadas são atormentadas por preocupações e "insatisfação", disse no mesmo fórum Ma Jiantang, principal autoridade do partido no Centro de Pesquisa de Desenvolvimento, importante think tank do governo, de acordo com transcrições. "Se uma tendência surge e ninguém se atreve a criticá-la, as consequências serão terríveis", escreveu Hu Deping, ministro aposentado. 

NOSSAS CONVICÇÕES:  Os limites da ação do Estado

 O debate chegou até o topo. O presidente Xi Jinping, líder do país, procurou tranquilizar os empresários privados, dizendo que Pequim continuaria a apoiá-los, mas também fez uma defesa poderosa das grandes companhias estatais que, de acordo com muitos economistas, esvaziam as empresas privadas. 

 "Declarações que afirmam que as estatais não deveriam existir e que deveríamos ter um número menor delas são erradas e tendenciosas", disse Xi durante uma visita a uma das instalações da petrolífera China National Petroleum Corp. 

Empreendedorismo fez China virar potência 

A liderança chinesa se voltou para os empreendedores no final dos anos 1970, depois de o governo ter levado a economia à beira do colapso. Foram criadas zonas econômicas especiais, onde fábricas poderiam ser abertas com poucas normas do governo e atrair acionistas estrangeiros. O experimento foi um sucesso sem precedentes. Quando estendido para o resto do país, criou uma máquina de crescimento que ajudou a colocar a China atrás apenas dos Estados Unidos em termos de poder econômico. 

 Hoje, o setor privado contribui com quase dois terços do crescimento do país e 90%  de novos empregos, de acordo com a Federação da Indústria e Comércio da China. Por isso, as pressões sobre empresas privadas poderiam criar graves instabilidades. 

NOSSAS CONVICÇÔES: Livre iniciativa

 "O setor privado está enfrentando grandes dificuldades agora. Devemos nos esforçar ao máximo para não reproduzir a nacionalização de empresas privadas da década de 1950 e o capitalismo estatal", escreveu em um ensaio on-line Hu, o ministro aposentado, que, como filho de um antigo líder do Partido Comunista, é muitas vezes uma voz pela reforma. 

 O presidente chinês, que buscou maior controle do partido sobre os militares, os meios de comunicação e a sociedade civil, agora se concentra nos negócios. O governo está considerando a influência direta nas grandes empresas de internet do país. Os reguladores intensificaram as exigências existentes que rezam que as companhias, mesmo estrangeiras, devem dar um papel maior na gerência a comitês do Partido Comunista. 

 Ameaças à iniciativa privada

Estudiosos esquerdistas, blogueiros e autoridades do governo estão fornecendo apoio teórico e prático. Em janeiro, Zhou Xincheng, professor de Marxismo na Universidade Renmin, em Pequim, declarou que a propriedade privada deveria ser eliminada. 

 No mês passado, Wu Xiaoping, então um ilustre desconhecido, escreveu em seu blog que o setor privado deveria acabar, agora que tinha realizado sua missão histórica de alcançar o crescimento. Viralizou. 

 Também no mês passado, Qiu Xiaoping, vice-ministro de recursos humanos e de segurança social, pediu a "gestão democrática" de empresas privadas, dizendo que elas deveriam ser geridas conjuntamente por empresários e seus empregados. 

 Alguns dos esforços do governo derivam da necessidade. Pequim precisa encontrar meios de pagar pelos programas sociais ambiciosos, como o sistema universal de saúde. Além disso, está tentando reduzir os problemas causados pelo descontrole dos negócios, como a poluição e os maus tratos dos trabalhadores, além de empresas que há anos se esquivam do pagamento de impostos. 

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 Mas os empreendedores dizem que o ritmo da mudança nos impostos chineses – já entre os mais elevados do mundo – lhes dá pouco tempo de preparação. Por exemplo, no ano que vem, a China vai intensificar a coleta de benefícios sociais e mudar a maneira como são calculados, resultando em custos mais elevados. O recolhimento mais estrito de taxas da seguridade social poderia corroer lucros corporativos em 2,5%, de acordo com Lu Ting, economista da Nomura Securities, em Hong Kong. 

 Isso poderia ferir particularmente as empresas menores, que em geral são propriedades privadas e frequentemente têm margens de lucro apertadas. As autoridades prometeram cortar impostos globais, mas os detalhes são escassos. 

 Os esforços de Pequim para diminuir a dependência de empréstimos da economia dificultaram e encareceram o funcionamento de muitas empresas privadas; ao mesmo tempo, as estatais quase não têm problema para obter novos empréstimos. Mesmo Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, reconheceu recentemente o que chamou de "divisão tênue" entre o acesso público e o privado aos empréstimos bancários. 

 Tempos difíceis

Alguns empreendedores em dificuldades estão fazendo o que antes era considerado impensável: vender para o Estado. Até agora este ano, 46 empresas privadas concordaram em vender ações para empresas estatais, sendo que mais da metade está incluindo o controle acionário, de acordo com o Shanghai Securities News, jornal oficial do governo. Mesmo que o número seja pequeno se considerarmos a vasta economia chinesa, ele mostra a reversão de uma tendência de duas décadas de estatais vendendo ações a empreendedores privados. 

 As autoridades também arrocharam as regras que regem o comércio on-line. Uma nova lei exige que aqueles que administram lojas virtuais adquiram um registro governamental e paguem impostos. Isso poderia atingir o Grupo Alibaba, uma das maiores empresas de internet do mundo, que mantém um mercado on-line chamado Taobao, onde comerciantes grandes e pequenos abriram milhares de lojas digitais. Em uma declaração, o Alibaba disse esperar que a introdução da nova lei gere um desenvolvimento positivo à indústria. 

 Neste contexto, as empresas estatais estão tendo um bom ano. No setor industrial, elas viram seus lucros aumentarem três vezes mais rápido que os do setor privado nos primeiros sete meses do ano, de acordo com dados do governo. Isso em parte se deve ao fato de que os esforços governamentais para reduzir a superprodução e a poluição recaíram basicamente na indústria privada. 

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 Empresários privados preferem não se pronunciar por medo de atrair a condenação oficial, mas é fácil ver sinais de ansiedade. 

 No mês passado, Chen Shouhong, fundador de uma empresa de pesquisa de investimento, pediu a um grupo de alunos de MBA – muitos dos quais já possuíam empresas com ações na bolsa – que escolhesse entre o pânico e a ansiedade para descrever como se sentem em relação à economia. Uma esmagadora maioria escolheu o pânico, de acordo com uma transcrição. Chen não quis ser entrevistado. 

 Os otimistas apontam para expressões da preocupação da liderança chinesa como um indicador de que o governo dará mais espaço aos negócios. Outros acreditam que o ambiente mais difícil vai continuar. Xiao Han, professor de Direito associado em Pequim, citou uma das fábulas de Esopo, que fala sobre um homem que tenta impedir um burro de se atirar de um penhasco, e não consegue.  "Provavelmente, logo encontraremos o corpo de um burro chinês no fundo do penhasco", disse Xiao. 

 

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