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Mulheres aguardam a distribuição de comida em um campo de refugiados das Nações Unidas fora de Juba, a capital do Sudão do Sul | KASSIE BRACKENNYT
Mulheres aguardam a distribuição de comida em um campo de refugiados das Nações Unidas fora de Juba, a capital do Sudão do Sul| Foto: KASSIE BRACKENNYT

A temporada da fome chegou mais cedo este ano. Em fevereiro, um período que já foi tido como de fartura, Nyabolli Chok não tinha mais comida para seus três filhos em sua comunidade no Sudão do Sul. Ela sabia que tinham que ir embora. "Estávamos comendo folhas de árvores", contou ela, descrevendo como as fervia em uma sopa rala. 

 "Ron reath", disse ela – suas palavras para denominar a temporada de fome. Dezenas de grupos étnicos do Sudão do Sul usam nomes diferentes para os meses em que a comida se torna escassa até a próxima colheita. Mas os medos são os mesmos: desnutrição, doenças e até mesmo a morte. 

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 E este ano pode ser ainda pior.  Mais de quatro anos de guerra civil – a maior parte do tempo de existência deste jovem país – perseguiu milhões que fugiram de suas casas, deixando inúmeras fazendas abandonadas. A economia foi destruída. A luta acabou com algumas das terras mais produtivas da nação. Os preços dos alimentos estão assombrosamente altos. 

 Mesmo durante a colheita de janeiro, quando havia maior abundância, mais de 5 milhões de pessoas – quase metade da população – não tinha o suficiente para se alimentar. Agora, na medida em que o alimento se esgota ao longo dos próximos meses, organizações internacionais esperam que o número cresça consideravelmente, com milhões enfrentando uma potencial e grave desnutrição. 

 Colheita foi a menor desde 2011

A colheita deste ano foi a menor registrada desde que o Sudão do Sul conquistou sua independência do Sudão em 2011, com o país conseguindo produzir apenas uma fração de suas necessidades, de acordo com o Programa Alimentar Mundial. 

 Além disso, as negociações de paz pararam e o acordo de cessar-fogo foi amplamente ignorado, o que significa que a guerra cortou algumas áreas da rota de ajuda emergencial. Funcionários que trabalham com ajuda humanitária apontam o governo e os soldados rebeldes como responsáveis, tornando a distribuição de alimentos cada vez mais difícil. 

 Mesmo aqui em Juba, a capital do Suç, que até há pouco tinha ficado quase imune à crise alimentar, muitas famílias estão achando impossível pagar os preços exigidos nos mercados da cidade, suas opções estão desaparecendo com a queda drástica do valor da moeda. 

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 Famílias de todo o país se aglomeram em uma clínica para crianças desnutridas, deixando de lado as diferenças políticas e étnicas, que vêm deixando esta nova nação em frangalhos. Algumas mães são de áreas que apoiam o governo. Outras têm maridos, irmãos e filhos que lutam do lado dos rebeldes. 

Dezenas de mulheres estavam no chão com seus filhos embrulhados em cobertores. Os sinais de desnutrição são claros: barrigas inchadas e membros magros. A pele pendurada em dobras sobre os ossos miúdos. Corpos cobertos de feridas abertas, o resultado doloroso de edemas. 

 Cecilia Kideen enfrentou uma luta para conseguir alimentar sua filha de nove meses, Sarah. Seu leite materno não é suficiente, já que ela não chega a comer uma refeição completa por dia.  "As mães realmente estão sofrendo", disse ela. 

Do impulso internacional à guerra

O Sudão do Sul, a nação mais nova do mundo, nasceu de um enorme impulso internacional para acabar com décadas de conflito entre o norte e o sul do que então era o Sudão. Mas apenas dois anos depois, o novo país estava em guerra. Em dezembro de 2013, uma disputa entre forças leais ao presidente Salva Kiir e as do vice-presidente Riek Machar rapidamente se transformou em um conflito que fraturou o país, matou dezenas de milhares de pessoas e dizimou o que já era uma das nações menos desenvolvidas do mundo. 

 "São poucas as populações que hoje escapam dos impactos da fome. Todos os caminhos levam de volta ao conflito e à insegurança", disse Elizabeth White, consultora política da Oxfam para o Sudão do Sul. 

 Conversas entre o governo e os líderes da oposição foram adiadas. Mas mesmo que a paz fosse alcançada, a crise alimentar ainda rondaria a nação. 

 Agricultura na linha de frente 

 A guerra civil no Sudão do Sul criou a maior crise de refugiados na África desde o genocídio de Ruanda, segundo a ONU. Mais de 2milhões de pessoas fugiram do país, minando a produção de alimentos. Outros 2 milhões abandonaram suas casas e permanecem espalhados pelo país, deixando para trás cidades fantasmas e campos sem trabalho. 

Na fronteira sul do país, dezenas de refugiados atravessam diariamente uma ponte estreita para Uganda, levando com eles histórias de fome. Mary Yar, 20 anos, chegou com seu filho de um ano em um pequeno centro de recepção em Uganda. No local, a primeira avaliação pela qual os refugiados passam é um exame de desnutrição. "Não tem comida lá", disse Yar sobre sua vila natal, apontando para a ponte que leva ao Sudão do Sul. 

 Durante o auge da temporada de fome no ano passado, sudaneses do sul chegaram aos milhares, disse Geoffrey Chandiga, funcionário que avalia as condições das crianças. Ele mantém uma contagem dos recém-chegados em um quadro branco, mostrando que as autoridades têm se preparado para um aumento do número nos próximos meses. 

 Dois anos atrás, a guerra se expandiu para partes do sul do país, considerada o celeiro do país. Pessoas inundaram a fronteira de Uganda e a maioria ainda não retornou.  Quando pacificadores da ONU visitaram a área no início de 2017, viram aldeias inteiras queimadas e devastadas. 

 US$321,70 por um prato de feijão 

 Sob o forte sol no meio de uma manhã na capital, Elizabeth Kenyi e seu marido, Johnson Ali, colhem legumes de seu jardim ao longo do Nilo Branco, um afluente do Rio Nilo. Por duas décadas, eles venderam seus quiabos, pimentões e tomates em um mercado próximo. Mas mesmo com uma colheita abundante este ano, acham mais difícil do que nunca alimentar sua família de sete membros. 

 "O dinheiro que consigo com minha produção é inútil", disse Ali. Embora os produtos de sua colheita tenham valorizado, o preço dos grãos que compram, como milho e sorgo, estão subindo rapidamente.  A moeda do Sudão do Sul está em queda livre e a hiperinflação se abate sobre todos. Antes da guerra, um dólar americano valia cinco libras sul-sudanesas. Em março, já valia cerca de 220 libras. 

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 O impacto foi devastador. Um relatório de 2017 do Programa Alimentar Mundial determinou que o preço relativo de uma refeição no Sudão do Sul estava entre as mais altas do mundo. 

 O relatório também revelou que as pessoas normalmente precisavam gastar 155% de sua renda diária para conseguir um único prato de feijão. Para colocar de outra forma, uma refeição que custaria a um nova-iorquino apenas 1,20 dólar (R$ 4,50) , custaria a alguém em Juba o equivalente a 321,70 dólares (R$ 1206) . 

 Aguardando ajuda que nunca chega 

 Com a agricultura em frangalhos, a ajuda emergencial está mantendo viva parte do país. No início de 2018, metade da população do Sudão do Sul dependia de ajuda alimentar, segundo a ONU. E a tendência é que essa porcentagem cresça quando a temporada de fome atingir seu auge nas próximas semanas. 

 Mas o acesso a essa ajuda é uma questão totalmente diferente. A estação chuvosa acontece durante esses meses magros, transformando muitas estradas em rios de lama intransitáveis.  Além disso, pelo menos cem trabalhadores humanitários foram mortos aqui desde o início do conflito, 30 apenas no último ano, atingidos pelos grupos beligerantes que acreditam que os esforços humanitários ajudem seus inimigos. 

 Mesmo dentro dos campos protegidos, formados em todo o país pela ONU, não há comida suficiente para outras regiões. Tafisa Nyattie, 30 anos, que vive em um acampamento aqui desde 2013, tem seis filhos. Suas rações de comida regularmente se esgotam, então ela deixa o acampamento diariamente para recolher lenha, na esperança de ganhar dinheiro suficiente para o leite e o sabão para lavar as roupas dos pequenos. 

 Ela caminha até três horas em cada direção, enfrentando ameaças de forças governamentais antes de retornar com uma grande quantidade de madeira sobre a cabeça. "Eles te estupram ou te espancam, e às vezes podem até matar", disse Nyattie sobre os perigos bem documentados que as mulheres enfrentam no meio conflito. "Alguns soldados do governo tentaram me estuprar." 

 Outro dia, ela contou que foi espancada e sua perna foi gravemente ferida. Mas quando viu como seus filhos estavam famintos, percebeu que não tinha escolha a não ser voltar a explorar o lado de fora do campo novamente. "Você vai sem nunca saber se conseguirá voltar para seus filhos", disse Nyattie.

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