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Um segurança olha carteiras danificadas e destroços no interior da escola para meninas Sher Ali Khan em Naw Deh, na província de Farah, Afeganistão, em abril de 2019. Dois ataques a bomba no Afeganistão renovaram os temores de uma volta da repressão caso o Talibã se torne parte de um governo futuro
Um segurança olha carteiras danificadas e destroços no interior da escola para meninas Sher Ali Khan em Naw Deh, na província de Farah, Afeganistão, em abril de 2019. Dois ataques a bomba no Afeganistão renovaram os temores de uma volta da repressão caso o Talibã se torne parte de um governo futuro| Foto: Najim Rahim / The New York Times

Pouco antes dos exames intermediários, em janeiro, Mohammad Sadiq Halimi, vice-diretor de Educação da província de Farah, no oeste do Afeganistão, recebeu um ultimato da liderança talibã.

"Exigiram que demitíssemos todos os professores, substituindo-os por mulheres, porque 'homem não pode ensinar menina'. Obedecemos porque não queríamos lhes dar motivo de fechar a escola à força", explica ele.

Apesar disso, ela não foi poupada: no mês passado, homens armados a incendiaram de madrugada, e outra instituição, localizada na periferia da cidade de Farah, a capital da província, sofreu o mesmo revés na noite seguinte. Ambas ficaram seriamente danificadas, com o material didático destruído, suspendendo as aulas indefinidamente para quase 1.700 meninas. Uma parede próxima dali, pichada, dizia: "Vida longa ao Emirado Islâmico", nome do Talibã para seu movimento.

De acordo com Muhibullah Muhib, porta-voz da polícia, outras quatro escolas femininas foram vandalizadas nos últimos meses.

Tentativa de acordo de paz

Além de apavorar os professores, as alunas e suas famílias, os ataques reacenderam os temores da volta do regime repressivo do Talibã, cujos militantes tentam negociar com os EUA um acordo de paz. Até o governo do movimento ser destituído, em 2001, a educação das meninas era proibida e as mulheres ficavam confinadas em casa.

Atualmente, mais de 3,6 milhões de meninas estão matriculadas nas escolas e cem mil mulheres fazem curso superior, segundo o Ministério da Educação, mas cerca de 400 colégios mistos foram fechados nos últimos meses por "questões de segurança", incluindo conflitos armados e ataques e/ou ameaças.

Os atentados de Farah foram perpetrados mesmo depois que a liderança do grupo no Catar, onde estão sendo realizadas as negociações com os norte-americanos, se disse comprometida com os direitos da mulher sob a lei islâmica, incluindo o da educação – e justificam a enorme desconfiança das afegãs com qualquer governo que inclua o Talibã pela possibilidade de voltar a proibir ou limitar a educação feminina.

Sosan Aubi, de 38 anos, professora de uma das escolas incendiadas no mês passado, diz que até estava otimista em relação à paz, por causa da reunião no Catar. "Mas, com as explosões, todo mundo perdeu as esperanças", lamenta.

Nayab Khan, dono da mercearia do vilarejo que perdeu uma das duas escolas vandalizadas, frequentada por suas irmãs e filhas, confessa não pôr fé nas promessas talibãs. "Dizem que mudaram para melhor, mas a gente só vê escolas explodindo e artifícios para impedir as meninas de receber qualquer educação", desabafa.

Zabiullah Mujahid, porta-voz do Talibã, negou a responsabilidade pelos ataques e garantiu que os militantes seriam investigados e, em caso de envolvimento, punidos. "Se as escolas reabrirem, não haverá nenhuma ameaça da nossa parte", afirmou. Porém os moradores locais, furiosos, afirmam que as instituições se encontram em áreas controladas pelo grupo; para piorar, os funcionários do governo não têm acesso a elas para avaliar os prejuízos.

'De mãos atadas'

Para Dadullah Qani, deputado por Farah, os atentados provam que o governo está perdendo o controle da província. "A qualidade da segurança está deteriorando dia a dia. Não há diferença entre o governo e o povo; ambos se veem de mãos atadas para impedir esse tipo de violência."

Tanto os membros do governo provincial como os anciões dos vilarejos dizem que os atentados expuseram um racha entre os militantes, uma vez que muitas autoridades civis se mostram dispostas a tolerar a educação feminina, mas os comandantes militares, não. O Talibã opera o chamado "governo sombra" nas áreas controladas ou contestadas por seus membros, cobrando impostos dos moradores e estabelecendo sedes para dirigir as questões do dia a dia. "Alguns integrantes são a favor da educação feminina, mas outros são contra", explica Halimi.

Os anciões contam que criaram uma delegação para se reunir com as autoridades e exigir a reconstrução das escolas, mas teve de ouvir que o governo é impotente para intervir e foi aconselhada a procurar a liderança talibã local.

Halimi diz que um grupo de aproximadamente 50 aldeões está pensando em retomar as aulas temporariamente, em barracas. Os moradores explicam que os talibãs responsáveis pela educação tinham entrado em contato com os funcionários do governo para discutir a reabertura da escola, mas pediram tempo para obter uma definição dos comandantes militares da organização. Já Mohammad Azimi, o diretor de educação da província, pediu ajuda dos pais e alunos para a reabertura.

Incêndio e explosão por homens armados e mascarados

Na Sher Ali Khan, em Naw Deh, a cerca de treze quilômetros da capital, o vidro das janelas foi estilhaçado e parte das paredes, demolida. Lá dentro, as carteiras foram queimadas e o material, avariado e espalhado pelo chão.

À entrada havia uma placa com as bandeiras afegã e norte-americana, e a informação de que a Agência Norte-americana de Desenvolvimento Internacional ajudara a construí-la em 2005, mas alguém vandalizou o símbolo dos EUA. (A sede do órgão em Cabul informa que atualmente não financia a escola, ainda que tenha participado do projeto no início.)

Uma placa com as bandeiras dos Estados Unidos e do Afeganistão e uma mensagem dizendo que a Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional ajudou a construir a escola em 2015, no interior da escola para meninas Sher Ali Khan em Naw Deh, na província de Farah, Afeganistão, em abril de 2019
Uma placa com as bandeiras dos Estados Unidos e do Afeganistão e uma mensagem dizendo que a Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional ajudou a construir a escola em 2015, no interior da escola para meninas Sher Ali Khan em Naw Deh, na província de Farah, Afeganistão, em abril de 2019| Najim Rahim / The New York Times

De acordo com Abdul Rahman, o diretor da escola, cinco homens armados e mascarados renderam o vigia, jogaram gasolina no interior do prédio e puseram fogo na noite de 15 de abril. Como se não fosse suficiente, também detonaram um pequeno explosivo dentro da administração.

Com isso, os documentos e registros, além de todo o material escolar e os livros de ensino, foram destruídos – mas os vândalos pouparam os textos islâmicos religiosos. "Agora as meninas estão morrendo de medo. Mesmo que a escola reabra, talvez elas não venham mais", lamenta Rahman.

Abdul Hamid Haidari, comerciante de 45 anos, diz que as três filhas cursaram a Sher Ali Khan. "A mais velha, Roya, de 18 anos, ia se formar este ano e queria fazer magistério, mas talvez não consiga porque, com o incêndio, o histórico dela foi destruído", explica.

E prossegue, afirmando que as três caíram no choro quando souberam do atentado. "Eu queria muito educar todos os meus filhos, as meninas e os quatro garotos, tanto que me sacrifiquei muito para matriculá-los, apesar do clima precário da segurança. Estava torcendo para que as negociações mudassem alguma coisa, mas, agora que aconteceu esse ataque, já não tenho muita esperança."

O deputado Qani descreve o clima de medo e desconfiança depois dos ataques, e afirma que muito possivelmente tiveram o resultado desejado. "Mesmo que as escolas reabram, muitos pais vão ficar com medo de mandar as meninas de volta para as aulas. Hoje eles põem fogo nos prédios; quem garante que amanhã não vão atacar as alunas?", questiona.

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