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Mulher uigur segura bebê em um restaurante uigur em Hotan, na região noroeste da China, Xinjiang.| Foto: GREG BAKER/AFP

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 1 milhão de uigures estão detidos em campos secretos na China, cerca de 10% da população minoritária no país. Sob a desculpa de combate ao terrorismo e negando qualquer violação aos direitos humanos, a China usa a detenção arbitrária e outros métodos para promover o extermínio dessa etnia que vive predominantemente no oeste do país, na província de Xinjiang, sem necessariamente ter que puxar um gatilho. O objetivo é eliminar qualquer ameaça ao poder do Partido Comunista da China e faz parte de uma campanha muito mais ampla do governo comunista de supressão à liberdade religiosa e a dissidências no país.

Tudo começa com a vigilância

As autoridades chinesas usam um sistema amplo e secreto de tecnologia para vigiar os uigures. Um levantamento feito neste ano por uma empresa americana de segurança móvel mostrou que um dos pilares desse sistema foi a invasão de celulares. Usando malwares, hackers a serviço do governo conseguem invadir os celulares do uigures, ganhando acesso remoto ao microfone do aparelho, acesso para gravar chamadas ou exportar fotos, localizações e conversas em aplicativos de mensagens. Quem tem aplicativos não autorizados pelo partido instalados no celular está sujeito à detenção.

Outra ferramenta usada é o reconhecimento facial. A inteligência artificial integrada à rede de câmeras de vigilância, cada vez mais extensa, permite fazer um perfil racial para identificar os uigures com base em sua aparência, e ainda mantém um registro de seus movimentos. Com essas técnicas, as autoridades conseguem ficar de olho na população uigur não somente em Xinjiang, mas também em outras partes do país.

Os uigures também estão sujeitos a exames de DNA e a um sistema de "crédito social" ou "pontuação social" separado daquele amplamente usado em outras regiões da China para recompensar o comportamento que o governo aprova e punir transgressões que variam de violações de trânsito à disseminação de informações falsas.

Prisão é pela religião, e não por terrorismo

As informações coletadas são usadas para determinar quem será preso nos chamados “campos de reeducação”, onde o uigures se veem forçados a abandonar suas crenças e costumes e jurar fidelidade ao partido comunista para conseguir a liberdade.

A China descreve os campos como "centros de educação vocacional" com o objetivo de afastar as pessoas do terrorismo e reintegrá-las à sociedade. Mas vários documentos do governo chinês e relatos de uigures que já estiveram nessas prisões comprovam que as pessoas são presas não por suspeita de terrorismo, mas pela maneira como se vestem e se comportam. Usar um véu no rosto ou ter uma barba comprida já serve de motivo para detenção. Ter um passaporte sem ter viajado a outro país e ter mais filhos do que o permitido pelo governo também. Em um condado de Xinjiang, líderes do partido foram gravados ordenando ações drásticas e urgentes contra a violência extremista, incluindo as detenções em massa.

Como funcionam os “campos de reeducação”

Os campos estão fortemente protegidos e cheios de vigilância. Os funcionários são instruídos a monitorar os "alunos" enquanto comem, fazem intervalos no banheiro e tomam banho, para que não tentem escapar. As idas e vindas entre os "centros de treinamento" são acompanhadas de perto.

Atividades fora da aula são proibidas. O mesmo acontece com o contato não autorizado com o mundo exterior. Os detidos não têm permissão para acessar telefones celulares, e mesmo os funcionários devem entregar os seus para evitar qualquer "conluio entre dentro e fora" dos campos, segundo um manual de um campo de reeducação vazado para a imprensa.

Alguma comunicação com pessoas de fora são autorizadas para deixar a família "à vontade". Os detidos devem ter conversas telefônicas com parentes pelo menos uma vez por semana e bate-papos por vídeo todos os meses. Aqueles que desejam deixar as instalações devem solicitar uma folga por "doença ou outras circunstâncias especiais" e alguém deve "acompanhá-los, monitorá-los e controlá-los" do lado de fora.

O objetivo dos campos, de acordo com o manual, é "o arrependimento e a confissão", quando os detentos passam a "entender a natureza profundamente ilegal, criminosa e perigosa" de seu antigo comportamento. Ao longo do caminho, eles recebem um currículo de ideologia e "maneiras" chinesas, tudo em mandarim, e testam semanalmente suas habilidades no idioma nacional.

Os presos são separados em grupos com base em quão perigosas as autoridades acreditam que sejam e são pontuados em seu nível percebido de transformação ideológica, trabalho de classe e obediência. Os números mensais e anuais são registrados em arquivos pessoais e considerados na concessão de privilégios, como visitas familiares, e na avaliação final.

Casamentos

Outra maneira de apagar a cultura Uigur no país é estimular o casamento interétnico e a migração da etnia han, população dominante na China, para Xinjiang. Em 2014, uma matéria do New York Times revelou que autoridades na região ofereciam dinheiro e mais incentivos para estimular casamentos entre minorias e a etnia han. Reportagens na imprensa chinesa dizem que os pagamentos têm por objetivo ajudar os casais a investirem em pequenos negócios e iniciar famílias. Porém, críticos argumentam que trata-se de uma medida que visa uma tentativa de “achinesar” os uigures. Filhos de casais interétnicos também são beneficiados: desde 2019, após uma reforma educacional, passaram a ter vantagens no acesso às universidades.

Abortos e esterilizações

A China está usando métodos de controle de natalidade forçados e até abortos para diminuir a população uigur na província de Xinjiang. O partido Comunista permite que as mulheres tenham entre dois ou três filhos, dependendo da região, e para impedir que as mulheres uigures ultrapassarem essa cota, as autoridades chinesas as coagem para que se submetam a cirurgias de esterilização e ameaçam interná-las em campos de reeducação se não quiserem abortar. Até mesmo as mulheres que têm menos de dois filhos são forçadas a inserir um DIU (Dispositivo Intrauterino) para não ficarem grávidas. Algumas, depois de sair da China, descobrem que estão estéreis.

Em áreas rurais, mulheres uigures são obrigadas pelas autoridades de saúde locais a realizar exames ginecológicos e a cada dois meses precisam fazer teste de gravidez. Ordens de oficiais locais dão a entender que, se constatada a gravidez, o aborto deve ser realizado.

Embora a palavra não seja citada, relatos de ex-detentas dos campos de reeducação confirmam a prática.Gulzia Mogdin contou à AP que durante uma visita à China em 2017 ela foi levada a um hospital depois que oficiais descobriram que ela tinha o aplicativo Whatsapp instalado no celular. Mogdin morava no Cazaquistão, mas era chinesa. Após um exame, as autoridades descobriram que ela estava grávida de dois meses e exigiram que abortasse, ameaçando prender o irmão dela caso se recusasse. Ela disse à AP que durante o aborto, os médicos inseriram um aspirador elétrico no útero e sugaram o feto para fora do corpo.

Com essas práticas absurdas, já adotadas pelo governo anteriormente quando a política do filho único era rigorosamente observada, a taxa de natalidade em Xinjiang, em 2018, caiu 24% em relação ao ano anterior, enquanto que a média na China foi de uma retração de 4,2%.

"Essas descobertas levantam sérias preocupações sobre se as políticas de Pequim em Xinjiang representam, em aspectos fundamentais, o que pode ser caracterizado como uma campanha demográfica de genocídio", segundo as definições da ONU, disse o pesquisador alemão Adrian Zenz, que recentemente publicou uma pesquisa sobre os métodos de controle de natalidade entre os uigures.

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