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Ex-advogado de Trump, Michael Cohen, e o presidente dos EUA, Donald Trump | DON EMMERT/AFP
Ex-advogado de Trump, Michael Cohen, e o presidente dos EUA, Donald Trump| Foto: DON EMMERT/AFP

Em um tribunal de Manhattan na terça-feira (21), o advogado de longa data do presidente americano Donald Trump, Michael Cohen, implicou diretamente seu ex-chefe em um esquema para encobrir supostos casos amorosos que Trump teve com uma ex-modelo da Playboy e uma atriz de filmes adultos para evitar que fossem revelados antes a eleição de 2016. Saiba o que Cohen revelou à justiça e como isso pode implicar o presidente dos Estados Unidos.

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O que Cohen disse à Justiça?

Diante do juiz William Pauley, Cohen admitiu culpa em duas acusações criminais: contribuição corporativa ilegal e contribuição de campanha excessiva. 

A primeira acusação se refere à negociação de um acordo entre Cohen e uma empresa não identificada – o contexto das acusações deixa claro que é a American Media Inc. (AMI), editora do National Enquirer – a pagar US$ 150.000 à ex-modelo da Playboy Karen McDougal. Esse pagamento visava impedir que ela pudesse compartilhar sua história sobre o caso de um ano que alega ter tido com Trump com qualquer outro meio de comunicação. 

A segunda acusação tratou sobre o pagamento para a atriz de filmes adultos Stormy Daniels, negociado por Cohen pouco antes da eleição. Esse pagamento, de US$ 130.000, foi feito com fundos retirados de uma linha de crédito com garantia de imóvel obtida por Cohen em 2015. Essa linha de crédito foi obtida fraudulentamente de acordo com a confissão de culpa de Cohen. 

Para um leigo isso provavelmente soa como um exemplo um pouco mais nocivo dos negócios habituais na política, mas não é. Em duas frases, Cohen deixou isso bem claro quando declarou culpa por suas ações. 

O pagamento para McDougal foi feito "em coordenação e sob a direção de um candidato a um cargo federal", afirmou Cohen, acrescentando que foi feito "com o objetivo principal de influenciar a eleição". O pagamento de Daniels foi similarmente feito "em coordenação e sob a direção do mesmo candidato", e pelo mesmo motivo. 

Esses pontos são importantes. Fazer um pagamento de US$ 130.000 para enterrar uma história tem, ao menos, legalidade duvidosa. Como e se viola a lei depende do relacionamento da pessoa que faz o pagamento para a campanha e se tais pagamentos estavam ou não no curso padrão da prática de seus negócios. 

As afirmações juramentadas de Cohen no tribunal deixam claro que ele estava agindo em nome da campanha com o objetivo de ajudar a eleição do candidato. Não era o advogado da Organização Trump, Michael Cohen, a fazer outro pagamento a outra mulher - era Cohen, em nome da campanha, fazendo uma despesa relacionada à campanha. Se a campanha de Trump tivesse pago os US$ 130.000 com doações de contribuição legais e tivesse informado isso em seus balanços, seria perfeitamente legal, embora politicamente problemático. Mas não foi isso que aconteceu. 

Na verdade, Cohen foi reembolsado pela Organização Trump em US$ 420.000. O advogado disse que submeteu uma série de faturas a "uma empresa imobiliária sediada em Manhattan" onde ele já havia trabalhado. Essas faturas foram destinadas, entre outras coisas, a reembolsá-lo pelo dinheiro que ele deu para Daniels e ocorreram ao longo de 2017. 

A situação com o pagamento ao McDougal é ainda mais complexa. O documento informativo fornecido pelo governo aborda os detalhes. 

Antes de quaisquer acordos serem assinados, o presidente da AMI e amigo de longa data de Trump, David Pecker, supostamente "se ofereceu para ajudar a lidar com histórias negativas sobre as relações de [Trump] com mulheres, entre outras coisas, ajudando a campanha a identificar tais histórias para que elas pudessem ser compradas, evitando assim sua publicação". Ao longo da campanha, Cohen "conseguiu arranjar a compra de duas histórias para suprimi-las e impedi-las de influenciar a eleição" – a de McDougal e a de Daniels. 

Em junho de 2016, McDougal entrou em contato com uma publicação da AMI (presumivelmente o National Enquirer) por meio de um advogado. A AMI informou Cohen, que prometeu reembolsar a AMI se ela comprasse sua história por US$ 150.000. 

Em agosto, a empresa concordou em fazê-lo. Mais tarde naquele mês, Cohen chegou a um acordo para comprar os direitos da AMI por US $ 125.000 – uma potencial compra revelada em uma conversa entre Trump e Cohen, registrada em áudio pelo advogado. Um acordo foi assinado e uma fatura enviada a Cohen, mas no início de outubro Pecker disse a Cohen que o acordo estava cancelado. Não está claro por que, mas no mesmo período a fita "Access Hollywood", em que Trump fazia comentários ofensivos sobre mulheres, foi publicada pelo Washington Post. 

Um meio de comunicação pode comprar histórias e decidir não publicá-las, mas não pode coordenar uma ação como esta junto com uma campanha. O documento do governo e as afirmações de Cohen no tribunal sugerem que eles fizeram exatamente isso. 

Quais são as implicações para Trump?

Há uma questão natural que surge aqui: o próprio Trump está exposto à responsabilidade criminal por esses pagamentos? 

Charlie Spies, que serviu como conselheiro para a campanha presidencial de Mitt Romney em 2008, observou que a confissão de Cohen não significa necessariamente que Trump está em risco. Segundo ele, o presidente poderia argumentar que a despesa foi feita para um propósito pessoal - para manter sua reputação pessoal e profissional - em vez de um propósito de campanha. 

Lawrence Noble, ex-conselheiro geral da Comissão Eleitoral Federal, sugeriu que as ações de Trump o colocam em risco. 

"Se Trump sozinho, ou através de Cohen, coordenou com a AMI para comprar uma história a fim de impedir que ela saísse e prejudicasse sua campanha, então ele solicitou e aceitou uma contribuição corporativa ilegal da AMI", disse. Agir desta maneira é uma violação da lei federal.

Além disso, observou Noble, o reembolso pela Organização Trump para o pagamento de Daniels era em si problemático. 

"Se Trump autorizou ou coordenou o reembolso de Cohen pelos pagamentos de Daniels, então ele é responsável pela empresa fazer e sua campanha aceitar contribuições corporativas ilegais". 

Richard Hasen, especialista em direito eleitoral da Universidade da Califórnia em Irvine, concordou. Hasen disse que as violações de Cohen podem representar "responsabilidade em nome da campanha e responsabilidade em nome da Organização Trump, mas há potencial de que o próprio Trump possa ser pessoalmente responsável por conspirar nessa atividade". 

"Se o Departamento de Justiça estava lidando com um caso comum que não envolvesse o presidente, parece que ele (Trump) poderia ser acusado de um crime", acrescentou. 

Trump pode sofrer impeachment? 

O caso provavelmente não terá consequências legais para o presidente enquanto ele estiver no cargo, mas a confissão de Cohen poderia desencadear pedidos de audiências de impeachment. 

O departamento de Justiça produziu análises jurídicas em 1973 e 2000, concluindo que a Constituição não permite a acusação criminal de um presidente em exercício, mas estas análises nunca foram testadas em tribunal. Para que isso ocorra, um procurador teria que contrariar a orientação do departamento. 

Em comentários a repórteres, o vice-promotor americano Robert Khuzami disse que os promotores estão afirmando que não têm medo de apresentar acusações quando as leis de financiamento de campanha não são respeitadas. Mas ele não mencionou Trump e nem ofereceu qualquer indicação de que seu escritório planeja agir contra o presidente. 

Da mesma forma, o procurador especial Robert Mueller determinou há meses que as alegações de violações financeiras de campanha envolvendo pagamentos a mulheres antes da eleição presidencial estavam fora do escopo das investigações sobre o suposto conluio da campanha de Trump com os russos. 

Isso faria do impeachment a via mais provável para responsabilizar Trump por seu papel nas violações de financiamento de campanha em 2016 – um desfecho improvável enquanto os republicanos detêm o Congresso, mas um item potencial da agenda dos democratas se eles assumirem o controle da Câmara após as eleições de novembro. 

Os democratas estão divididos sobre se pedir o impeachment de Trump é politicamente inteligente antes das eleições, mas a confissão de Cohen poderia rever esse cálculo e pressionar os democratas a prometerem convocar audiências de impeachment caso conquistem a Câmara, que tem a autoridade constitucional de iniciar o processo. 

A condenação de Manafort também prejudica o presidente?

Cohen fez um acordo com a justiça quase ao mesmo tempo em que Paul Manafort, ex-presidente da campanha de Trump, foi condenado por um júri no norte da Virgínia por oito acusações – feitas por Mueller – de fraude fiscal e bancária

Embora a condenação de Manafort não implique Trump diretamente, ela reforçará a investigação de Mueller, que garantiu sua primeira vitória e contribuiu para a pressão política e legal em torno do presidente. Agora, enfrentando uma perspectiva real de dificuldade, Manafort poderia tentar fechar um acordo e cooperar com os investigadores. 

"A combinação da condenação de Manafort e a confissão de culpa de Michael Cohen cria um turbilhão legal para os advogados do presidente que agora têm que lutar em duas frentes, evitando acusações não relacionadas que envolvem indivíduos que já foram próximos ao presidente”, diz Robert Mintz, ex-promotor federal. 

Para Mueller, o desenvolvimento mais significativo do dia talvez seja a condenação de Manafort em oito acusações criminais de fraude bancária e fiscal. Especialistas dizem que as diretrizes federais de sentenciamento exigem que Manafort seja condenado entre sete a dez anos de prisão, praticamente o mesmo tempo se tivesse sido condenado em todas as 18 acusações que enfrentou. 

Timothy Belevetz, ex-promotor federal e que agora trabalha na empresa Holland & Knight, classificou o veredicto como "um importante marco" para a equipe de Mueller. 

"Até agora, o escritório acusou mais de 30 indivíduos e garantiu uma série de confissões de culpa, o que não é insignificante", disse ele. "Esta é uma grande vitória para o procurador especial".

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