O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está determinado a vender sua visão de paz com a Coreia do Norte.
Em uma coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, Trump contradisse diretamente seu próprio conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu anfitrião, argumentando que Pyongyang não havia lançado mísseis balísticos neste mês, nem violado as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Ele também tomou partido da Coreia do Norte quando o ex-vice-presidente e candidato democrata à presidência em 2020, Joe Biden, foi chamado de "idiota com baixo QI" pela mídia estatal norte-coreana, depois de ter dito que Kim Jong-un era um ditador e tirano.
"Bem, Kim Jong-un fez uma declaração de que Joe Biden é um indivíduo de baixo QI", comentou Trump. "Eu acho que eu concordo com ele sobre isso".
Trump disse que não está "pessoalmente" incomodado com os lançamentos de mísseis da Coreia do Norte neste mês e disse não acreditar que eles violem as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
"Meu pessoal acha que pode ter sido uma violação", disse Trump. "Eu vejo isso de forma diferente".
No sábado (25), o conselheiro de segurança nacional do presidente, John Bolton, disse a repórteres que "sem dúvida" a Coreia do Norte havia violado as resoluções do Conselho de Segurança ao disparar mísseis balísticos de curto alcance.
O Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Norte foi rápido em atacar Bolton na segunda-feira (27), ao chamá-lo de "maníaco da guerra" que tem uma "estrutura mental diferente das pessoas comuns".
Bolton não recebeu apoio de Trump, que parece interessado em pensar o melhor de Kim, seja porque ele acredita em sua química pessoal com o ditador ou porque não pode admitir que sua grande iniciativa na política externa esteja falhando.
Abe tem feito questão de minimizar suas diferenças com Trump sobre a Coreia do Norte e ressaltou que as posições dos dois países eram "as mesmas". Mas ele não conseguiu concordar com Trump a respeito dos lançamentos de mísseis.
"No dia 9 de maio, a Coreia do Norte lançou mísseis balísticos de curto alcance, e isso é uma violação da resolução do Conselho de Segurança da ONU, então, como eu tenho dito, este é um ato bastante lamentável", disse o primeiro-ministro japonês.
Afinal, o Norte lançou mísseis balísticos ou não?
A Coreia do Norte lançou um míssil em 4 de maio. Cinco dias depois, em 9 de maio, mais dois mísseis voaram pelos ares antes de aterrissar no mar. Na época, o Pentágono os descreveu como mísseis balísticos, o que foi apoiado por uma série de especialistas, mas as fontes divergem quanto a isso.
A distinção entre míssil balístico e não balístico é importante. Múltiplas resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) dizem especificamente que a Coreia do Norte deve interromper todos os testes usando tecnologia de mísseis balísticos, considerada particularmente ameaçadora para outros países. Ou seja, classificar os mísseis como "balísticos" aumentaria as pressões diplomáticas em um momento em que o processo de paz já está desmoronando.
O secretário dos Estados, Mike Pompeo, parece reconhecer isso e também minimizou os testes do Norte, dizendo que eles eram de curto alcance e não uma ameaça aos Estados Unidos.
O mesmo está fazendo a Coreia do Sul, que descreveu os mísseis como “projéteis” em 4 de maio e os lançados em 9 de maio como “mísseis de curto alcance”, argumentando que são necessárias mais análises para determinar se realmente são balísticos. O presidente Moon Jae-in, porém, cometeu um deslize recentemente ao usar a expressão “dando missiles”, uma junção das palavras "tando" e "dangeori", que, respectivamente, significam “balísticos” e “de curto alcance” em coreano.
Para Jeffrey Lewis, pesquisador do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, na Califórnia, não há dúvida de que a Coreia do Norte disparou pelo menos três mísseis balísticos.
Vipin Narang, professor associado de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), disse que a trajetória do míssil KN-23 é baixa, então às vezes ele é chamado de “míssil quase balístico”. “Isso pode dar a eles [sul-coreanos] espaço suficiente para dizer 'não é um SRBM [míssil balístico de curto alcance]. Mas é".
Por que Trump está ‘passando o pano’ para a Coreia do Norte?
Trata-se de uma estratégia de Trump para minimizar o fracasso da cúpula com Kim em Hanói, em fevereiro, quando o presidente americano deixou mais cedo o encontro sem assinar acordo ou declaração conjunta com o ditador norte-coreano. As conversas de paz com a Coreia do Norte foram a principal política externa adotada pela administração Trump no seu segundo ano de mandato e o presidente não quer arriscar perder os avanços que foram feitos até agora, apesar do retrocesso em 2019.
Moon investiu ainda mais seu prestígio pessoal no envolvimento com a Coreia do Norte. Seu governo sofreu sérias críticas da Coreia do Norte recentemente por continuar os exercícios militares com os Estados Unidos na península, mas ele está lutando para avançar como o mediador de fato entre Pyongyang e Washington.
Narang aponta que os testes de mísseis sejam respostas pontuais aos exercícios militares dos EUA e da Coreia do Sul, mas o risco é que, ao evitar críticas, Trump e Moon dão sinal verde a Kim para que ele continue usando das mesmas táticas, o que pode levá-lo a testar mísseis de longo alcance como uma tática de pressão. "E se ele lançar um míssil muito longe ou lançar um míssil muitas vezes e, literalmente, ultrapassar o que Trump está disposto a tolerar?", questionou Narang.
Esse é um risco também destacado por Nam Sung-wook, ex-oficial de inteligência sul-coreano que hoje é professor de estudos norte-coreanos na Universidade da Coreia.
"Os norte-coreanos precisam das grandes potências prestando atenção neles", disse ele. "A resposta discreta ao seu mais recente teste poderia estimular Kim a uma provocação maior".
No Japão, os formuladores de políticas e especialistas estão preocupados que esta abordagem suave possa encorajar a Coreia do Norte a testar um míssil balístico de médio alcance que poderia realmente ameaçar seu país. Nesse caso, eles esperariam por uma resposta muito mais forte de Trump.
Mas Narushige Michishita, professor do Instituto Nacional de Pós-Graduação em Estudos Políticos, em Tóquio, diz que qualquer estratégia tem um lado positivo e um lado negativo.
Segundo ele, a abordagem de "negação" tem a vantagem de transmitir o forte compromisso de Washington e Seul de reiniciar as negociações. A desvantagem é minar a posição de barganha dos aliados e encorajar a Coreia do Norte a tentar descobrir o que acontece se lançar mísseis de médio ou longo alcance.
Para Narang, uma abordagem mais sensata teria sido classificar os testes de 9 de maio “como eles realmente aconteceram” - um teste de míssil balístico de combustível sólido de curto alcance.
O próximo passo seria explicar que, embora não tenha violado nenhum compromisso assumido por Trump ou Moon, Kim violou as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, avisando que qualquer outro teste de mísseis balísticos violaria o espírito da Declaração de Cingapura assinada por Trump e Kim.
"Dessa forma, manteria a porta aberta para a diplomacia, sem incentivar Kim a forçar a barra ainda mais", concluiu Narang.
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