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O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anuncia lançamento de ofensiva contra forças curdas no norte da Síria, 9 de outubro de 2019, em Ancara
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anuncia lançamento de ofensiva contra forças curdas no norte da Síria, 9 de outubro de 2019, em Ancara| Foto: Presidência da Turquia / AFP

No mês passado, o governo turco divulgou os detalhes de um plano controverso para lidar com os refugiados sírios que estão abrigados na Turquia. A solução: enviar pelo menos um milhão deles de volta para a Síria pela fronteira.

"Vamos levá-los para as zonas seguras lá", disse o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Ancara, ao descrever o plano para reassentar refugiados no lado sírio, em uma área a 32 quilômetros da fronteira dos dois países.

Agora, depois que a Turquia lançou uma operação militar contra as forças curdas aliadas dos EUA no nordeste da Síria nesta quarta-feira (9), os defensores dos direitos humanos estão alertando que qualquer plano para reinstalar refugiados no país poderia provocar um desastre humanitário e constituir uma grande violação das obrigações da Turquia com a proteção de refugiados internacionais. O conceito de zona segura foi adaptado em parte dos planos anteriores de Erdogan de criar uma zona neutra para proteger a fronteira turca.

Gerry Simpson, diretor associado da divisão de crises e conflitos da Human Rights Watch, disse que designar uma área específica como zona segura é "uma tarefa muito perigosa".

Haveria grandes obstáculos para manter essa área segura, disse ele, incluindo a decisão sobre designar a área como zona de exclusão aérea, decidir quem a policiaria e assegurar que os grupos armados sejam mantidos separados dos civis.

"O contexto na Síria é tão complicado e imprevisível, com tantas partes em confronto disputando tantos interesses conflitantes, que é extremamente difícil imaginar qualquer zona, muito menos uma que se estende por 500 quilômetros de leste a oeste, sendo segura o suficiente para as pessoas viverem uma vida protegida", afirmou. "Existem muitos exemplos históricos em que zonas seguras se tornaram armadilhas mortais".

Experiências fracassadas

Em um dos casos mais notórios de uma tentativa fracassada de manter os civis seguros em um conflito, tropas sérvias da Bósnia invadiram a cidade de Srebrenica em julho de 1995, executando cerca de 8 mil homens e meninos muçulmanos ao longo de vários dias. Srebrenica era uma das seis zonas que o Conselho de Segurança da ONU havia projetado como "áreas seguras" em 1993.

"Com muita frequência na história de atrocidades em massa, [uma zona segura] não se torna uma zona segura, torna-se um local de depósito ou torna os civis mais vulneráveis", disse Simon Adams, diretor executivo do Centro Global de Responsabilidade para Proteger, uma organização independente focada na prevenção de atrocidades em massa.

Os planos da Turquia de criar uma zona segura dentro da Síria, segundo Adams, "soa como uma zona de matança, vestida com uma linguagem humanitária".

As forças curdas sírias apoiadas pelos EUA estão entre os aliados mais importantes de Washington na luta contra o Estado Islâmico, mas a Turquia os vê como terroristas trabalhando ao lado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão da Turquia, conhecido como PKK.

"Nossa missão é impedir a criação de um corredor de terrorismo em nossa fronteira sul e trazer paz para a área", tuitou Erdogan na quarta-feira, quando as forças turcas lançaram sua ofensiva contra os combatentes curdos no nordeste da Síria.

Dias antes, a Casa Branca anunciou que retiraria as tropas americanas da área, provocando fúria no Congresso americano, onde legisladores acusaram o governo Trump de abandonar os combatentes curdos, responsáveis ​​por proteger uma rede de centros de detenção que mantêm presos suspeitos do Estado Islâmico e suas famílias. Mas Trump defendeu sua decisão de remover as tropas dos EUA, dizendo que ela "nunca deveriam estar lá, em primeiro lugar".

"A Turquia agora é responsável por garantir que todos os combatentes do ISIS mantidos em cativeiro permaneçam na prisão e que o ISIS não se reconstitua de forma alguma", disse Trump em comunicado na quarta-feira. O Estado Islâmico também é conhecido como ISIS.

Além das preocupações de que em breve os civis sejam enviados para áreas inseguras dentro da Síria, os defensores dos direitos humanos alertaram esta semana que os civis que já estão lá também podem se ver presos na ofensiva turca, vítimas de bombardeios ou ataques aéreos.

A Turquia hospeda milhões de refugiados sírios e está interessada em reduzir esse encargo, pois enfrenta uma crise econômica internamente.

Uma pessoa que faz trabalho humanitário na região, que falou sob condição de anonimato, descreveu a área onde Erdogan planeja estabelecer uma zona segura como uma perigosa "terra de ninguém".

"Não acho que nada sobre esse lugar seja seguro", disse o trabalhador humanitário. Além de preocupações com segurança, ele disse que a área não possui infraestrutura para abrigar até um milhão de novas pessoas. "Transferir as pessoas será fácil, mas o que elas farão em seguida? Elas serão expostas a duras condições de inverno e verão", disse. "Não há infraestrutura e absolutamente nenhuma oportunidade econômica. Isso para mim é uma receita para o desastre."

Dareen Khalifa, analista sênior da Síria no International Crisis Group, disse que Erdogan espera derrubar o equilíbrio de poder nas áreas curdas da Síria, eliminando os combatentes curdos antes de repatriar os sírios para lá.

Mas muitos dos que poderiam ser reassentados nesta região curda não irão voluntariamente e não seriam curdos, disse Khalifa, descrevendo os planos de Erdogan como sendo essencialmente o equivalente a "fazer uma engenharia social para que a demografia seja predominantemente árabe e turca". "Isso é problemático por muitos motivos", disse ela.

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