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Membros do Reporters Sans Frontieres (Repórteres Sem Fronteiras) protestam contra o fechamento do jornal Apple Daily de Hong Kong em frente à embaixada da China em Paris, França, 25 de junho de 2021
Membros do Reporters Sans Frontieres (Repórteres Sem Fronteiras) protestam contra o fechamento do jornal Apple Daily de Hong Kong em frente à embaixada da China em Paris, França, 25 de junho de 2021| Foto: IAN LANGSDON/Agência EFE/Gazeta do Povo

Perseguição política, prisões em massa, cassação de parlamentares opositores, redução da liberdade de expressão e de imprensa e, mais recentemente, o fechamento de um jornal independente. Essas foram algumas das consequências da lei de segurança nacional de Hong Kong, aprovada pelo Partido Comunista da China e sancionada pelo presidente Xi Jinping em 30 de junho de 2020.

Em um ano, houve uma ampla mudança na estrutura administrativa de segurança da cidade, com a instalação de um escritório de segurança nacional que responde diretamente a Pequim, além da criação de departamentos de segurança nacional na polícia e no sistema de justiça local. Neste período, mais de 100 pessoas foram presas sob suspeita de violar a legislação e vários opositores foram impedidos de concorrer às eleições parlamentares que, por interferência de Pequim, ainda nem aconteceram.

O que é a lei de segurança nacional de Hong Kong

No papel, a legislação criminaliza atos interpretados pelas autoridades responsáveis como sucessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras. A pena máxima que pode ser aplicada é a prisão perpétua e alguns casos podem acabar sendo julgados na China continental.

Na prática, é uma intervenção direta do governo central chinês na cidade semi-autônoma para soterrar os protestos pró-democracia que eclodiram em Hong Kong em abril de 2019, ampliar a censura e perseguir os que ousam se posicionar contra o Partido Comunista da China.

As detenções

Segundo levantamento da jornalista Mary Hui, do Quartz, desde 1º de julho de 2020 até meados desta semana, 113 pessoas haviam sido detidas sob suspeita de violar a lei de segurança nacional – o mais velho com 79 anos e o mais novo com 15 anos. Destas, 61 foram formalmente acusadas – em sua maioria, de conspirar para cometer subversão ou por discursos e expressões que são interpretados pelas autoridades como incitação à sucessão.

No início de janeiro, a polícia de Hong Kong realizou uma prisão em massa com base na lei de segurança nacional. Cinquenta e três ex-parlamentares e ativistas pró-democracia foram presos sob suspeita de que tinham um plano para derrubar o governo. A operação envolveu mil policiais e prendeu 45 mulheres e oito homens que organizaram, em julho de 2020, uma eleição primária da oposição – informal, já que primárias não fazem parte do calendário eleitoral de Hong Kong.

A prisão de Jimmy Lai, magnata das comunicações em Hong Kong, ocorreu apenas 40 dias depois que a lei de segurança nacional entrou em vigor. Ele foi acusado de conluio com forças estrangeiras. Posteriormente, ele também foi condenado por participar de uma manifestação não autorizada e está cumprindo 20 meses de prisão.

Vários nomes relacionados a Lai também foram presos, inclusive seus filhos e executivos da Next Media. A mais recente onda de prisões políticas ocorreu nesta semana, quando seis funcionários da Next Media e do Apple Daily, jornal pró-democracia que faz parte do grupo, foram encarcerados, acusados de conluio com potências estrangeiras por causa da publicação de cerca de 30 artigos que, segundo a polícia de Hong Kong, apoiavam sanções à China e a Hong Kong – as autoridades não revelaram quais artigos embasaram as prisões. Os ativos das empresas do grupo também foram congelados, o que acabou levando ao fechamento do Apple Daily. A última edição do jornal circulou nesta quinta-feira (24).

Segundo o levantamento de Hui, 60 dos 61 acusados formalmente sob a legislação de segurança nacional estão sendo processados por motivos políticos. Apenas um está preso por um ato de violência: Tong Ying-kit, 24, é acusado de secessão e terrorismo por pilotar uma moto com uma bandeira que clamava pela libertação de Hong Kong contra um grupo de policiais. Ele se declara inocente, mas pode ser condenado à prisão perpétua se for considerado culpado pelos três juízes que julgarão o caso.

Censura

Durante 2020, os protestos pró-democracia perderam o fôlego, porque além de serem considerados ilegais devido às restrições da pandemia, a lei de segurança nacional censurou slogans e cantos usados nos protestos, o que acabou intimidando os manifestantes. Um dia depois que o texto entrou em vigor, o governo alertou que a frase "Liberte Hong Kong, a revolução dos nossos tempos", poderia ser caracterizada como subversão.

Também houve uma grande censura nas escolas e bibliotecas públicas. O hino de protesto “Glória a Hong Kong” foi banido e a Secretaria de Educação de Hong Kong pediu às escolas que fizessem uma revisão das apostilas usadas no ensino para garantir que elas não violam a lei de segurança nacional. Houve relatos de professores que foram afastados por ter alguma relação com os protestos de 2019.

Livros de personalidades pró-democracia foram removidos das bibliotecas públicas da cidade e há uma ordem para que filmes que “coloquem em risco a segurança nacional” da China também sejam censurados pela “Autoridade de Censura de Filmes” de Hong Kong.

Perseguição a políticos

A lei de segurança nacional também foi usada para impedir a candidatura de ativistas e políticos anti-Pequim nas eleições parlamentares que deveriam ter ocorrido em novembro do ano passado, mas que foram adiadas por um ano – a justificativa oficial para o adiamento foi a pandemia, mas este foi o tempo necessário para que o Partido Comunista da China aprovasse uma reforma eleitoral abrangente para Hong Kong, permitindo a candidatura apenas de “patriotas” e tornando praticamente impossível que a oposição pró-democracia venha a ocupar cargos importantes no governo da cidade ou que tenha parlamentares suficientes no Legislativo (LegCo) para bloquear propostas da governante pró-Pequim, Carrie Lam.

Outro episódio que demonstra o uso da lei de segurança nacional para perseguir opositores: em novembro passado, quatro legisladores tiveram seus cargos cassados depois que a China decidiu pela demissão imediata de legisladores que “deixarem de cumprir os requisitos legais de manter a Lei Básica” –  a lei de segurança nacional foi anexada à mini-Constituição de Hong Kong.

De acordo com o documento aprovado pelo Comitê Permanente do Congresso Nacional, o legislador poderá ser desqualificado e removido do cargo se: apoiar a independência de Hong Kong; se recusar em reconhecer a soberania da China e seu exercício de soberania sobre Hong Kong; buscar a interferência de países estrangeiros ou forças externas nos assuntos da cidade; ou cometer outros atos que ponham em risco a segurança nacional. Quem anunciará a decisão sobre a remoção de um legislador é o governo de Hong Kong, pró-Pequim.

Após a demissão dos quatro parlamentares, todos os legisladores do LegCo renunciaram aos seus cargos, em protesto.

Mais recentemente, uma troca de cargos do governo causou mais especulações sobre a influência de Pequim sobre Hong Kong. O secretário de segurança John Lee Ka-chiu foi elevado à posição de secretário-chefe da cidade (o número dois do governo), causando temores de que “elementos de segurança nacional” vão se tornar cada vez mais proeminentes nas áreas políticas de Hong Kong.

"A salvaguarda da segurança nacional é uma questão de importância primordial para todo o governo. Aproveitaremos todas as oportunidades para aprimorar a educação para a segurança nacional", disse Lee. Segundo o jornal South China Morning Post, ele deve fazer parte de um poderoso comitê eleitoral que decidirá quais candidatos são "patriotas" e podem concorrer nas próximas eleições da cidade.

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