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coronavírus vacina
Pesquisador trabalha em uma vacina contra o novo coronavírus no laboratório de pesquisa da Universidade de Copenhague, na Dinamarca| Foto: Thibault Savary/AFP

A indústria biofarmacêutica será capaz de fazer uma vacina contra a Covid-19 – provavelmente mais de uma – usando várias tecnologias de vacina existentes. Mas muitas pessoas temem que o novo coronavírus sofra uma mutação e nossas vacinas não sejam eficientes, como o vírus da gripe faz a cada estação. A Covid-19 é fundamentalmente diferente dos vírus da gripe, de uma maneira que permitirá que nossas vacinas de primeira geração se sustentem bem. O coronavírus sofre mutação, mas é provável que ela seja muito mais lenta do que a que ocorre com o vírus da gripe, fazendo com que ganhemos tempo para criar vacinas novas e aprimoradas.

Todo vírus tem um genoma composto de material genético (RNA ou DNA) que codifica instruções para replicar o vírus. Quando um vírus infecta uma célula, ele faz cópias de suas instruções genômicas e segue essas instruções para criar proteínas virais que se juntam, com cópias das instruções, para formar mais vírus (que então saem da célula para infectar novas células, no mesmo hospedeiro ou em alguém novo).

Há uma diferença crítica entre coronavírus e gripe. O novo genoma do coronavírus é constituído por uma longa cadeia de código genético. Isso o torna um vírus "não segmentado" – como um conjunto de instruções que cabem em uma única página. O vírus da gripe possui oito segmentos genômicos, portanto seu código cabe em oito "páginas". Isso não é comum para os vírus e dá à gripe uma habilidade especial. Como as principais partes do vírus da gripe são descritas em páginas (segmentos) separadas de seu genoma, quando dois vírus da gripe diferentes infectam a mesma célula, eles podem trocar as páginas entre eles.

Imagine duas pessoas com relatórios de oito páginas brigando por uma copiadora. Na disputa, algumas cópias podem ter uma mistura de páginas de dois relatórios diferentes. Esse processo de troca de páginas, em que vírus trocam partes de seu genoma, é chamado de rearranjo. A gripe pode mudar rapidamente quando várias cepas passam pelo mesmo hospedeiro. Mas o coronavírus, como um relatório de uma página, tende a permanecer junto e, embora o coronavírus possa trocar seções em um processo conhecido como recombinação, é difícil de alcançar e, portanto, raro. (Imagine duas páginas rasgando páginas da mesma maneira e trocando partes para serem coladas novamente.)

O coronavírus sofre mutação. Todos os vírus sofrem mutações, de maneira que podem ser comparadas aos erros de digitação introduzidos pelo processo de cópia. Em vez de uma copiadora, imagine que uma página de texto seja lida por um scanner que tente transcrever as palavras em um arquivo de texto. O scanner pode transcrever imperfeitamente uma página de texto, introduzindo um "L" minúsculo para "I" maiúsculo e, quando impresso e digitalizado novamente, o scanner comete mais erros de transcrição sobre os erros antigos. Após muitos ciclos, as mutações acumuladas no código fazem com que os recursos do vírus mudem gradualmente, um processo chamado "desvio". Quando o vírus da gripe troca páginas inteiras com um vírus de gripe diferente em uma nova classificação, chamamos isso de "mudança". O "desvio" através de erros de digitação tende a causar pequenas alterações. A "mudança" no rearranjo causa alterações maiores.

Vacina

Uma vacina é como a descrição de um criminoso procurado: diz às células do sistema imunológico a quem procurar. Desde que a aparência do suspeito não mude muito, a vacina funcionará. Na medida em que o vírus da gripe que vemos em um ano é apenas ligeiramente diferente do que vimos nos últimos anos, nosso sistema imunológico está pelo menos parcialmente preparado e, portanto, estamos parcialmente protegidos. Mesmo se formos infectados, pode ser uma doença mais branda, porque nosso sistema imunológico pode reagir mais rapidamente para combatê-lo.

Laboratórios de todo o mundo estão constantemente pesquisando as cepas de gripe de hoje e dando aos fabricantes de vacinas da gripe um alerta sobre a aparência dos vírus. Portanto, se virmos uma nova cepa de gripe na Ásia, provavelmente é uma boa ideia começar a fazer uma vacina contra ela nos EUA antes que essa cepa chegue ao território americano. Como a fabricação em larga escala das atuais vacinas contra a gripe leva cerca de seis meses a partir do momento em que detectamos uma nova cepa, as vacinas estão seis meses desatualizadas no momento em que as recebemos. Alguns anos, a gripe troca uma página genômica com uma cepa menos familiar - talvez uma que não tenhamos visto há uma década - teremos uma vacina menos eficaz. Quando isso acontece, sofremos uma temporada de gripe ruim, já que nosso sistema imunológico está menos preparado para combatê-la.

Na pior das hipóteses, a gripe pode repentinamente pegar uma página de uma cepa de gripe aviária ou suína à qual a maioria dos humanos teve exposição zero. Isso pode ser muito mais mortal, porque o novo vírus pode burlar completamente a imunidade que temos, avançando pela população sem qualquer oposição. Isso é uma pandemia de gripe.

O novo coronavírus de hoje estava fermentando dentro de morcegos por um longo tempo, transformando-se em sua forma atual por vários erros de digitação e, em menor grau, raros eventos de recombinação entre os coronavírus. Agora que está aqui, é tão novo para nós quanto uma cepa de gripe deslocada que nunca vimos antes, e está causando uma pandemia. Mas uma vez que tenhamos desenvolvido uma vacina para essa cepa - e depois que a tivermos tomado - teremos imunidade a ela.

Essa imunidade pode desaparecer à medida que nosso sistema imunológico esquece a imagem que a vacina mostrou, mas podemos resolver isso obtendo doses de reforço da mesma vacina contra a Covid-19 periodicamente. O que não precisamos nos preocupar é que o vírus sofra mutações mais rápidas do que a gripe e que nossas vacinas não sejam eficazes, porque devido à sua simplicidade ele não pode fazer os truques de troca de rosto que a gripe faz.

Ouvimos relatos de que o novo coronavírus já está se transformando em novas cepas, mas essas mutações são menores e é improvável que resultem em algo significativo. Até gêmeos humanos idênticos têm muitas diferenças genéticas entre eles, mas ainda os vemos como idênticos. No caso da Covid-19, poucas mudanças que vimos até agora afetariam uma vacina. Mas se essas mudanças se acumularem com o tempo, nossos programas de vacinas poderão acompanhar.

Pense da seguinte maneira: se a gripe evolui com a velocidade de uma videira em crescimento, o coronavírus é como um cacto. Se você olhar bem de perto, um cacto pode parecer mudar de dia para dia, mas não é nada como uma videira.

Agora estamos inventando novas vacinas a partir do zero e podemos plausivelmente passar do nada para uma vacina comercializada em cerca de um ano. Se laboratórios ao redor do mundo detectarem que esse coronavírus está mudando gradualmente, provavelmente teremos tempo para combinar novas cepas antes que elas mudem o suficiente para causar um novo surto. Fique tranquilo: uma vacina está chegando, ela funcionará e continuará a funcionar enquanto a humanidade precisar enfrentar a Covid-19. Até lá, devemos manter nosso distanciamento social para que o sistema de saúde público, já pressionado, possa dar conta das infecções que aparentemente não conseguimos prevenir.

*Peter Kolchinsky é investidor em biotecnologia e cientista (PhD em Virologia pela Universidade de Harvard), sócio-gerente da RA Capital Management, L.P. e autor do livro "The Great American Drug Deal".

©2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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